Quando um cidadão compra a Economist já sabe que o preço de ter acesso a alguma da mais bem escrita informação internacional é ter de aturar uma linha editorial monotonamente neoliberal. Todos os problemas do mundo, ou pelo menos a esmagadora maioria, são o resultado de tentativas malévolas para bloquear o funcionamento das forças do mercado. Qual não foi então a minha surpresa quando hoje de manhã li isto: «este jornal nunca foi a favor da nacionalização. Mas no caso do Northern Rock esta parece ser crescentemente a opção menos má do ponto de vista do contribuinte».
Na realidade, esta posição pode ser compatível com o discurso e a prática neoliberais: trata-se de assegurar que o Estado usa o seu poder, no quadro da lei, para criar, manter e alargar a ordem mercantil. Se for preciso nacionalizar um banco à beira da falência, garantir a provisão de alguns serviços básicos ou até assegurar alguma redistribuição mínima do rendimento para assegurar a legitimidade política então que seja. O problema é traçar a linha divisória entre medidas que asseguram a reprodução ordeira de um sistema vocacionado para «a destruição criativa» e medidas que podem na realidade alimentar as forças que pugnam por reformas robustas que alterem o estado de coisas e que ponham em causa os interesses dos mais ricos.
Este jogo é mais ou menos fácil em tempos de hegemonia incontestada do capitalismo de mercado e de desmoralização e confusão no campo da esquerda socialista. Mas já se sabe: enquanto existirem movimentos intelectuais e políticos que contestam os actuais arranjos existirá sempre o risco de abrir uma caixa de pandora que torna de repente, e de forma imprevisível, este jogo muito perigoso para a posição neoliberal. Obviamente, é esta caixa que nós queremos reabrir a partir dos seus elos mais fracos: a instabilidade financeira recorrente, a repartição assimétrica dos fardos da crise e o brutal e universal aumento das desigualdades. Quando se reconhece que a estabilidade económica depende sempre de decisões e escolhas políticas há todo um leque de possibilidades que se abre. De repente torna-se claro que nada é inevitável na esfera económica. Como sempre é tudo uma questão de boas ideias e de luta política e social.
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4 comentários:
"enquanto existirem movimentos INTELECTUAIS e políticos que contestam os actuais arranjos existirá sempre o risco de abrir uma caixa de pandora que torna de repente, e de forma imprevisível, este jogo muito perigoso para a posição neoliberal" [não será capitalista?]
Deculpa lá, mas "presunção e água benta, cada um toma a que quer".
Hás-de me dizer onde e quando os intelectuais foram os agentes de transformação social. Porta-vozes, ainda sou capaz de aceitar...
Oh pobre classe trabalhadora! Nestas "novas" descobertas sociais resta-te ser carrregadora das bandeirinhas e coladora dos cartazes dos mui brilhantes e destacados srs. doutores e "Think tankers" - é assim que se escreve?- que trarão os "amanhãs que cantam"
É evidente que qualquer processo de transformação social requer a construção de interpretações alternativas do mundo, de movimentos intelectuais organizados, independentemente da origem social dos seus membros e do reconhecimento que "cada homem é um intelectual", de luta pela hegemonia, de um novo senso comum. O resto é distorção dos argumentos e demagogia galopante.
Acho que você sobreinterpretou o artigo do Economist. A hipótese de nacionalização é uma solução que visa proteger os depositantes e a credibilidade do sistema financeiro mas, ao mesmo tempo, penaliza os gestores responsáveis pela gestão imprudente e desajustada do banco em causa. O Estado envia um sinal ao mercado e avisa que os responsáveis pela mágestão serão responsabilizados e aos restantes agentes que lhes acontecerá o mesmo.
Concordo com a sua interpretação dos objectivos da putativa nacionalização. Por isso é que digo que esta pode ser compatível com o neoliberalismo. O que é curioso, como sublinho no post, é que a nacionalização apenas torna mais clara a dificuldade em traçar linhas claras entre o estado e o mercado. Onde termina um e começa o outro. O coloca os liberais em apuros e abre algumas possibilidades...
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