terça-feira, 24 de novembro de 2015

O que não existe pode ser o mais importante

Repitam comigo: a luta de classes não existe – “Nunca desde pelo menos desde os anos 60 do século XX os salários pesaram tão pouco face aos lucros, rendas e juros. O peso dos salários do PIB começou a cair na viragem do século. Portugal é o país da Zona Euro em que a queda foi superior desde 2000.” Uma oportuna peça de Rui Peres Jorge no Negócios da quinta-feira semana passada, que vale a pena repescar, permite-nos reafirmar que o que não existe pode ser mesmo o mais importante.

O recuo do trabalho registado é sobretudo um fenómeno institucional, relacionado com alterações políticas das regras que enquadram as relações sociais de produção, da quebra de poder dos sindicatos à erosão deliberada da contratação colectiva, passando pela mudança das prioridades da política económica, onde o desemprego e a precariedade são vistos como úteis mecanismos disciplinares. Tudo isto é parte da erosão do Estado social. Juntamente com o aumento do poder da finança, esta erosão é um dos mecanismos referidos na peça, citando a OIT, e que tendem ainda a ser subestimados pela economia convencional, ou não fosse esta, em última instância, a expressão das forças sociais triunfantes. É claro que em certas circunstâncias, as ideias têm uma autonomia relativa: o próprio FMI já reconhece que o aumento da desigualdade está associada ao enfraquecimento dos sindicatos, por exemplo, embora tal reconhecimento não tenha lugar nas suas prescrições.

Aqui está uma área, a das desigualdades, em especial entre trabalho e capital, onde há muito para reverter e para fazer num campo, o das políticas públicas, onde as lutas convergem e se cristalizam em regras: do salário mínimo à revitalização da contratação colectiva. Vamos a isso.

10 comentários:

Sérgio Pinto disse...

Joao Rodrigues,

Obrigado pelo post e pelas referencias. Infelizmente, o artigo so' esta' disponivel para assinantes; pode indicar qual e' o trabalho da OIT citado no artigo?

De caminho, aproveito este post para fazer algumas perguntas (extensivel a qualquer outra pessoa que possa facultar mais informacao), sobre trabalho desenvolvido na area de desigualdades de rendimento e riqueza em Portugal (um dos meus temas de interesse).

Do que tenho encontrado ate' agora, a maior parte do trabalho desenvolvido parece ser proveniente de Carlos Farinha Rodrigues (ISEG), Pedro Portugal (BdP, trabalho recente sobre sindicatos numa serie de IZA Discussion Papers), de varios investigadores associados ao OD do ISCTE, Facundo Alvaredo (inserido na serie de artigos sobre 'top incomes' proveniente da PSE) e (curiosamente!) alguns trabalhos de Mario Centeno e Alvaro Novo (ate' hoje, ambos no BdP). Ha' algum autor/trabalhos que me estejam a escapar e sejam particularmente relevantes?

A maioria do trabalho desenvolvido parece ser maioritariamente descritivo (creio ser o caso, por exemplo, da generalidade das publicacoes do OD). Ha' alguma trabalho (preferencialmente com base em analises estatisticas, mas qualitativos e/ou descritivos tambem sao bem-vindos) que conheca e possa indicar relativamente 'a ligacao entre fenomenos institucionais (p.e., menor poder sindical), medidas politicas (p.e., mexidas no salario minimo, alteracoes ao codigo fiscal, etc.) e a evolucao da desigualdade?
Por fim, ainda nao encontrei nenhum trabalho que medisse a concentracao de riqueza e/ou a sua evolucao ao longo do tempo, mas talvez me esteja a escapar algo. Tem conhecimento de algum trabalho nesta area?

Anónimo disse...

Será que há algum cidadão decente numa sociedade onde não existe o pleno emprego?

Aleixo disse...

Cá estaremos para monitorizar mas...

Neste contexto, dar competências a quem conseguiu,

valorizar o Código de Trabalho de Bagão Félix...!!!

Dias disse...

É urgente a reversão que a esmagadora maioria anseia. Nem que “fosse só por um dia”, como já ouvi por aí dizer em jeito de desabafo.
De facto, a “Não Alternativa” corroeu toda a esperança. Por mais que o governo da direita e seus apaniguados não o queiram assumir, e até mesmo renegar, a política que seguiram tem uma matriz profundamente ideológica: o neoliberalismo (se têm dúvidas sobre isso, que leiam, estudem!)
Começar a dar passos bem sucedidos no sentido da reversão destas políticas só vai acentuar o fracasso da política da direita, que obviamente, vai torcer pelo insucesso e implorar aos “mercados” e à UE por mais estorvos.

k. disse...

'There's class warfare, all right, but it's my class, the rich class, that's making war, and we're winning.'

Warren Buffet, 2006

k. disse...

Juntaria, e se calhar consideraria mais importante, a seguinte questão:

Necessitamos de começar a pensar em reduzir a semana de trabalho (as horas trabalhadas), como medida de redução da oferta de trabalho (e subsequente subida do "preço", isto é do salario).

Digo isto por causa da crescente automação das estruturas produtivas.
Começamos com a agricultura, e foi toda a gente trabalhar para a industria.
Passamos para a industria, e foi toda a gente trabalhar para os serviços.
Bem, estamos a automatizar os serviços. Não vai haver trabalho para toda a gente, tão simples quanto isso.

Isto não é ficção cientifica, é realidade. E mesmo que os impactos sejam minorados, irão existir.


http://www.bradford-delong.com/2015/09/highlighted-the-history-of-technological-anxiety-and-the-future-of-economic-growth-is-this-time-different.html

Jose disse...

A esperança está de volta, a vaca pública já tem leitinho!

Anónimo disse...

Sobre Desigualdades
“Aqui está uma área, a das desigualdades, em especial entre trabalho e capital, onde há muito para reverter e para fazer num campo, o das políticas públicas, onde as lutas convergem e se cristalizam em regras: do salário mínimo à revitalização da contratação colectiva. Vamos a isso”.
Ocorre-me os movimentos sociais, cooperativos e não lucrativos que ate hoje não perceberam ou não querem perceber que se tornaram, (baseados em mananciais divinos, e legislação para o terceiro sector), em forças supereficientes de suporte ao capitalismo, mais que uma força política transformadora, cavando um fosso ainda maior entre o capital e o trabalho.
Estamos vivendo um momento de esperança, em que dá para imaginar mudanças? Duvido…
Estaríamos não tivesse a “Industria Cultural” como diria Adorno, “tolhendo a consciência das massas e instaurado o poder da mecanização sobre o homem. A indústria cultural cria condições cada vez mais favoráveis para a implantação do seu comércio fraudulento, no qual os consumidores são continuamente enganados em relação ao que lhes é prometido mas não cumprido”. De Adelino Silva









Anónimo disse...

Jose vai dar banhinho ao caozinho e de seguida atira-te ao mar, e depois nada nada até Jersey Island e faz-te refugiado que eles acolhem-te.

João Rodrigues disse...

A peça do negócios cita genericamente a OIT. O último global wage report, na sua parte 3, faz as associações que eu referi, secundada em alguma literatura sobre o tema:
http://www.ilo.org/global/publications/books/WCMS_324678/lang--en/index.htm
E o de 2012/2013, também explora, na sua parte 2, alguns destes mecanismos, em especial a financeirização: http://www.ilo.org/global/research/global-reports/global-wage-report/2012/lang--en/index.htm