Em entrevista recente ao Jornal de Negócios, Subir Lall não se limitou a criticar o irrealismo do governo em relação às previsões de crescimento económico e do défice para 2015. Incrédulo, o chefe de missão do FMI em Portugal afirmou igualmente «que ninguém ainda percebeu muito bem como é que a taxa de desemprego está a baixar», acrescentando ser necessário «perceber o que está a acontecer para que possamos tirar lições» (uma perplexidade que traz facilmente à memória o contorcionismo do líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, que declarou, em Fevereiro deste ano, que «a vida das pessoas não está melhor, mas o país está muito melhor»).
Tentemos pois perceber o que está a acontecer, interpretando o fenómeno do desemprego para lá do seu significado oficial mais estrito (que a Taxa de Desemprego traduz), dependente dos critérios de contagem do número de desempregados e do volume de população activa, e que aponta para uma descida em oito décimas entre o segundo e o terceiro trimestre (isto é, de 13,9% para 13,1%, o que significa cerca de 40 mil desempregados a menos, em Setembro de 2014).
Por outras palavras, e na linha de um exercício feito anteriormente, consideremos que uma avaliação realista do desemprego obriga a considerar um leque de situações mais vasto, que os números oficiais não reconhecem enquanto tal, e que agrega: os «desempregados ocupados» (em acções de formação e em programas de emprego do IEFP); os «inactivos desencorajados» (que estando ou não disponíveis para trabalhar, se encontram efectivamente desempregados); e os «activos expatriados» (designação que procura reflectir a sangria migratória compulsiva de população activa, acumulada ao longo dos últimos anos).
Se contabilizarmos todas estas situações (ver gráfico), não só deixamos de obter valores de desemprego na ordem dos 13% como passamos a registar uma tendência para a sua estabilização, que em bom rigor revela uma ligeira subida (de 0,1 pontos percentuais) entre Junho e Setembro do corrente ano. Isto é, o desemprego real aproxima-se dos 26,5% em Setembro de 2014, que apenas se distanciam quatro décimas do valor alcançado em Março de 2013, o «pico» registado no período da troika e do suposto «pós-troika» (e que, na restritiva contabilidade oficial, se circunscreve a um patamar de 17,5%).
A componente de «desemprego camuflado» tem pois, de forma paulatina, vindo a ganhar terreno:
● Se em Junho de 2011 os «desempregados ocupados» representavam cerca de 3% no desemprego real, em Setembro de 2014 passam a significar cerca de 11%;
● Por sua vez, os «inactivos desencorajados» passam a representar 23% do desemprego real em Setembro de 2014 (quando significavam, em Junho de 2011, cerca de 20%);
● E quanto aos «activos expatriados» (cuja estimativa acumulada se calcula por defeito, partindo do princípio - pouco realista - de que a emigração em 2014 assumirá um volume equivalente ao registado em 2013), passam a significar cerca de 20% do desemprego real, quando em Junho de 2011 o seu peso relativo era de apenas 3%.
Pode pois dizer-se que globalmente, em Setembro de 2014, a maior parcela do desemprego corresponde a «desemprego estatisticamente camuflado» (cerca de 53% do desemprego real), dando os números oficiais conta dos restantes 47%. Em Junho de 2011, quando a actual maioria tomou posse, esta proporção era manifestamente distinta, com as formas de «desemprego camuflado» a representar cerca de 26% do desemprego real e os «desemprego oficial» cerca de 74% desse universo.
Aliás, se o senhor Subir Lall quiser realmente perceber o que se passa, de modo a dissipar as suas dúvidas e a sua incredulidade, pode começar por analisar a evolução recente do número de «desempregados ocupados», uma variável particularmente ilustrativa das engenharias estatísticas utilizadas, nos últimos três anos, para esconder desempregados. E poderá então concluir que uma descida da Taxa de Desemprego não significa de facto, necessariamente, que o desemprego esteja a diminuir.
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7 comentários:
Mais estranho ainda é o consumo estar a aumentar, e principalmente em bens importados(naturalmente mais caros e fora dos de primeira necessidade). Ou as famílias mais abastadas estão com medo da banca rota desataram a gastar, ou a classe média tão sacificada pelos impostos desistiu de vez de fazer poupanças.Seja como for são más noticias para a esquerda caviar agora que se aproximam a época da propaganda eleitoral feroz.Lá se vão as teorias de incentivar o consumo.
Há muitos factores que estão a ser utilizados, pelo governo, para manipular as estatísticas. Da emigração não se fala.
Seria interessante medir o desemprego pela evolução dos postos de trabalho. Quantos foram criados para reduzir o desemprego? Essa seria a medida mais directa para analisar a evolução.
Este gráfico agarra nas paecelas do desemprego que o governo procura escamotear e constroi uma taxa de desemprego que não enferma da incompreensível discordância em relação ao andamento da nossa economia e ás taxas de desemprego oficiais da vizinha Espanha
(http://www.datosmacro.com/paro/espana)
Este post é serviço público.
De frente e de caras.
Bem podem tentar afastar para coisas "mais estranhas" e consumir o "consumo a aumentar"
...a claridade dos factos é uma coisa tramada
De
Incluir os activos expatriados não é de uma análise séria - nada nos assegura que estavam desempregados ou que estariam desempregados caso não tivessem emigrado. Certo que o desemprego é um importante factor para a emigração, mas não é o único (conheço quem emigrou devido à carga fiscal). E não estou a dizer que não são relevantes - são e bastante, mas merecem uma análise separada.
De resto, ok.
Se as reformas antecipadas fizessem desde sempre parte do desemprego, a que maioritáriamente pertencem, os dados históricos seriam bem diferentes.
Qualquer visita a um supermercado nos diz que há muito bem de primeira necessidade a ser importado, se são produtos de menor valor acrescentado ou não, isso não faz com que possamos simplesmente ignore-los na questão do import/export...
Sendo verdade que "activos exportados" não são necessariamente activos que estariam no número de desempregados, eles têm no entanto muita influência no cálculo da taxa de desemprego. Como? Porque a taxa de desemprego se refere não ao total da população, mas à população activa. Se, como está implícito num comentário anterior, a população que emigra fosse maioritariamente população activa, então o efeito da emigração na taxa de desemprego seria o de a aumentar (5/8 é maior do que 5/10 por exemplo). Ou seja, tendo esses activos um impacto real no cálculo do desemprego, tendo o fluxo com que esses activos se expatriam aumentado com a degradação da situação económica (para não dizer com o aumento do número de desempregaods), será lógico o contrário, o excluirmos esses activos desta contabilidade?
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