segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Quando os recursos escassos são usados em proveito político

"Temos recursos escassos para afectar aos mais desfavorecidos e, por isso, temos de ser criteriosos".

Este é o argumento do Governo repetido à exaustão, quando se trata de cortar prestações sociais. As palavras citadas são da ministra das Finanças numa recente sessão parlamentar.

Este argumento tem razão de ser, mas não deveria ficar circunscrito apenas para os apoios sociais. Os recursos públicos são escassos e deveria haver uma forma de aferir se apoios concedidos - sejam sociais ou em benefícios fiscais - cumprem esse objectivo.

O primeiro passo da redistribuição do rendimento deveria passar por uma política fiscal eficaz. Mas não é isso que acontece. A política fiscal não taxa mais aos mais ricos; sobretudo taxa mais aos assalariados e aos pensionistas mais ricos, porque o IRS é demasiado poroso à fuga de outros rendimentos. Tributa o património imobiliário, mas não o património mobiliário. E quando às empresas e capitais, taxa por igual empresas e capitais com baixo e elevado nível de rendimento. E isto sem discutirmos a definição da matéria colectável por onde - graças a deduções e benefícios - se esfuma muito do rendimento por tributar pelas empresas.

Vem isto a propósito da reforma de IRS e dos esforços do CDS para aliviar as famílias numerosas em sede de IRS. Nunca é dito a quem esta medida se dirige, nem se apresentam cálculos sobre o impacto dessa medida, apesar do OE 2015 ter - supostamente - integrado uma previsão de perda de receita fiscal.

Rendas das famílias numerosas 
Os Censos de 2011 poderiam ser uma boa fonte de informação. Mas - pasme-se! - não foi feita qualquer pergunta nos Censos quanto ao rendimento dos agregados familiares. A única forma de lá chegar indirectamente - e com todos os cuidados possíveis - é através dos encargos com alojamento.
Encargos com aquisição de habitação das famílias numerosas






Mas veja-se o número de famílias numerosas (mais de 3 pessoas a cargo), quando se "ventila" essa informação tanto por escalões de renda como de encargos nas prestações para compara de habitação própria.

O que se verifica é que a maior parcela das famílias numerosas têm tanto rendas mais elevadas como maiores encargos com a compra de casa. Ou seja, parece que o universo das pessoas a privilegiar por esta medida da Reforma de IRS se centra na classe média. Conclusão que corrobora a informação extraída dos Censos de 2001 e 2011 de que as famílias mais numerosas em crescimento centram-se em agregados de empresários, quadros técnicos e actividades semelhantes e profissionais administrativos e de serviços.

Por outras palavras, o Governo - cedendo ao CDS - não está a efectuar a devida redistribuição dos escassos recursos públicos, mas apenas a aliviar uma classe média saturada de impostos e que, com esta maneira, poderá ser seduzida à última hora para umas eleições que parecem cada vez mais perdidas para a Maioria.

11 comentários:

Jose disse...

Quando o discurso político abraça a mesquinhez como pilar e suporte da mudança, sabemos ao que vem - ao socialismozinho dos coitadinhos e dos outros.

Anónimo disse...

Aqui estão sempre a falar de escola pública vs privada e penso que vale a pena ler este artigo e pensar sobre o tipo de questões que se levantam com a suposta liberdade de escolha:

http://www.bbc.com/capital/story/20141031-how-to-pay-for-private-school

Cumprimentos,

Filipe Dias

P.S: continuem com o excelente trabalho que nos têem presenteado até ao dia de hoje.

Anónimo disse...

Atenção, gralha: poroso, 9.ª linha.

A.M.

Anónimo disse...

A maioria pertence mesmo é à Opus Dei , a melhor maneira de obter emprego e viver bem.

Anónimo disse...

O discurso político não abraça só o mesquinho.
Vai muito mais longe e a prova disso é este (mais um vez) excelente psot de João Ramos de Almeida

Mas em geral é assim.Quando perante factos e dados concretos os axiomas neoliberais caem com estrondo e a propaganda néscia e sórdida esboroa-se célere..
...e há quem corra a refugiar-se em palavreado sem sentido e sem remissão, em busca dos coitadinhos e dos outros como "justificação" e como fuga.

Admira como o "piegas" não surja como escape da irritação pelo desnudar da "trampa" neoliberal

De

João Pimentel Ferreira disse...

Não percebi a relação entre rendas de 300€ e 400€ e o facto da família ser abastada! Talvez me possa elucidar.

Anónimo disse...

" Não percebi a relação entre rendas de 300€ e 400€ e o facto da família ser abastada!"

A precisão da linguagem é uma virtude.E uma qualidade nos que procuram uma metodologia científica
É grave que alguém que se reivindica desta área não consiga reproduzir correctamente o que se escreve.

"Não percebi a relação entre rendas de 300€ e 400€ e o facto da família ser abastada!"
( deixemos para lá o ponto de exclamação que motivaria mais alguns parágrafos)

Leia-se de novo o texto de JRA e verifique-se a natureza criativa da palavra "abastada". E coteje-se com o que de facto foi escrito.
( sem pontos de exclamação)

(Eu estou bastante mais interessado em verificar as pequenas grandes manipulações como alguns tratam a economia, travestindo-a de equações matemáticas com que tentam esconder as questões centrais.

Ou os disparates feitos generalidades (escondidas atrás de equações) de como "o défice de hoje é e dívida de amanhã"

Foi por causa deste tipo de "equações" que escamoteiam o fundamental da questão ( o défice e a dívida como variáveis virgens e axiomáticas sem direito à procura do que está por detrás destes) que convidaram uma coisa chamada crato para ministro da educação.

Com os efeitos que se conhecem)

De

João Pimentel Ferreira disse...

O termo "abastada" não foi usado mas o autor refere que "as famílias mais numerosas em crescimento centram-se em agregados de empresários, quadros técnicos e actividades semelhantes e profissionais administrativos e de serviços", deixando a entender que as propostas do IRS são injustas porque beneficiam quem tem mais rendimentos. Ora, um valor de renda nesse intervalo para uma família numerosa, é algo perfeitamente aceitável. Não encontro nenhum padrão estatístico anormal nos dados que o autor apresenta.

Anónimo disse...

"O termo "abastada" não foi usado.
Não há mas nem meio mas.

Ponto final parágrafo

Infelizmente tenho que repetir o já dito:

A precisão da linguagem é uma virtude.E uma qualidade nos que procuram uma metodologia científica
É grave que alguém que se reivindica desta área não consiga reproduzir correctamente o que se escreve.

O debate que agora pretende iniciar é um outro debate.

Mais um ponto final parágrafo

De

João Pimentel Ferreira disse...

Tanta arrogância (por certo desvendando a falta de sapiência) e não está explicada ainda, citando o autor ipsis verbis, a "conclusão que corrobora a informação extraída dos Censos de 2001 e 2011 de que as famílias mais numerosas em crescimento centram-se em agregados de empresários, quadros técnicos e actividades semelhantes e profissionais administrativos e de serviços." Se me facultar fontes para estas observações, agradeço.

Anónimo disse...

Parece que não percebeu e custa-me de facto estar a tentar explicar-lhe o óbvio

A chamada de atenção foi feita na sequência desta frase:
"Não percebi a relação entre rendas de 300€ e 400€ e o facto da família ser abastada!"

As dúvidas posteriores do sr JP Ferreira são legítimas e podem constituir motivo de diálogo para quem o quiser.

Para mim isso não tem qualquer interesse.Mas já o tem a correcção necessária a uma frase infeliz que desvirtua o sentido do texto e que se manifesta como falsa.

Como já disse não há mas nem meio mas e o que o sr Ferreira devia ter feito era admitir o erro.Simplesmente.

Porque este tipo de imprecisões em pessoas com necessária formação científica não deve passar sem o devido reparo.

O mais do resto já o disse, mas repito-o:
Não tenho o menor interesse no "debate" que tenta empreender após esta correcção.

Está agora claro ou será necessário mais um comentário?

De