Vital Moreira acha que eu estou a imaginar coisas quando afirmo que há uma convergência quase total, em matéria de organização da vida económica, entre o centro-esquerda e a direita, em torno de um consenso neoliberal assente na afirmação, de princípio, das virtudes ilimitadas da concorrência mercantil em todos os sectores. A evidência acumula-se. A existência de formas de organização da produção e da provisão, onde a concorrência possa estar limitada ou bloqueada, devido à natureza dos bens e serviços em causa, é vista como um anacronismo de um modelo que há que superar (na realidade, foi esse modelo impuro que foi responsável pela prosperidade das economias europeias no pós-guerra).
E depois Vital Moreira erra na identificação das questões de fundo do Relatório Atali de liberalização da economia francesa (e que mereceu este excelente contra-relatório cuja leitura aconselho vivamente para que não restem dúvidas sobre os verdadeiros problemas de uma economia fragilizada por duas décadas de reformas liberalizadoras). Estes não têm que ver com supostos «privilégios corporativos» de sectores profissionais, mas sim com o esforço para esfarelar ainda mais os direitos dos trabalhadores assalariados. De qualquer forma, esses privilégios são muitas vezes confundidos com formas de organização que podem bem ser justificadas pela esquerda, por exemplo, quando se defende a existência de limitações à «liberdade» das grandes superfícies comerciais com o objectivo de proteger sectores económicos de pequena dimensão que garantem não só diversidade de oferta, mas também o dinamismo económico dos centros das cidades ou quando se defende as virtudes de um modelo de «guildas» profissionais que assegure a qualidade de certas práticas ou de certos bens.
Como assinala o contra-relatório da esquerda, que Vital Moreira despreza, nos últimos tempos tem diminuído a parte dos salários no rendimento nacional, os lucros batem recordes e são crescentemente captados pelos accionistas, mas o investimento não progride como se esperaria. Aqui tocamos nas contradições centrais do modelo neoliberal: quando nos focamos nas pessoas como consumidoras e nos «esquecemos» da produção e de as ver como trabalhadoras, criamos as condições para que uma das grandes fontes de procura que impele o investimento seque. É assim um pouco por toda a Europa. Em vez de estarem obcecados com a concorrência e a abertura de mercados, cujas virtudes são muito exageradas, Vital Moreira e o centro-esquerda deveriam estar mais preocupados com o mundo do trabalho e com questões de política industrial e de macroeconomia. Prioridades.
Nota. Aconselho a leitura deste texto de Jacques Sapir sobre as ilusões da concorrência. O argumento é desenvolvido neste excelente livro.
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3 comentários:
obrigado pela "dica"
abraço
Neste blogue aprende-se.
Budos
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