sábado, 28 de novembro de 2015

A carta

«Exmo. Sr. Presidente da República,
Após a leitura atenta das seis condições que colocou para a minha indigitação como primeiro-ministro, posso garantir-lhe o seguinte:
a) Quanto à aprovação das moções de confiança, pode ficar descansado. Não lhe escondo que os meus acordos com os outros partidos são frágeis. Há, sem dúvida, divergências bastante profundas, e por vezes é complicado divisar um único ponto de encontro. Mas, nas alturas mais difíceis, PS, PCP, BE e PEV lembram-se sempre da única questão na qual estão cem por cento de acordo: que V. Exa. é tragicamente incapaz. Ninguém nos tira essa sólida base de entendimento, sobre a qual pretendemos edificar lindas convergências.
b) Quanto à aprovação de orçamentos de Estado que ainda não são conhecidos, os três partidos comunicaram-me que desejam tomar como inspiração o seu exemplo de aprovar cegamente orçamentos de Estado, inclusivamente inconstitucionais. Dizem que gostavam de ler os documentos antes de os aprovarem, se V. Exa. não se importa. Por outro lado, ficamos à espera que se submeta à mesma obrigação, em nome da estabilidade: que aprovará sem questionar qualquer orçamento que lhe apresentarmos. Aquele que estamos a preparar contém uma alínea muito gira sobre a reforma do Presidente da República. Acreditamos que apreciará a poupança que ali propomos;
c) Acerca do cumprimento das regras de disciplina orçamental, estamos em condições de garantir o seguinte: o meu governo respeitará tanto os tratados europeus quanto o governo anterior respeitou a Constituição. Sendo V. Exa. um admirador da governação de Passos Coelho, cremos que também apreciará a minha;
d) Em relação ao respeito pelo nosso compromisso com a NATO, e após conversa telefónica com o deputado Jerónimo de Sousa, posso dar-lhe a seguinte garantia: a consideração do PCP pela NATO é tão grande que os comunistas portugueses vão propor aos seus velhos camaradas do leste europeu a reactivação do Pacto de Varsóvia, só para que a NATO tenha o prazer de voltar a extingui-lo. Esta extinção do Pacto de Varsóvia pela NATO terá periodicidade semanal;
e) No que diz respeito ao papel do Conselho Permanente de Concertação Social, deixo-lhe outra promessa: o meu governo não tratará qualquer interlocutor como "força de bloqueio". Esses tempos negros de falta de diálogo já passaram;
f) Por último, quero sossegar V. Exa. acerca das medidas que o meu governo vai tomar no sentido de garantir a estabilidade do sistema financeiro. São elas: impedir que qualquer amigo de V. Exa. funde ou administre bancos; propor um aditamento à Constituição que impeça V. Exa. de fazer considerações acerca dos bancos nos quais os portugueses podem ou não confiar.
Creio que estas garantias satisfarão V. Exa. Agora, e como dizia o outro, deixem-me trabalhar.

Atentamente, António Costa»

A crónica de Ricardo Araújo Pereira na Visão desta semana (via Joana Lopes), que é bem mais que um excelente texto de humor (o que já não seria pouco).

6 comentários:

Jose disse...

Para uma ridícula geringonça ninguém melhor para a sua análise do que um cómico esquerdalho!

Dias disse...

Excelente carta de RAP!

Por falar em PR e no “seu enorme tempo” que nos arrastou para um impasse de 50 dias, uma autêntica farsa, é bom lembrar à direita ressaibiada e oportunista, e à sua central de propaganda, que a CGTP marcou “concentrações na semana passada para exigir que o Presidente da República respeitasse a Constituição, dando sequência à solução governativa apresentada pelos partidos de esquerda”.
Cada coisa no seu lugar e tempo…

Anónimo disse...

Os próximos meses vão ser de vincada contestação, tanto interna como externa, derivado aos processos de austeridade a que fomos submetidos nos últimos amos, desde de 2008, mais precisamente… Assim atrevo-me a lembrar que existe vários tipos de economia, e, entre elas A Economia Solidária.
Acho que pode vir a ser um poderoso instrumento de combate à exclusão social, pois apresenta alternativas viáveis para a geração de trabalho e rendimentos deste -- e para a satisfação direta das necessidades de todos, provando que é possível organizar a produção e a reprodução da sociedade de modo a eliminar as “desigualdades” materiais de que tantos se queixam, e difundir os valores da solidariedade humana.
Em face das novas realidades politicas e sociais democráticas, não pode haver constrangimentos socioeconómicos de qualquer natureza.
E´ natural o aparecimento de dúvidas naqueles cientistas e técnicos da engenharia monetária e cambial habituados ao statuoquo sistémico do capital. Mas isso só releva para uma viragem de progresso que se quer de todos.
Ouvimos ao longo da nossa vida dizer que “as cadelas apressadas parem os cachorros cegos” mas se não ajudarmos com experiencias e ou já resultantes de práticas exercidas em outros lugares…então não sairemos do mesmo! De Adelino Silva

José Luís Rodrigues disse...

Estava mesmo a pedi-las...

Anónimo disse...

Quatro anos foi quanto durou o reino da intolerancia. E, so´ agora, apos o desfeixo democratico parlamentar, me dei conta de tal aberraçao. Não porque tivesse duvidas, mas porque nao imaginava tanto odio inculcado em cerebres da “maestrina” portuguesa. Presidente, 1º Ministro, ministros, deputados e jornalistas
A intolerância é um prato de pus oferecido como iguaria, dizem. Alguns apreciam. Outros engolem a contragosto.
Os que a recusam com coragem e altivez fazem a humanidade ser mais digna desse nome. Portugal, a Republica e a Democracia ganharam dignidade acrescida. Que Viva a Republica Portuguesa. De Adelino Silva

Anónimo disse...

ó José, corra rápido que estão a chamá-lo ao presépio... o burro e a vaca estão com saudades suas :)