segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Lampedusa, Europa, Século XXI

«As imagens captadas pelo telemóvel do jovem sírio Khalid chocaram o mundo. Em Lampedusa, meses após a morte trágica no Mediterrâneo de centenas de imigrantes clandestinos, descobre-se que os que sobrevivem ao mar são tratados como bichos. No centro de acolhimento da ilha italiana, ficam nus à frente de toda a gente para serem desinfectados com um jacto de água. A imagem tem conotações duras. Um campo de concentração? Um matadouro? Duas ou três palavras bastam para descrever essas imagens. Indiferença. Desumanidade. Vergonha. Em Outubro, quando mais de 300 imigrantes morreram ao largo da ilha, o Papa Francisco resumiu tudo na palavra vergonha. Passadas poucas semanas, a vergonha ainda não chegou a Lampedusa. Nem à Itália. Nem à Europa que desiste dos seus valores a troco da segurança imaginária de uma fortaleza. Ao escândalo da morte escondida no fundo do mar soma-se o escândalo da humilhação dos sobreviventes, julgados demasiado indignos para serem tratados como mulheres e homens num centro de acolhimento. A Europa que se mostra assim tem que legitimidade para dar lições de direitos humanos aos outros?
Vimos as imagens, elas suscitaram a indignação geral. Incluindo a fúria de Bruxelas, em vésperas de mais uma cimeira europeia onde o tema da imigração corre o sério risco de ser afastado do topo da agenda. E a pergunta a fazer é: o que aconteceria se não tivéssemos visto essas imagens? O que aconteceria se Khalid não tivesse obrigado os europeus a ver? Tudo continuaria na mesma. Porque na verdade está tudo na mesma. Desde as tragédias de Outubro, a UE não deu um passo para alterar as suas políticas de imigração. Continua a preferir o medo à vergonha, a indiferença à humanidade. E é intolerável que a Europa não consiga encarar de frente a questão. Os direitos humanos são de todos os seres humanos. E esquecê-lo é infelizmente mais fácil que parece.»

(Editorial do Público de 19 de Dezembro: A vergonha ainda não chegou a Lampedusa).

3 comentários:

Anónimo disse...

"As imagens captadas pelo telemóvel do jovem sírio Khalid chocaram o mundo" - Qual mundo? Certamente falamos do mundo ocidental, assético, "generoso", politicamente correto. O outro mundo, o mundo a que os refugiados tentam escapar, continua inerte, mudo, distante. Entretanto o nosso mundo vê nas "imagens", não aquilo que elas representam, mas apenas o espelho da sua própria má consciência. É isso que "liga" a desinfeção a Auschwitz. No mundo sórdido, violento, corrupto e fundamentalista que os refugiados deixam para trás, aquele banho frio é antes de mais uma redenção. Entretanto, o ocidente "benévolo" nada diz e nada faz contra os verdadeiros responsáveis pela origem do "problema"... Um silêncio, esse sim, criminoso.

Anónimo disse...

A "Europa" não respeita os direitos humanos dos naturais, muito dificilmente vai respeitar os direitos humanos dos indígenas provenientes de outros sítios...

Anónimo disse...

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