domingo, 17 de fevereiro de 2008
Debate à esquerda? Vamos a isso
Manuel Alegre quer organizar uma «convenção de esquerda» para discutir «alternativas». Presumo que às actuais orientações neoliberais dominantes no seu partido. Se assim for acho que se trata de um contributo importante. Na minha opinião existem quatro questões, associadas à definição de uma estratégia igualitária, que não podem, hoje, deixar de ser discutidas à esquerda: (1) Como definir, no quadro dos actuais constrangimento e para além deles, uma política económica de pleno emprego bem sucedida; (2) Como reverter as actuais políticas de esvaziamento e descaracterização do estado social e dos serviços públicos, aumentando a qualidade, a eficiência e a participação dos cidadãos?; (3) Quais as melhores formas para incrementar a eficácia e progressividade do sistema fiscal, reduzir o leque salarial e reforçar os mecanismos redistributivos?; (4) Como evitar o esfarelamento dos direitos e solidariedades no mundo do trabalho e como reforçar os contra-poderes laborais no espaço da empresa?
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3 comentários:
Tirando a noção de "solidariedade" entre trabalhadores (que me parece em parte desaparecida), penso que faz falta o repensar de estratégias que sejam debaixo para cima e não de cima para baixo.
Não tenho nada contra partidos, referendos, e coisas do género. No entanto o que faz mais falta é organização colectiva de base. Essa tradição morreu com o anarco-sindicalismo (terá sobrado, mal e porcamente, com o comunismo).
Precisamos de colectivos de pessoas, com relações fortes, não só baseadas em política abstracta mas também em tudo o resto (arte, diversão, desporto, apoio social, ...). A atomização corrente é uma desgraça. Da emergência da Internet podemos tirar alguns bons exemplos de como pôr as coisas nas mãos da base (i.e., modelo youtube/blog versus modelo CNN). Precisamos de mais comunitarismo na base. Precisamos de deixar de ser consumidores apenas e passar a investir na produção livre.
As ideias intelectuais são interessantes, mais isto ganha-se é com uma vivência solidária no dia a dia.
Portugal é de direita porque há uma tradição popular de pouco envolvimento e de pouca generosidade com o vizinho e com causas (O Salazar foi muito efectivo a dar cabo disso), é preciso mudar isso. Só para dar um exemplo ontem, aqui em Liverpool, o Cancer Research saiu à rua com um peditório e o centro estava pejado de voluntários jovens (não em modo de cházinho de caridade) com máscaras de carnaval com baldes a pedir contribuições. Isto é o UK, nem sequer é o melhor exemplo. Atentem na Suécia onde a maioria das pessoas é membro de n associações de todo o género.
E não venham dizer que é porque têm mais dinheiro... Quem mais dá no UK, em proporção do rendimento, são os pobres. Além do que, o estimado leitor deste comentário, provavelmente tem tempo e dinheiro comparável com alguém da classe média daqui, suspeito...
Voltando ao que interessa: é preciso uma estratégia que mude o nosso dia a dia de baixo para cima. Fundamental e vai hand in hand com política "de topo".
Subscrevo na integra os 4 pontos, é que é exactamente a discussão que mais me parece se enquadrar nos problemas da actualidade. Acho que as soluções até são mais simples do que podem parecer à partida, sendo que os quatros pontos para serem resolvidos precisam de uma coisa em comum: um governo de esquerda com vontade de os resolver. É que, por muito que me agrade a discussão teórica, nunca existiu vontade política nos sucessivos governos que tomaram posse em Portugal de resolver esses problemas. Já foram apontadas algumas soluções, e estas não só mereceram o desprezo por parte dos governos como o governo se portou como o principal agente resistente às mudanças necessárias.
Já agora atrevo-me a atirar achas para a fogueira e apontar algumas ideias gerais sobre resoluções possíveis:
(1)
No pressuposto da manutenção do regime de propriedade privada dos meios de produção, parece-me essencial fortalecer os vínculos laborais, no sentido de que os despedimentos tenham de ser bem justificados, com dados concretos e objectivos (ou seja o oposto da "leviana" flexibilidade). Criar empresas (preferencialmente públicas) cujo produto da sua actividade seja criar emprego, não falo de gerir carreiras ou agências de emprego, falo de empresas que analisassem cuidadosamente as necessidades da sociedade e daí criassem emprego com metas de estabilidade. Inverter o paradigma da sociedade, falar para as pessoas como trabalhadores e só depois como consumidoras, comprar barato pode sair muito caro aos trabalhadores. Legislação coerente no sentido de exigir prazos e regras concretas a empresas que se estabelecessem em Portugal. Fortalecer novamente o Estado, no sentido em que este fosse novamente um grande empregador e que garantisse estabilidade aos seus trabalhadores, criando assim, indirectamente, também pressão sobre o sector privado que perante um êxodo para o sector público tivesse também de criar estabilidade no sentido de ser tornar igualmente apelativo.
(2)
Tirar o PS do governo e não eleger nem o PSD nem o CDS-PP. Depois disso, continuar a garantir o financiamento dos serviços pela via indirecta dos impostos, apostando em impostos progressivos nomeadamente em IRC e IRS, e baixando o IVA que é um imposto "cego" que não tem em conta a condição do contribuinte e penaliza o consumo de bens essenciais. Fazer uma verdadeira reforma no sistema público, rever e simplificar mecanismos burocráticos sem perda de qualidade. Garantir que os prestadores de serviços públicos não utilizem horário de expediente para exercerem actividade com fins lucrativos privados (esta é para os médicos). Regulação dos preços dos medicamentos e impedimento de financiamento de empresas farmacêuticas a médicos, no sentido de estes serem imparciais nas receitas de medicação.
Criar um sistema verdadeiramente meritocrático, prémios pelo desempenho baseado em resultados, mas isto tendo todos garantido um ordenado base condigno, promova-se os melhores, ao invés de se penalizar os restantes.
(3)
Acabar com o sigilo bancário. Garantir a progressividade dos impostos em função dos rendimentos.
A redução do leque salarial passa pela estipulação de rácios salariais, tributação dos lucros e penalização do sistema bolsista/especulativo (não incentivar actividades lucrativas não produtivas). Obviamente o combate à corrupção. A redistribuição faz-se pela valorização do trabalho, intervindo no mercado no sentido de acabar com o paradigma capitalista de que a mão-de-obra está sujeita às regras da procura e da oferta. Evitando que se especule com os salários, no sentido de diminuir os lucros de quem troca trabalho produtivo por baixos salários.
(4)
Obrigando os empregadores a cumprir critérios rigorosos quer na contratação, quer no despedimento, retirando assim o poder de chantagem sobre os seus dependentes. Fiscalizando a actividade empresarial, criando legislação que penalizasse seriamente a quebra de compromissos contratuais. Um processo de dentro para fora para democratizar as empresas, sendo o Estado o agente "democratizador" das empresas pela via reguladora.
Já agora proponho que como ponto adicional se considere também no "Debate à esquerda" a resolução da Quadratura do Círculo.
Os pressupostos do que se precisa e do que se quer atingir e de que partem os interessados são tão exequiveis numa sociedade europeia do sec XXI, integrada na UE, como a referida quadratura.
O resultado do debate poderá ser uma nova série de utopias perfeitamente desenquadradas de qualquer realidade mas que aquecerá o entusiasmo militante e as certezas teóricas dos ingénuos e bem intencionados congressistas debatentes e tudo irá acabar nuns artigos de jornal mais ou menos inflamados e talvez em mais uma Manif contra o Governo ou na descoberta de mais umas malfeitorias do Sócrates!
Avante por todas as utopias emquanto alguém se arrisca a governar!
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