quinta-feira, 6 de novembro de 2014

De esquerda e com orgulho


Parte de uma sugestão de leitura:

Hoje, a narrativa dominante é a do fundamentalismo do mercado, largamente conhecido na Europa como neoliberalismo. A estória que conta é a de que o mercado pode resolver quase todos os problemas sociais, económicos e políticos. Quanto menos o Estado nos regulamentar e taxar, melhor ficaremos. Os serviços públicos deviam ser privatizados, a despesa pública devia ser cortada e os negócios deviam ser libertados do controlo social. Nos países como o Reino Unido e os EUA, desde há 35 anos que esta estória formatou as normas e os valores: desde que Thatcher e Reagan chegaram ao poder. Está a colonizar rapidamente o resto do mundo. (...)

No centro desta estória está a noção de mérito. A competição desenfreada recompensa as pessoas que têm talento, que trabalham com afinco e que inovam. Derruba as hierarquias e cria um mundo de oportunidades e mobilidade. A realidade é um bocado diferente. Mesmo no início do processo, quando os mercados ainda não estão regulados, não se começa com oportunidades iguais. Muita gente está bem para trás quando se dá o tiro de partida. Foi assim que os oligarcas russos conseguiram alcançar essa riqueza no momento em que a URSS se decompôs. No seu conjunto, não eram as pessoas mais talentosas, esforçadas ou inovadoras, apenas as que tinham menos escrúpulos, os maiores bandidos com os melhores contactos, frequentemente no KGB.

Mesmo quando o talento e esforço justificam o que se adquiriu, isso não se mantém por muito tempo. Uma vez enriquecida a primeira geração de empresários com iniciativa, a meritocracia inicial é substituída por uma nova elite que protege os seus filhos da concorrência através da herança e da melhor educação que o dinheiro pode pagar. Onde o fundamentalismo do mercado foi aplicado mais ferozmente – em países como o Reino Unido e os EUA – a mobilidade social reduziu-se imenso.

Se o neoliberalismo não fosse mais que um conservadorismo egoísta, cujos gurus e centros de difusão desse pensamento foram financiados desde o início por algumas das pessoas mais ricas do planeta (os magnatas americanos Coors, Olin, Scaife, Pew e outros), os seus apóstolos teriam reivindicado, como pré-condição para uma sociedade baseada no mérito, que ninguém deveria iniciar a sua vida com a vantagem desleal da riqueza herdada e de uma educação determinada por recursos económicos. Mas eles nunca acreditaram na sua própria doutrina. Em consequência, a iniciativa empresarial rapidamente deu lugar às rendas. (...)

17 comentários:

Anónimo disse...

Caro Jorge Bateira,

Desculpe que lhe diga mas este post, no seu simplismo, não lhe faz jus.

Podia comentar muitas frases mas basta esta:

"uma sociedade baseada no mérito, que ninguém deveria iniciar a sua vida com a vantagem desleal da riqueza herdada e de uma educação determinada por recursos económicos."
É o mérito dos pais que permite oferecer aos filhos uma melhor educação, saúde, segurança financeira, ... Parece-me uma boa consequência de uma sociedade baseada no mérito que um pai procure garantir o melhor para os seus filhos mesmo depois de morrer.
Claro que depois é necessário que o mérito dos filhos lhes permita aproveitar as condições que o mérito dos pais lhes proporcionam à partida. E aí é que muitas vezes o Estado tem um papel negativo ao proteger o capital não deixando, por exemplo, que algumas empresas vão à falência (perdendo os accionistas todo o capital). E ninguém se insurge mais contra falências do que a esquerda.

Anónimo disse...

A título de exemplo. Muita gente, nomeadamente de esquerda, está preocupada com uma possível (hipotética) falência da PT. Ora uma falência da PT resultaria precisamente na perda total do capital por parte dos seus accionistas, contribuindo assim para a "quebra" do mecanismo de perpetuação do capital que associa ao mercado. No entanto, repare: seria o mercado a ditar essa perda total de capital (o que aliás aconteceu no BES) enquanto que uma intervenção do Estado (comprando a PT) resultaria precisamente na "salvação" desse capital à custa dos contribuintes (que pagariam a nacionalização). Não é melhor então deixar a PT falir (se tiver que falir, claro)?

Anónimo disse...

Peço desculpa pela minha insistência mas vou "destilando as ideias à medida que lhe escrevo".
É o Estado que mais preserva o capital privado das "agruras" do mercado!!! Como: comprando empresas falidas a propósito dos centros de decisão nacionais, garantindo depósitos acima dos 100000 euros (compare o Chipre com o Novo Banco), ... E geralmente é a esquerda que clama por estas acções. Não lhe parece um contra-senso?

Anónimo disse...

Repare noutro exemplo de como é o Estado que preserva o capital privado afastando-o da concorrência.

"A Sonae Sierra, especialista em centros comerciais, fechou os primeiros nove meses do ano com lucros de 59,8 milhões de euros (11x mais do que em 2013)"
Sendo este sector tão lucrativo de certeza que haverá outras empresas a preparar-se para nele entrarem, concorrendo assim com a Sonae. Haver até pode haver, mas o Estado condiciona a abertura de novas superfícies protegendo assim os lucros e capital da Sonae. Quem é o mais defensor desses condicionalismos? A esquerda, que assim faz um favor à Sonae (incluindo os herdeiros do império que nem têm de se esforçar para o manter), mas que ao mesmo tempo diz que estes lucros são absurdos e se insurge contra o capital que passa de geração em geração. Pudera, o Estado não cria condições para que o mercado lho tire (se for melhor, claro)!!

Anónimo disse...

Destilando as ideias é uma boa ideia.Ou talvez nem tanto porque saem enfrascadas

"O mérito dos pais permite oferecer aos filhos" etc e tal.

Qual terá sido o mérido do filho do pai que nos governa , enquanto se governa?

Ou a defesa duma espécie de darwinismo social , travestido de transmissão ao filho do direito a.

Uma pequena amostra do pensamento monárquico destas coisas?
Sem sombra de dúvida. E de algo mais.

De facto o direito à educação não deveria ser determinada pelas condições económicas dos pais ,dos avós ou de quem quer que fosse. Nunca. Mas o fundamentalismo neoliberal tem destas coisas. Foi por causa de "coisas" assim que durante muitos anos a transmissão da terra tinha por destino o primogénito.

Agora tenta-se dourar a pílula com o mérito do pobre pai a morrer e que quer...

A demagogia misturada com a hipocrisia e com as características dominantes de contornos ideológicos perversos.A cheirar ao estrume dos tempos e à cassete arrogante dos que teimam em ser donos do mundo

De

Mas lá voltaremos

Dalaiama disse...

Embora eu não seja um especialista no assunto, em relação ao anónimo que comentou antes, penso que há alguns equívocos na análise que fez da situação das falências.

Até onde sei, a esquerda nunca defendeu a nacionalização dos prejuízos e a privatização dos lucros. Essa é sim a doutrina da direita. A direita gosta de salvar grandes empresas falidas (atenção, apenas as grandes, justamente para proteger a Imobilidade social) com dinheiros públicos, mas logo a seguir devolve-as aos grandes grupos económicos por tuta e meia para que continuem o festim do parasitismo egoísta.

Que eu saiba, as esquerdas progressistas (há mais do que uma, é bom lembrar) defendem a nacionalização dos lucros. Há empresas demasiado grandes, demasiado estratégicas no contexto social, para permanecerem no jogo especulativo de elites brincalhonas que irresponsavelmente saqueiam os recursos públicos.

Em bom rigor, a direita aplica uma enorme falácia, e creio que é disso que muito bem fala este texto. Que falácia é essa? A de que defende a mobilidade social e a meritocracia, contanto que o Estado se mantenha ausente da economia. Ora, o que acontece é precisamente o contrário: a estagnação do mérito através da acumulação continuadamente crescente da riqueza nas mãos de uma classe ultra-minoritária que, apenas à custa da ação protetora do Estado, se mantém dominante.

Com a direita, o Estado não desaparece. Ele é cinicamente apropriado e manipulado pela classe dominante. Não há mérito, não há democracia social, não há igualdade de oportunidades. O neoliberalismo promove a corrupção e a injustiça.

Talvez fosse positivo que, em vez de se apregoar um teto nas prestações sociais (um limite na esmolinha, como a vêem os conservadores da direita), fosse tempo de se instituir um teto na riqueza acumulada. Como isso se faz, não sei. Não tenho respostas para tudo. Aliás, sinceramente vivo com dúvidas e estou sempre a aprender. Simplesmente estou em crer que a ganância é infinita, quando se tem 10, quer-se ter 100, depois do 100 vem o 1000, então já se cavalga para os 10000000 e por aí diante. Como é humanamente impossível, com fundamento no próprio mérito, na justa produção de um único indivíduo, alcançar valores assim exorbitantes de riqueza, o que acontece é que recorre-se à expropriação alheia, à exploração, ao roubo legalizado, à extorsão neoliberal.

Neste momento, já nem é apenas a esmagadora maioria dos seres humanos que são humilhados e espoliados com o fulgor do capitalismo global, o próprio planeta já sofre com a acumulação ilimitada da riqueza.

Para começar, talvez fosse boa ideia, não? Instituir-se-ia um teto para a riqueza, um limite modesto e justo. É difícil definir o que seria um "teto modesto e justo", e provavelmente ainda garantir a sua aplicação. Mas o que é fato é que ninguém precisa de se deixar levar pela ganância feroz e desenfreada para poder viver sereno e feliz. Os milionários são proprietários de riquezas de que, nem que vivessem mil anos, nunca serão capazes de usufruir. Desejam apenas ostentar que a sua riqueza é infinitamente superior à dos outros. Com custos terríveis e de desespero para a maioria.

O neoliberalismo é conservador e injusto. E creio que é disso que fala o texto. "Perfeito" (seja lá o que isso for) ninguém é, mas a direita apresenta contradições que seguramente não podem ser apontadas à esquerda. Digo eu.

Jose disse...

A acumulação de capital tem a vantagem de incrementar o investimento. Se os acumuladores se dedicassem ao consumo lá se ia a acumulação!
Onde ele não se acumula é nos Rstados, que logo vão oos governos a comprar votos...

vernon disse...

Espreitando o resto do artigo, juntaria o parágrafo seguinte:
“All this is ignored, and success or failure in the market economy are ascribed solely to the efforts of the individual. The rich are the new righteous, the poor are the new deviants, who have failed both economically and morally, and are now classified as social parasites”.
Para fazer a ligação.

Fica cada vez mais fácil ver onde está, de facto, a parasitagem. Os parasitas ancestrais e os parasitas trepadores lançaram-se com afinco no saque dos bens comuns, bens públicos, interesses nacionais, de todos, sectores estratégicos que se constituem naturalmente como monopólios, a dois ou a três tanto faz, autênticos oligopólios, com proveniências e constituições obscuras, e o produto do saque guardado no Luxemburgo, na Suiça ou na Madeira entre outros.

Escola Pública, SNS e Seg. Social, com as adaptações próprias dos sectores, não escapam ao saque rentista.
Enfim, tudo negócios garantidos; porque um parasita não trabalha “pó boneco”. Ou melhor não trabalha. A história “misteriosa” da propriedade diz tudo.

E os parasitas dos UE/EUA estão a preparar-se, com a manobra do tratado transatlântico, para parasitarem de forma ainda mais tremenda os povos dos estados onde conseguirem contaminar em conluio com os parasitas nacionais.

Anónimo disse...

Deixemos para lá as atitudes um pouco tolas, tontas e pedantes a respeito de "posts que não fazem jus"

E assinalemos que estamos perante um post que remete para o caixote do lixo um dos axiomas neoliberais que mais "querido é". O que provoca pruridos entre a coorte que o promove a lei divina.

Ah e um grande comentário de Dalaiama

De

vernon disse...

Um cúmulo inaceitável- 1 % de parasitas mais as baratas que andam à volta vampirizam e destroem a vida de 99 % das pessoas.

Jose disse...

A sobrevivência do planeta recomenda que que a acumulação se prossiga com intensidade.
O apetite que por aí vai de derreter o dinheiro dos ricos em consumismo iria provocar um muito rápido esgotamento de recursos.

Anónimo disse...

Um fala no direito à transmissão do saque por gerações e gerações, assegurando a devida fatia educacional segregacionista ( tal como provavelmente na saúde e no direito à agua por exemplo) desde o momento em que o bebé nasce. Outro fala no "dinheiro dos ricos" como direito divino e inquestionável parido no seio dos deuses do capital.

Uma pergunta indiscreta: o tal dinheiro dos ricos será o dinheiro das negociatas com a privatização do BES ? Das fugas ao imposto do soares dos santos? Do gerado pelos benefícios fiscais assegurados pelos estados governados pela clientela do poder económico? das actividades sórdidas de miss swap? Dos negócios do banco laranja? das acções do cavaco que duplicam de valar de acordo com os desejos da quadrilha? da forma empresarial da tecnoforma e dos negócios esconsos da dupla Passos/coelho? da actividade de junker com os negócios privados e ocultos com as multinacionais? Do roubo da mão-de-obra alheia? da exploração do trabalho sem escrúpulos e sem peias?

Ah,esta pieguice insuportável pelo "dinheiro dos ricos" e a pugna quotidiana de alguns para a sua manutenção nos paraísos onde se encontra.

Agora até travestida, espanto dos espantos, de "conservação dos recursos"

De

Jose disse...

Ah,este apetite insuportável pelo "dinheiro dos ricos" e a agonia quotidiana de alguns para a sua captura nos paraísos socialistas onde se encontra uma classe dirigente pronta a dele usufruir.

vernon disse...

“Se o neoliberalismo não fosse mais que um conservadorismo egoísta (…) os seus apóstolos teriam reivindicado, como pré-condição para uma sociedade baseada no mérito, que ninguém deveria iniciar a sua vida com a vantagem desleal da riqueza herdada e de uma educação determinada por recursos económicos. Mas eles nunca acreditaram na sua própria doutrina. Em consequência, a iniciativa empresarial rapidamente deu lugar às rendas.”

Portanto, o que temos são empreendedores de rendas, infiltrados, com papagaios piegas de poleiro, a parasitar os bens comuns e interesses públicos, e dinheiro de todos.
Com acuidade consciente e generalizada do saque e acabava-se-lhes as veleidades.

Anónimo disse...

Pede-se desculpa ao sr jose mas o joguinho de palavras não serve, pelo que não pode passar.

Quem fala no dinheiro dos ricos e defende desta forma que me abstenho de adjectivar a sua "acumulação" é o dito sr jose. Desta forma junta a sua voz aos que duma forma bastante clarificadora perderam os escrúpulos.

Jose defendeu que era legítimo que os 85 mais ricos tenham tanta riqueza
como a metade mais pobre do Mundo.

Esta frase:
"Ah,esta pieguice insuportável pelo "dinheiro dos ricos" e a pugna quotidiana de alguns para a sua manutenção nos paraísos onde se encontra."

Encontra como resposta uma fuga.
O que jose disse está dito.Parece que a justificação para a sua sanha neoliberal extremista passa pelos paraísos socialistas e a classe dirigente.

O que revela duas coisas.
Que estamos perante uma fuga a pretexto dum argumento falso.
E que jose tem de facto medo duma alternativa ( ou alternativas) a esta sociedade venal e podre

De

Jose disse...

Liberalismo e cretinismo nãi têm que ser sinónimos.
Para provar o liberalismo haveria de ter vernon como herdeiro? Ou pagar-lhe os estudos?
Não há pachorra para esta ganâmncia de deitar a mão ao que a outros pertence!

Anónimo disse...

Mas quem disse que liberalismo e cretinismo são sinónimos?

O que "temos são empreendedores de rendas, infiltrados, com papagaios piegas de poleiro, a parasitar os bens comuns e interesses públicos, e DINHEIRO de todos."

Muito longe do cretinismo apregoado por alguns.

Não há mesmo pachorra para esta ganância de deitar a mão do que pertence aos que trabalham.Nem há mesmo pachorra para aceitar esta concentração da riqueza nas mãos de meia dúzia de tipos.Que como se sabe não são mesmo nada cretinos. Têm sim muitos outros qualificativos, mas de cretinos não têm mesmo nada.

E a sua classe está a ganhar nesta guerra de classes

De