segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Sem consequências?

A reportagem de São José Almeida no Público de Domingo sobre a ala esquerda do PS está cheia de explicações interessantes que ajudam a perceber por que é que não existe e não vai existir no PS algo equivalente ao Compass britânico: um grupo organizado de pessoas comprometidas com a elaboração de uma agenda genuinamente social-democrata, com a luta das ideias e com a apresentação de propostas concretas que constituam uma alternativa ao neoliberalismo governamental. E também por que é que não é expectável uma ruptura forte como aconteceu na Alemanha (um dos desenvolvimentos políticos mais importantes dos últimos tempos).

A inconsistência e a inconsequência crónicas de Alegre, a eficiente combinação de repressão e de incentivos de Sócrates (o prato de lentilhas a que se refere, e muito bem, André Freire) e o facto das tendências no PS serem fulanizadas e «pouco consistentes do ponto de vista ideológico e sem base social» (André Freire uma vez mais) combinam-se para que a alternativa de esquerda a Sócrates só possa hoje surgir fora do PS. Isso mesmo reconhece Medeiros Ferreira quando afirma que «muito dificilmente sairá de dentro do PS o primeiro cartão amarelo a José Sócrates». E muito menos a dinâmica para um muito necessário cartão vermelho às suas politicas.

10 comentários:

Pedro Sá disse...

Ah sim, os bloquistas é que sabem o que é social-democracia...

Diogo disse...

«a alternativa de esquerda a Sócrates só possa hoje surgir fora do PS»

Absolutamente de acordo. Mas porquê apostar nos partidos políticos. Porque não criar um movimento de base a partir da Internet?

João Rodrigues disse...

Caro Pedro Sá, Não sei quem é que sabe o que é a social-democracia, mas talvez fosse importante pensar o que é uma política económica e social ancorada à esquerda. Certamente que concordará que neste campo o governo deixa algo a desejar...

Caro Diogo, os partidos são uma condição necessária, mas não suficiente da democracia. A internet tem o seu lugar, como espaço de intervenção e de debate. Não vale a pena exagerar a sua capacidade de transformação.

Pedro Sá disse...

Como socialista que sou, sei o que é social-democracia (conceito de conteúdo exactamente igual aos de socialismo e trabalhismo) muito melhor do que qualquer bloquista alguma vez poderá saber.

E pelo contrário. Este Governo tem até sido excessivamente brando. Por exemplo, ao tempo que o subsídio de desemprego deveria estar indexado ao salário mínimo, tendo em conta que a sua função é garantir mínimos de sobrevivência e não garantir a manutenção de um qualquer nível de vida.
Por outro lado, política económica de esquerda é o que está a ser feito: economia de mercado, regulação e concorrência. Sabe tão bem como eu que política de direita significa ultra-liberalismo e lei da selva. Como, a nível social, significa desmantelamento do SNS e vouchers na educação.

Ah, é verdade, para os marxistas (a doutrina filosófica que mais matou e oprimiu no mundo) tudo o que não seja Estado é algo de terrível.

João Rodrigues disse...

Estou sem acentos. Peco desculpa. a sua definicao de politica economica de esquerda e interessante so que nao e de esquerda. A nao ser que esquerda signifique hoje defender apenas a criacao das condicoes para o desenvolvimento do mercado. Muito ordo-liberal...
A politica economica de esquerda deve partir pelo menos do reconhecimento de falhas de mercado sistematicas, do desemprego como problema que pode ser superado pelas politicas publicas, do problema polarizacao, da defesa de que existem areas que nao devem ser submetidas a logica do lucro e da defesa da virtudes de uma economia genuinamente mista.
A sua interpretacao do subsidio de desemprego tambem e interessante mas se entendo bem defende uma perspectiva meramente assistencialista. E muito pouco social-democrata. A sua boca ao marxismo e isso mesmo uma boca sem qualquer conteudo.

Pedro Sá disse...

1. Você está cheio de complexos, ponto. Não é de esquerda ? LOL Se isto não é de esquerda não sei o que será.

2. Precisamente por do livre jogo dos actores do mercado existirem circunstâncias que se consideram nocivas (não diria "falhas de mercado" porque isso implica a consideração necessária de certas situações como falhas e isso é subjectivo) é que cabe ao Estado ter um papel regulador em determinadas áreas. Mas não mais que isso.

3. Muita gente ainda não percebeu que as políticas públicas não resolvem, nem resolverão, o desemprego. A não ser que se entre numa perigosíssima lógica de que o Estado tem que criar postos de trabalho para isso, o que é a todos os títulos um disparate.

4. Problema polarização ou seja ?

5. Não há nenhum inconveniente em que qualquer área esteja submetida a lógicas de lucro, excepto as de soberania. Mas as lógicas de lucro não implicam que não existam sistemas públicos reais. Isto é, podem (e devem) existir sistemas públicos universais em algumas áreas (saúde, segurança social e educação, designadamente), sem que isso implique que não exista oferta privada.

6. O que diz do subsídio de desemprego é um monumental disparate. Assistencialismo não tem rigorosamente nada a ver com isso, mas sim com caridadezinha e coisas horríveis afins.
A questão é qual a função desse subsídio. Até porque, qual a razão que leva toda a comunidade a ter que suportar, p.ex., € 1000 num subsídio de desemprego quando há quem ganhe menos trabalhando ?
E que, como é evidente, quem ganhava isso e mantém o nível de remuneração com o subsídio de desemprego até ao fim deste não aceitará empregos pior remunerados...

João Rodrigues disse...

Caro Pedro Sá, ainda bem que uma pessoa complexada como eu pode beneficiar das pérolas neoliberais de um «socialista moderno». Pois, as falhas de mercado são subjectivas (o que é que isto quer dizer?), mas as suas consequências podem ser muito objectivas. Veja o que se passa nos mercados financeiros. A regulação é uma palavra vazia. Não há nenhum mercado que não seja regulado pelo Estado. Qualquer liberal sabe isto. Se este é o traço distintivo da política socialista então é porque já não há distinção nenhuma. Já ouviu falar de Keynes? De política económica pro-ciclica, do papel do investimento público, do problema da procura agregada? Polarização: a tendência para o mercado gerar padrões sistemáticos e cumulativos de aumento das desigualdades sociais e regionais com consequência económicas e políticas graves (grave também é subjectivo). Áreas de soberania? Isso também é muito subjectivo.
Disparate? Então se se quebra a ligação entre as contribuições e os beneficios qual é a natureza do sistema? Deixa de ser um sistema de seguro social. Reduzir o subsidio ao salário minimo é um delirio neoliberal. O argumento de que existem pessoas a trabalhar e a ganhar menos não cola. Já ouviu falar de desemprego involuntário? De expectativas criadas? Ainda não percebeu que uma das funções do subsidio é equilibrar as relações entre empregadores e trabalhadores, impedindo parcialmente que os primeiros possam aproveitar as situações de desemprego elevado para comprimir excesivamente a massa salarial, compelindo as pessoas a aceitarem reduções elevadas do seu nível de vida? Se a sua proposta fosse aceite a crise económica e o desemprego apenas se acentuariam porque a procura cairia ainda mais. O subsidio de desemprego é um «estabilizador automático» da economia, uma almofada que reduz as consequências sociais e macroeconómicas da crise.

Pedro Sá disse...

1. ADORO quando vejo a extrema-esquerda chamar os socialistas de neoliberais. O que é bom é a economia planificada e centralizada, bem sabemos. E o poder "popular".

2. Quer dizer que o que é falha de mercado para mim pode ser não para si, etc. etc.

3. Dizer que regulação é uma palavra vazia só demonstra ignorância. E grave.

4. O Sr. Keynes acreditava ingenuamente que o investimento público é o motor da economia. O que é um enorme disparate, e só se verifica em situações muito específicas de crise.

5. A questão essencial é que você vê as desigualdades como algo de mau. Eu pelo contrário não vejo qualquer tipo de problema em existirem desigualdades de rendimentos e posses. O que me interessa é que os direitos possam ser exercidos (para isso é que existe o Estado Social, diga-se).
Aliás, eu explico-lhe a ENORME diferença que há entre nós nessa matéria: é que o João defende um sistema fiscal progressivo como redistribuição dos rendimentos, e eu defendo o mesmo sistema por uma razão totalmente diferente, tendo em conta a utilidade marginal e a lógica que é mais justo (tendo em conta princípios de justiça distributiva decorrentes do respectivo carácter geométrico) que quem mais aufere mais contribua proporcionalmente. Porque redistribuir como objectivo seria puro e simples roubo, aliás. A expressão "redistribuir" implica, em meu entender, um juízo de que é obrigatório os mais ricos darem aos mais pobres, o que é evidentemente um disparate. A questão, portanto, é totalmente diferente, isto é, que é mais justo que quem mais tem mais contribua em termos de justiça efectiva, o que torna qualquer sistema como os de flat tax (esses sim, de direita) completamente inaceitável.

6. Áreas de soberania são evidentemente as ligadas à Defesa, Administração Interna e Justiça.

7. Fazer uma ligação entre as contribuições e os benefícios em sede de subsídio de desemprego, isso sim é neoliberal, aliás é uma medida da mais descarada injustiça social. Antes de mais, porque beneficia e muito quem mais aufere. Depois, porque essa ligação entre contribuições e benefícios nesta sede é um raciocínio típico dos ultra-liberais, aliás não é por acaso que o JR usa a expressão "seguro social", que eu me recuso totalmente a usar porque tem claramente por trás de si uma lógica de capitalização que recuso totalmente.

8. O desemprego involuntário acontece a todos, quer ganhem mais quer menos.

9. Ui as expectativas...não vai querer passar meio ano aqui a discutirmos o conteúdo do princípio da protecção da confiança pois não ? Em qualquer caso, o que lhe posso dizer é que no máximo dos máximos perante a mudança que defendo os actualmente subsidiados não seriam afectados.

10. Considerar que o subsídio de desemprego tem como uma das suas funções o equilíbrio entre empregadores e trabalhadores só pode ser um delírio marxista. E porquê ?

a) o subsídio de desemprego não tem qualquer efeito nas situações de eventual compressão salarial derivada de elevado desemprego;

b) mesmo se assim fosse, acha que é mais justo alguém ficar em casa sustentado por todos os contribuintes do que a trabalhar ? Eu tenho a mais absoluta certeza que assim não é;

c) curiosamente, esse raciocínio que faz para isto é mais ou menos o raciocínio que eu faço em defesa do salário mínimo e do princípio da segurança no emprego.

João Rodrigues disse...

1. Até agora só o insurgente tinha usado a expressão extrema-esquerda para me «catalogar». Onde é que me viu defender a economia planificada?

2. Curiosa posição. Anything goes. Felizmente temos uma democracia onde podemos conversar e chegar a consensos provisórios sobre estes assuntos.

3. A arrogância fica-lhe mal. Qualquer mercado é substantivamente regulado. Ponto. A palavra é vazia e não diz nada sobre nada. Agora está na moda para mascarar a inexistência de programa político para a área da economia. O mercado sem regras não existe.

4. Não faz ideia do que está a falar. Vá ler Keynes no original. Agora é a minha vez de ser arrogante.

5. Desigualdades excessivas são más. É toda a tradição social-democrata que está comigo aqui. Aconselho-o a abrir um manual de finanças públicas (Teixeira Ribeiro por exemplo) na secção imposto progressivo: um dos seus objectivos e efeitos é a diminuição das desigualdades de rendimento geradas pela operação das forças de mercado. Aliás isso é inevitável se a coisa for bem feita. Um «roubo» portanto. Um ponto, o «socialismo oderno» ainda não percebeu que a existência de desiguladades excessivas de riqueza concentrada conduz à existência de dinâmicas políticas que bloqueiam as timidas reformas que podem querer introduzir.

6. E que tal subcontratar a empresas privadas algumas destas funções?

7. estou a ficar cansado e passo para o ponto 10.
...

10. Cá estamos. Mais uma vez se em vez de insultar fosse estudar um pouco as dinâmicas do mercado de trabalho perceberia que a existência do SD tem como um dos seus efeitos equilibrar as relações laborais e impedir transacções desesperadas. Já agora é toda a tradição do direito do trabalho que defende que o controlo dos activos de uma economia confere poder. Puro bom senso. E já se sabe que entre o «fraco e forte a liberdade oprime e a lei protege. E os direitos também.

a) O SD a um nível equivalente ao salário auferido (daí a importância do meu ponto sobre o «seguro» que não tem que ter qualquer ligação com a ideia «capitalização») ajuda a diminuir o alcance do desemprego como «mecanismo disciplinar» para comprimir os salários. Antes de começar a acusar-me de delirios marxistas esta expressão é de um famoso artigo do Stiglitz. E depois em situação de crise e de aumento do desemprego os rendimentos não caem tanto o que bloqueia a redução da procura e o ciclo vicioso da crise. Keynesianismo social-democrata do melhor.

b)Ai o populismo. Você acha que as pessoas tendem a ficar em casa a viver à custa dos outros. A hipótese do parasita. É essa o seu pressuposto sobre as motivações humanas prevalecentes neste contexto? Você ficaria em casa?

c) Pois. Então concordámos aqui. Finalmente.

Pedro Sá disse...

1. As posições que defende são de extrema-esquerda. Não é preciso defender economia planificada para o ser.

2. Exactamente.

3. A questão é que não deve existir programa político para a área da economia, para lá da regulação que defenda terceiros em meia dúzia de sectores essenciais.

4. A questão é que, no original ou não, o keynesianismo não funciona. Ponto. E não cabe ao Estado meter-se onde não é chamado.

5.

a) Teixeira Ribeiro foi nº 2 do V Governo Provisório, o que diz tudo sobre a pessoa em questão;

b) isso é uma visão que parte do princípio que desigualdades de rendimento são uma coisa má por natureza, o que repudio totalmente;

c) igualitarismo, não obrigado: como escrevi noutro comentário, cabe apenas garantir que ninguém está privado do exercício dos seus direitos (o que pode acontecer por razões económico-sociais), a partir daí cada um tem a sua vida.

6. Até hoje só li o Pedro Arroja defender isso, mas ele como certamente sabe passou do ultra-liberalismo para defensor da monarquia absoluta com religião de Estado.

10. O terrorismo discursivo tão típico da extrema-esquerda, que acha sempre que os outros insultam:

a) que a lei protege e que a total liberdade contratual daria péssimos resultados já todos sabemos;

b) o JR parte do princípio que nas empresas não se pensa noutra coisa sem ser em baixar salários;

c) as pessoas estão demasiado ocupadas a querer ganhar dinheiro para fazerem do desemprego arma de descida dos salários - ou seja: nas empresas sabem que se o fizessem isso não teria efeitos sobre o mercado em geral (para mais existindo o princípio de segurança no emprego), e nem vale a pena falar do Estado sendo assim;

d) tenho a mais absoluta certeza; ao contrário do irrealista e ingénuo optimismo marxismo, não penso que as pessoas são umas coitadinhas e umas vítimas. Pelo contrário: o ser humano aproveitar-se-á de todas as oportunidades no seu benefício mais directo. Se pode ficar em casa a receber X vai trabalhar recebendo o mesmo ? Evidentemente que não.