As decisões da UE que concretizam o modelo da tão desejada união bancária constituíram mais um episódio revelador do poder da Alemanha na configuração do nosso futuro. Contra a Comissão Europeia e todos os europeístas que sonham com a federalização passo a passo, mas sem o voto dos cidadãos, a Alemanha não permitiu que os bancos falidos possam ser encerrados sem ter a última palavra. Ou seja, o Conselho Europeu é que decidirá, sem pressas, porque é aí que a
Alemanha tem melhores condições para exercer o seu poder. Mais ainda, o fundo destinado a suportar os custos das falências não será financiado por um imposto europeu, o que quer dizer que a união bancária não terá uma natureza federal. Na realidade, o acordo não permite acudir, no imediato e numa escala supranacional, a uma crise bancária importante. Os orçamentos nacionais continuarão obrigados, por muitos anos, a acudir a bancos internacionalizados, uma vez que a Alemanha não quer assumir mais responsabilidades com o dinheiro dos seus contribuintes. Já tem problemas que cheguem com os seus bancos regionais, que, como sempre exigiu, ficam preservados de uma supervisão supranacional.
Assim sendo, quando vemos declarações dos nossos banqueiros, ou do governador do BdP, assegurando que os bancos portugueses estão de boa saúde, temos boas razões para nos preocuparmos. Primeiro, porque se vê que precisam de dizê-lo, o que é um mau sinal. Numa depressão, e esta crise na periferia europeia já é uma depressão, alguns bancos entram forçosamente em insolvência e nem é preciso ser economista para perceber que é assim. Alguma leitura de história económica poderá ajudar quem ainda tenha dúvidas. Por outro lado, basta alguma atenção às notícias sobre a evolução dos resultados das operações internas (internacionalização à parte), ou sobre a contabilidade criativa num grande banco, para se perceber que as declarações dos banqueiros são apenas sintoma do nervosismo de quem sabe mais que nós. A esse nervosismo não será alheia a má consciência de que contam com a socialização dos seus prejuízos para se manterem bem na vida. E esta é outra razão para nos preocuparmos, uma vez que, por decisão da UE, o endividamento público continuará a ser a fonte do financiamento do resgate dos bancos.
O que nos espera em 2014 é a convergência de várias dinâmicas interligadas: o regresso à espiral depressiva, com a aplicação de um Orçamento reciclado para responder às decisões do Tribunal Constitucional; a degradação das contas do sistema bancário e a aproximação de mais resgates; a aceleração dos efeitos bola de neve (juros crescentes) e "denominador" (diminuição do produto), que farão disparar o peso da dívida pública; a desconfiança dos mercados financeiros relativamente à dívida de uma economia deprimida; a continuação da emigração em grande escala; a exasperação de algum protesto social face à inexistência de alternativa política.
Qualquer que seja a decisão da UE sobre o que fazer com Portugal, uma coisa parece certa: esta política económica é para manter. Neste cenário, com quem podem contar os portugueses para começar a ver uma luz ao fundo do túnel? Com os europeístas? Primeiro disseram-nos que a eleição de François Hollande acabaria com a austeridade na Europa. Depois disseram-nos que grandes mudanças viriam com as eleições de Setembro na Alemanha. Agora dizem-nos que as próximas eleições para o Parlamento Europeu são a grande oportunidade para uma reforma redentora da UE. Enquanto o país se afunda na depressão, este europeísmo da moeda única insiste em criar ilusões. Espero que em 2014 estas ilusões se desfaçam para podermos começar a preparar um novo horizonte para o país.
(O meu artigo no jornal i)
4 comentários:
Enquanto europeísta que nunca foi embalado pelo Hollande, também não acho que as eleições para o PE sejam um momento de grande mudança. Basta ver o eterno tema dos dois "plenários", que apesar das inúmeras deliberações do PE para que acabem (poupando ao MFF 700 milhões de euros por ano), chumba invariavelmente no Conselho. Podia-se continuar com as imensas propostas da Comissão e do Parlamento que morrem nas gavetas do Conselho.
Acontece no entanto que se as eleições para o PE não são o momento, elas são de facto um momento e convinha ser abordado com seriedade.
É curioso que ninguém se pergunte por que razão, uma crise que começou há cinco anos nos EE. UU., continua a afectar unicamente os países da Eurozona e mais concretamente os países do Sul. A resposta é simples. Como novos sísifos, nos vemos obrigados a arrastrar essa enorme pedra que é o euro, uma carga excessivamente pesada. Os deuses condenaram a Sísifo a empurrar sem cessar uma rocha até ao cima de uma montanha, para aí a pedra voltar a cair pelo seu próprio peso. Isto é o que ocorre às nossas economias. Qualquer tentativa de recuperação resultará abortada de novo pelo facto de pertencermos à União Monetária. Albert Camus, comentando o mito, aponta que os deuses pensaram com algum fundamento que não há castigo mais terrível que o trabalho inútil e sem esperança. ¡Que razão a sua!
(Juan Francisco Martín Seco)
Entendo a Europa como um espaço que vai do Atlântico aos Urais e do Mar Mediterrâneo ao Oceano Glacial Ártico,ou estarei enganado? Que alguém esteja interessado em dividir esta região para poder reinar é óbvio.A dificuldade do Centro Europeu em dominar a Leste acontece desde Alexandre Nevsky até ao episódio Hitler.As tentativas actuais são risíveis.O prof.Eduardo Lourenço tem publicada extensa literatura sobre este assunto.Quem assobia para o lado terá as suas razões.
O Anonimo das 22:10 devia ler algumas paginas do plano Funk de 1936. As analogias com a situação actual são surpreendentes!
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