domingo, 11 de novembro de 2007

Será que «o dólar perdeu sex-appeal»?

Coloco sob a forma de pergunta a afirmação de Pedro Sales. Até porque os EUA têm revelado uma extraordinária capacidade, desde os anos setenta, de aproveitamento da sua posição hegemónica na economia política global para assim exportarem os seus problemas e assegurarem a manutenção do seu estatuto único. Só que agora as coisas estão de facto mais complicadas. A quebra do dólar reflecte problemas profundos na economia norte-americana e no modelo anglo-saxónico de capitalismo e pode gerar encadeamentos altamente perversos. A acumulação de brutais défices externos até agora financiados pela poupança do resto do mundo reflecte, por um lado, a incapacidade de lidar com as pressões concorrenciais de outras economias industrializadas, e por outro lado, a extensão da financeirização da sua economia. Esta permitiu o desenvolvimento de sofisticados e perigosos mecanismos de crédito que financiaram sucessivas e cada vez mais insustentáveis bolhas especulativas nos mais diversos tipos de activos (o imobiliário destaca-se desde o rebentamento da bolha da «nova economia»). O que por sua vez gerou padrões de consumo que ajudaram a sustentar o mito de uma economia «vibrante» capaz de superar todas as crises. Estas dinâmicas também estão presentes no Reino Unido que esta semana anunciou um défice recorde nas suas contas externas. O que agora se anuncia é também o fim de um ciclo ideológico em que o «crescimento económico» destes dois países serviu para justificar a imitação dos seus arranjos institucionais e para elogiar as virtudes das desigualdades obscenas e, pelo menos no caso dos EUA, da estagnação salarial e da mercadorização de todo o processo de provisão. O custo disto está agora à vista de todos. Economias pouco competitivas, corroídas por um sector financeiro predatório e com encadeamentos macroeconómicos insustentáveis que, dada sua importância, irão ter repercussões no resto do mundo. A questão crucial como sempre é a de saber sobre quem é que irá incidir o fardo do ajustamento.

6 comentários:

NC disse...

«aproveitamento da sua posição hegemónica na economia política global para assim exportarem os seus problemas»

Vai-me perdoar a ignorância, mas o que que quer dizer concretamente com "exportar problemas".

NC disse...

Faltou o ponto de interrogação. Sorry

João Rodrigues disse...

caro tarzan, Tem toda a razão de ser a sua pergunta. A minha afirmação precisava de ser ilustrada. Por exportar problemas quero dizer, e a história económica desde os anos setenta, acompanha-me que os EUA, pelo facto de deterem a moeda de referência nas transacçõe internacionais e a moeda de reserva, têm conseguido praticar uma política monetária e cambial que tende a suavizar os custos internos do ajustamento da sua economia e a fazer com que outros paguem a crise. Basta olhar para a política cambial nos anos oitenta. Por outro lado, temos o complexo militar-industrial-securitário. Aqui basta ver o seu papel no amortecimento do rebentamento da bolha da nova economia. Pouco antes da invasão do Iraque este representava uma fatia de leão do investimento aí realizado. Aqui são outros «problemas que são exportados». Depois os EUA têm uma política externa orientada para a abertura de mercados, usando o FMI e o BM para instrumentos. Ver Ásia antes e depois da crise. Isto é também é uma forma de compensar os problemas internos. Aqui são outros problemas que são exportados. Os problemas da instabilidade financeira.

NC disse...

«pelo facto de deterem a moeda de referência nas transacçõe internacionais e a moeda de reserva, têm conseguido praticar uma política monetária e cambial que tende a suavizar os custos internos do ajustamento da sua economia e a fazer com que outros paguem a crise.»

Vai-me desculpar novamente a minha ignorância. Mas não compreendo como é que a política cambial (que visa sempre, em qualquer país ou união, suavizar os problemas internos) representa a transferência de um problema. Qual o mecanismo de transmissão de problemas? Que problemas?

João Rodrigues disse...

Mas tarzan a questão é o grau de autonomia que cada estado detém para o fazer. Nenhum outro país pode praticar uma política monetária tão acomodaticia como os EUA. Não é Keyenesiano quem quer, mas quem pode. Pelo menos foi assim até agora. Quanto à política cambial é sabido que nos anos oitenta os EUA forjaram acordos, «aceites» por outros países (Japão por exemplo) para valorizarem e desvalorizarem a sua moeda com óbvias vantagens para si e desvantagens para outros. Há um bom livro sobre estes processos: Boom and the Bubble.

NC disse...

Fugiu à questão...

Mas obrigado pela referência bibliográfica