terça-feira, 2 de outubro de 2007
O mínimo
Via Arrastão, fiquei a conhecer o Movimento de Trabalhadores Portadores de Deficiência em Defesa dos Benefícios Fiscais. Tenho muitas dúvidas sobre o papel dos benefícios fiscais na política social. Em sistemas fiscais progressivos, como (ainda) é o nosso, quem mais beneficia é quem menos precisa. No entanto, num país em que os portadores de deficiência física são ignorados pelas políticas públicas e, por isso, invisíveis no espaço público, os benefícios fiscais são um dos poucos mecanismos que discrimina positivamente esta parte nada negligenciável da população nacional. A sua luta é justa e merece o nosso apoio.
Mexer no lodo
Enquanto os «cheerleaders» dos mercados financeiros (também conhecidos como «imprensa económica») criticavam Carlos Tavares pelos avisos feitos à navegação e garantiam que o sector financeiro nacional não se tinha metido nessa barafunda que é o crédito imobiliário de alto-risco norte-americano, ficamos hoje a saber que a realidade é bastante diferente. O BPI, elogiado pela prudência manifestada pela liquidação de um dos seus fundos, tinha investido boa parte desse mesmo fundo em obrigações de um dos bancos mais afectados pela actual crise, o «Countrywide». Diz o Diário Económico que o BPI acabou por antecipar uma eventual falência do fundo.
Vamos continuar a afirmar que o problema não é nosso, ou preferimos decretar todas as semanas o fim da crise (aquela que anteriormente andámos a negar)?
Vamos continuar a afirmar que o problema não é nosso, ou preferimos decretar todas as semanas o fim da crise (aquela que anteriormente andámos a negar)?
sexta-feira, 28 de setembro de 2007
James Crotty: um macroeconomista rebelde

Mas há excepções. A Universidade de Massachussets em Amherst, com o seu heterodoxo departamento de economia e o seu magnífico Centro de Investigação sobre Economia Política, é certamente uma delas. Aqui pontifica, entre outros, James Crotty que será em breve homenageado. A sua síntese criativa de Marx e de Keynes faz dele um dos mais interessantes, e talvez menos conhecidos, macroeconomistas da actualidade.
A brilhante identificação das contradições do regime neoliberal global, a teoria marxista-keynesiana das dinâmicas de investimento, as análises da crise asiática ou do processo de financeirização do capitalismo norte-americano são parte da sua agenda de investigação e fazem dele um macroeconomista de combate a estudar por todos os que acham que a economia não tem de estar confinada aos «Doutores Pangloss» desta vida. Esses que se limitam a dizer que tudo correria bem no melhor dos mundos se deixássemos o «Mercado» funcionar e que de qualquer forma «depois da tempestade [gerada por definição por um qualquer evento exterior ao «Mercado»] virá a bonança» (Keynes).
White Stripes - You don't know what love is
Novo single para um dos álbuns mais injustamente ignorados deste ano.
Evo Morales no Daily Show
Evo defende o seu programa de nacionalizações, reforma agrária e reforma constitucional para a Bolívia. Não é preciso clamar pela Virgem Maria ou erguer a espada de Bolívar para alterar profundamente as estruturas sociais do país mais pobre da América do Sul.
Via Bitoque. Infelizmente, sem legendas.
O governo é parte do problema
«Ao contrário do que tinha sido previsto pelo Governo, o investimento público vai voltar a cair este ano, constituindo uma das principais ajudas para a concretização do objectivo de redução do défice». Parece que o investimento público vai atingir o «nível mais baixo em trinta anos». «Há mais vida para além do défice?».
Com este governo parece que não. As suas opções neoliberais, traduzidas na obsessão infundada com o equilíbrio das contas públicas como fim último da política económica, contribuem mais uma vez para a estagnação da procura agregada. Discursos vazios para «dar confiança aos mercados», com o governo reduzido a uma espécie de claque do sector privado, é tudo o que parece restar. Isto não tinha que ser assim.
Com este governo parece que não. As suas opções neoliberais, traduzidas na obsessão infundada com o equilíbrio das contas públicas como fim último da política económica, contribuem mais uma vez para a estagnação da procura agregada. Discursos vazios para «dar confiança aos mercados», com o governo reduzido a uma espécie de claque do sector privado, é tudo o que parece restar. Isto não tinha que ser assim.
quinta-feira, 27 de setembro de 2007
Quando é preciso escolher parceiros, ele nunca se engana

Quem o diz é Cavaco Silva, hoje no Público. Será que um dia se vai lembrar de reunir sindicalistas do mundo inteiro que procuram contrariar o poder de negociação desmesurado que têm hoje as multinacionais face às organizações de trabalhadores em todo o mundo? Ou as associações ambientalistas que combatem a delapidação do património natural? Ou as várias ONGs que lutam por um acesso generalizado aos medicamentos pelas populações sem recursos financeiros (enfrentando a oposição das grandes empresas farmacêuticas, escudadas nas regras da Organização Mundial do Comércio)? Ou ainda as organizações de agricultores que denunciam a assimetria nos processos de liberalização dos mercados (que tendem sistematicamente a beneficiar as exportações do países mais ricos) ou o crescente controlo dos mercados pelas grandes empresas agro-industriais - factores que os remetem para uma situação permanente de vulnerabilidade, dependência e crescente empobrecimento?
quarta-feira, 26 de setembro de 2007
A captura das elites (II)
«É bom, no entanto, ter bem presente que hoje a mais frequente e preocupante promiscuidade de interesses que mina o SNS, não está naqueles profissionais que acumulam com o privado, mas sim na política liberal e privatizadora de Correia de Campos, que introduz, na organização e funcionamento do SNS, os interesses próprios dos mais variados grupos privados, através da privatização de determinados serviços, desde administrativos (por exemplo, o sistema informático e a conferência de facturas do SNS) até à entrega da gestão e exploração de hospitais públicos a grupos privados (como é o caso do Amadora-Sintra e das 10 novas parcerias público-privadas - PPP), através das quais Correia de Campos oferece a gestão e exploração de mais 10 hospitais públicos aos grandes grupos económicos».
João Semedo, deputado e um dos mais denodados defensores do SNS. O problema da captura é também o problema do rotativismo do bloco central que «governa para interesses, usando o que é público e devia ser de todos como um benefício para alguns». Isto tem que ser quebrado. Politicamente.
João Semedo, deputado e um dos mais denodados defensores do SNS. O problema da captura é também o problema do rotativismo do bloco central que «governa para interesses, usando o que é público e devia ser de todos como um benefício para alguns». Isto tem que ser quebrado. Politicamente.
A captura das elites (I)

Este conceito, desenvolvido por Peter Evans, pretende transmitir a ideia de que o ideal será que o Estado construa pontes com o sector privado e tenha atenção ao contexto onde intervém e, ao mesmo tempo, consiga ser autónomo em relação às pressões sectoriais de curto prazo. Isto se quer ter capacidade para promover estratégias desenvolvimentistas que prossigam o bem comum. Os Estados bem sucedidos são assim aqueles que evitam a captura do sector público por fracções do sector privado.
Infelizmente, em Portugal parece-me que as nossas elites políticas estão demasiado «embutidas» no sector privado e a perder a necessária autonomia. O caso da Lusoponte é apenas um entre muitos exemplos. Ao contrário do que pensam os liberais isto não é o resultado do «intervencionismo do Estado». Isto é o resultado da fraqueza do Estado face a um sector privado rentista que não cessa de ganhar fôlego e poder. À custa de todos nós.
terça-feira, 25 de setembro de 2007
O género da economia ortodoxa

«Recentemente, as economistas Edlund e Korn avançaram uma nova explicação para o ‘puzzle’ das prostitutas. Eles [sic] notam que é difícil uma prostituta arranjar um marido. É óbvio porque é que os homens preferem mulheres sexualmente fiéis para assegurar a paternidade dos filhos, mas é menos claro porque é que os homens são tão avessos a casarem-se com ex-prostitutas. O facto, no entanto, é que o são. Por isso, uma mulher que se prostitui prescinde da felicidade que um casamento lhe pode trazer, assim como do acesso aos potenciais rendimentos do marido. Logo, poucas mulheres o querem fazer, limitando a oferta e subindo a compensação por prescindir do casamento. A favor desta explicação, Edlund e Korn notam que as imigrantes recebem menos na prostituição do que as nacionais. Estas mulheres podem voltar para o seu país e esconder o seu passado, tendo por isso melhores hipóteses de casar, pelo que exigem uma compensação menor».
Concentro-me apenas na última parte da citação. Reparem como se assume que tudo o que acontece na vida em sociedade é por definição o resultado de escolhas informadas, livres e autónomas: «exigem uma compensação menor». Sem mais. Como podia ser de outra forma se o economista decretou que não existem estruturas de poder, mecanismos de discriminação ou contextos sociais que constrangem as alternativas com que as pessoas são confrontadas? Assim se faz economia. Má economia.
Nem que fossem 99%
O Público de hoje refere um estudo da KPMG junto de 403 empresas europeias, o qual conclui que quase 80% das empresas inquiridas concordam com a ideia da harmonização da base fiscal dos impostos sobre os lucros à escala da UE. O resultado, para alguns surpreendente, explica-se pelo facto de as empresas gastarem demasiados recursos a fazer gestão fiscal. Noutros termos, as próprias empresas reconhecem que a tendência (que a UE tem promovido, como já aqui mostrámos) para os países concorrerem uns com os outros com base na descida dos impostos sobre os lucros não passa de um enorme desperdício - com implicações devastadoras sobre a capacidade de financiamento dos bens e serviços públicos e sobre a equidade social.
Mas esta descoberta dificilmente mudará o estado de coisas na UE. Segundo os tratados existentes (que nisto não são minimamente alterados pelo novo Tratado que aí vem), a introdução de qualquer esquema de harmonização fiscal (ou, já agora, de direitos sociais) ao nível europeu exige a unanimidade dos votos no Conselho de Ministros da UE. Tendo em conta que um punhado de Estados europeus, com o apoio da Comissão Europeia, tem baseado as suas políticas económicas na redução dos impostos sobre os lucros, dificilmente veremos nos próximos tempos qualquer harmonização nesta frente. Poderiam 99% das empresas europeias concordar com a medida, poderia uma esmagadoríssima maioria dos cidadão europeus exigi-lo, poderiam até 26 países mostrarem-se favoráveis à harmonização dos impostos sobre os lucros para evitar a concorrência fiscal na Europa - bastaria um voto contra de um país para garantir que a proposta não passava.
Esta é a herança dos tratados que foram aprovados desde Maastricht. Esta é a Europa que, no horizonte próximo, continuará a contribuir através das regras estabelecidas, para a erosão do Estado Social.
Mas esta descoberta dificilmente mudará o estado de coisas na UE. Segundo os tratados existentes (que nisto não são minimamente alterados pelo novo Tratado que aí vem), a introdução de qualquer esquema de harmonização fiscal (ou, já agora, de direitos sociais) ao nível europeu exige a unanimidade dos votos no Conselho de Ministros da UE. Tendo em conta que um punhado de Estados europeus, com o apoio da Comissão Europeia, tem baseado as suas políticas económicas na redução dos impostos sobre os lucros, dificilmente veremos nos próximos tempos qualquer harmonização nesta frente. Poderiam 99% das empresas europeias concordar com a medida, poderia uma esmagadoríssima maioria dos cidadão europeus exigi-lo, poderiam até 26 países mostrarem-se favoráveis à harmonização dos impostos sobre os lucros para evitar a concorrência fiscal na Europa - bastaria um voto contra de um país para garantir que a proposta não passava.
Esta é a herança dos tratados que foram aprovados desde Maastricht. Esta é a Europa que, no horizonte próximo, continuará a contribuir através das regras estabelecidas, para a erosão do Estado Social.
sexta-feira, 21 de setembro de 2007
O que fica dos tempos que correm
Miguel Vale de Almeida escreveu, em posta, a melhor reflexão política, moral e pessoal que eu li sobre a trajectória do ensino superior em Portugal: «A universidade caminha para deixar de ser universal. Passará a ser uni-versal: um só verso, um só lado». Os tempos seriam menos sombrios se a esquerda conseguisse sempre transmitir a ideia de que o combate à «neoliberalização» de esferas essenciais da vida social não pode nunca ser confundido com a simples defesa do que existe. A esquerda tem que ter muito mais «saudades de futuro».
Depois da economia, a música feminista
Le Tigre- After Dark
The Gossip - Standing in The Way of Control
Economia feminista

Por exemplo, a discriminação salarial entre homens e mulheres só pode ser, para a economia neoclássica, resultado de diferenças fora do âmbito do mercado de trabalho (e.g. educação). A discriminação seria demasiada custosa em mercados competitivos. No entanto, se, como as feministas argumentam, alguns trabalhos tradicionalmente associados às mulheres são sistematicamente subvalorizados, um salário mais baixo pode ser perversamente considerado justo para estas actividades. Ou seja, ao integrarmos o conceito de (in)justiça, conseguimos avançar explicações para a discriminação salarial e sua perpetuação endógena ao mercado de trabalho. A teoria económica fica mais complexa, mas também mais robusta.
A Economia Feminista tem não só conseguido tratar um conjunto de novos temas para a teoria económica como o trabalho doméstico ou os cuidados prestados aos mais novos e mais velhos, como também tem reconfigurado conceitos antes consensuais entre os economistas. Ao dar visibilidade ao papel das mulheres na economia, esta corrente serve um claro propósito político emancipatório. E já deu resultados. Domínios tão importantes, como são as políticas de desenvolvimento, integram hoje explicitamente as questões de género.
Finalmente, como exemplos (aleatórios) desta corrente, temos economistas como Julie Nelson, Nancy Folbre ou o Nobel da Economia Amartya Sen. Para saber mais vale a pena passar por aqui.
Coitadinhos

Talvez tais angústias expliquem, por isso, que «só 0,8 por cento dos homens fazem sozinhos as refeições, só 1,7 por cento trata da louça e só 0,1 trata da roupa».
(Via Bitoque)
quinta-feira, 20 de setembro de 2007
A barreira do preço
No Público de hoje podemos ler que «cerca de metade da população portuguesa não tem capacidade para pagar uma consulta de medicina dentária». Aqui há tempos um simpático economista sueco perguntava-me por que é os portugueses tinham uma dentição tão má (uma das coisas que, algo surpreendentemente, o tinham impressionado quando visitou o nosso país). Parece que temos mesmo os piores resultados da Europa nos cuidados de saúde oral. A resposta é óbvia: incompreensivelmente, esta especialidade não faz parte do SNS e por isso os mecanismos de exclusão pelo preço são aí especialmente vigorosos. Até quando?
Ainda o maestro

Esta política, aliada a um keynesianismo militar e à instituição de mecanismos de redistribuição regressiva do rendimento e da riqueza crescentemente apropriados pelos mais ricos, gerou desequilíbrios socioeconómicos que vão revelando todas as fragilidades do modelo anglo-saxónico de capitalismo. Agora Greenspan olha para trás, preocupado com o facto de as políticas praticadas terem alcançado aquilo a que se propunham desde que Volcker decidiu subir, em 1979, as taxas de juro para níveis historicamente sem precedentes para, com Reagan, partir a espinha ao movimento laboral norte-americano por via, entre outros, do desemprego elevado então engendrado.
Por isso é de um cinismo atroz confessar não saber por que é que os salários não acompanharam o crescimento da produtividade e ao mesmo tempo alertar que «se o salário do trabalhador médio norte-americano não aumentar rapidamente nos próximos tempos, o apoio político ao mercado livre perderá muito do seu fôlego». Pois é. A legitimidade do capitalismo é sempre precária e o seu próprio «sucesso» ameaça a sua estabilidade. Seja como for, estou certo que Ayn Rand não iria gostar de tais conclusões. Pois não era ela que afirmava que o egoísmo é a única virtude humana e o capitalismo glorioso por permitir a sua máxima expressão?
quarta-feira, 19 de setembro de 2007
Variedades de capitalismo e dinâmicas de inovação

Um dos argumentos do livro que mais repercussão teve foi o de que haveria uma diferença crucial nos modos predominantes de inovação entre «variedades de capitalismo»: as «economias liberais de mercado» (que incluem os EUA e o Reino Unido) tenderiam a produzir inovações mais radicais (novos produtos e processos que tiram partido de avanços científicos e tecnológicos de ponta), enquanto as «economias de mercado coordenado» (onde cabem a Alemanha e o Japão) baseariam o seu bom desempenho económico em inovações incrementais (ou seja, modificações e melhorias em tecnologias já existentes).
Um documento de trabalho acabado de publicar por investigadores da Universidade de Groningen vem pôr em causa os resultados obtidos por Hall e Soskice, mostrando ser impossível tirar tais conclusões acerca dos padrões de inovação. Mais especificamente, mostra-se ser impossível identificar diferenças significativas nos padrões de inovação de países como a Alemanha ou os EUA com base nos dados usados por estes autores.
Quem quiser pode ver nisto a demonstração de que o capitalismo não tem variedades - logo, mais uma acha para o questionamento da tese central de Hall e Soskice. A alternativa é ver nestes resultados um reforço desse argumento: ou seja, não só o capitalismo assume diversas formas com diferentes «graus de impureza», como a capacidade de inovação radical não é característica específica das versões mais liberais do sistema.
Tendo em conta a variedade ideológica dos leitores deste blogue, há explicações para (quase) todos os gostos.
Quando o mercado não funciona mesmo

No caso do QUERTY (designação que remete para ordenação das letras da segunda fila dos teclados que usamos), tratou-se de uma solução que minimizava o encrave dos martelos das máquinas de escrever - mas que se manteve até hoje apesar de terem sido identificadas disposições mais dactilograficamente ergonómicas e mais eficientes (e apesar de já não existirem máquinas de escrever...). A partir do momento em que foi adoptada desenvolveu-se toda uma indústria paralela de formação em dactilografia, de peças para máquinas, etc., que resistiria a qualquer mudança de standard.
No caso do VHS, o seu sucesso prendeu-se com o facto de ter chegado primeiro ao mercado dos alugueres de vídeo, beneficiando de um processo cumulativo em que quantos mais clubes de vídeo usavam cassetes VHS, mais consumidores preferiam adquirir leitores com esse sistema, e vice-versa - tornando impossível a sobrevivência comercial de uma solução tecnológica que era superior (dava pelo nome de BETA, alguns ainda se lembrarão), mas que se atrasou ligeiramente na produção de vídeos de aluguer.
Na The Economist da semana passada fiquei a saber como o futuro das metrópoles teria sido diferente se alguém tivesse impedido que o mercado funcionasse. O artigo em causa fala de uma companhia de autocarros eléctricos que surgiu em Londres no início do século XX e que faliu comercialmente devido a um episódio fraudulento (típico de mercados caracterizados por informação assimétrica - ou seja, praticamente todos!), embora oferecesse uma solução mais económica e tecnicamente mais fiável - e, seguramente, ambientalmente mais limpa - do que a dos autocarros movidos por motores de combustão interna baseados em derivados de petróleo.
Tivesse o mercado não funcionado e hoje respiraríamos um ar mais agradável.
Sensibilidade e bom senso
«Os EUA são muito mais realistas que o BCE. Em presença da realidade, os EUA reagem com realismo, enquanto a Europa reage escolasticamente. A descida das taxas de juro nos EUA vai prejudicar as empresas na medida em que em que com um euro alto perdemos competitividade. Quanto à Iberomoldes, já perdemos o mercado norte-americano por força da apreciação do euro».
O industrial Henrique Neto (um exemplo raro de um empresário que investe em bens transaccionáveis tecnologicamente avançados e a quem nunca ouvi uma queixa sobre a «rigidez do mercado de trabalho» português) descreve muito bem a situação depois da Reserva Federal (RF) norte-americana ter feito aquilo que lhe compete face a uma situação de crise cada vez mais grave: cortar decididamente a taxa de juro de referência. É preciso não esquecer que a RF tomou esta decisão porque tem um mandato político que aponta para uma missão dupla: crescimento económico e emprego por um lado e estabilidade de preços por outro. A Europa, por seu lado, criou uma instituição à qual foi atribuída uma missão principal a que tudo o resto deve estar subordinado: manter a estabilidade de preços. Não se espantem por isso se, apesar das boas razões existentes, o BCE decidir nos próximos tempos ser fiel à ortodoxia económica que presidiu à sua criação.
O industrial Henrique Neto (um exemplo raro de um empresário que investe em bens transaccionáveis tecnologicamente avançados e a quem nunca ouvi uma queixa sobre a «rigidez do mercado de trabalho» português) descreve muito bem a situação depois da Reserva Federal (RF) norte-americana ter feito aquilo que lhe compete face a uma situação de crise cada vez mais grave: cortar decididamente a taxa de juro de referência. É preciso não esquecer que a RF tomou esta decisão porque tem um mandato político que aponta para uma missão dupla: crescimento económico e emprego por um lado e estabilidade de preços por outro. A Europa, por seu lado, criou uma instituição à qual foi atribuída uma missão principal a que tudo o resto deve estar subordinado: manter a estabilidade de preços. Não se espantem por isso se, apesar das boas razões existentes, o BCE decidir nos próximos tempos ser fiel à ortodoxia económica que presidiu à sua criação.
Vai uma corrida?

Até meados do século XIX, os bons velhos tempos do liberalismo, as corridas aos bancos eram muito frequentes porque não existiam mecanismos de regulação pública que garantissem de alguma forma os depósitos e sobretudo porque não se tinha ainda consolidado a ideia de um credor de última instância (Banco Central) que injectasse liquidez no sistema e assim estancasse a onda de desconfiança. Estes dispositivos existem (embora na Grã-Bretanha os mecanismos de garantia sejam menos robustos do que noutros lugares e por isso talvez este triste episódio tenha aí ocorrido). Mas nos momentos de instabilidade vê-se que por detrás de um sistema liberal (e a assegurar a sua reprodução) está sempre a mão firme do Estado a salvar, pelo menos por enquanto, a situação. Não me parece que a culpa possa ser atribuída assim tão facilmente ao governo britânico. Afinal de contas foi o banco que pediu auxílio. E na ausência de regulações mais robustas, que controlem o comportamento das instituições financeiras, as dinâmicas concorrenciais da «anarquia de mercado» como que «coagem» inevitavelmente os bancos a comportarem-se de forma crescentemente aventureirista na fase ascendente do ciclo. Os «moralismos» são aqui dispensáveis. É preciso olhar para a estrutura que gera estes comportamentos. Há aqui questões difíceis, que os liberais têm de enfrentar, como este artigo de Martin Wolf bem ilustra.
terça-feira, 18 de setembro de 2007
O nirvana de Greenspan
O primeiro post deste blogue dava conta da crescente divergência entre os salários e a produtividade nos E.U.A. Hoje, Alan Greenspan, em entrevista ao Financial Times (publicada pelo Diário Económico) mostra-se surpreendido com esta tendência:
«O mundo que Greenspan descreve parece-se mais com um "mercado-nirvana global" com uma curiosa peculiaridade: os lucros são muito superiores aos que se esperaria num mundo onde a concorrência global é cada vez mais apertada. "Em termos contabilísticos até sabemos o que provocou tudo isto" - o peso dos salários, em termos de percentagem do rendimento nacional, nos EUA e noutros países desenvolvidos é invulgarmente baixo comparativamente aos padrões históricos -, "mas em termos económicos desconhecemos que processos isto envolveu", refere».
Quanto a esta última confissão de ignorância, talvez possamos dar uma ajuda. Devagarinho, para ser mais fácil: Ne-o-li-be-ra-lis-mo!
Reproduzo em baixo o gráfico, anteriormente publicado, que ilustra a gritante divergência entre a produtividade e o salário horário nos E.U.A. durante as últimas décadas:
«O mundo que Greenspan descreve parece-se mais com um "mercado-nirvana global" com uma curiosa peculiaridade: os lucros são muito superiores aos que se esperaria num mundo onde a concorrência global é cada vez mais apertada. "Em termos contabilísticos até sabemos o que provocou tudo isto" - o peso dos salários, em termos de percentagem do rendimento nacional, nos EUA e noutros países desenvolvidos é invulgarmente baixo comparativamente aos padrões históricos -, "mas em termos económicos desconhecemos que processos isto envolveu", refere».
Quanto a esta última confissão de ignorância, talvez possamos dar uma ajuda. Devagarinho, para ser mais fácil: Ne-o-li-be-ra-lis-mo!
Reproduzo em baixo o gráfico, anteriormente publicado, que ilustra a gritante divergência entre a produtividade e o salário horário nos E.U.A. durante as últimas décadas:
Desigualdade

segunda-feira, 17 de setembro de 2007
Mudança tecnológica e desemprego
Dos comentários à posta anterior emergiu uma discussão recorrente quando se fala de revoluções tecnológicas - trata-se de saber em que medida estas poderão ser responsabilizadas por períodos prolongados de desemprego.
Um coisa que já devíamos suspeitar é que esta questão é menos simples do que pode parecer. Vista em termos agregados, a mudança tecnológica tem efeitos contraditórios sobre o volume de emprego. Por um lado, tende a provocar uma perda de postos de trabalho, na medida em que conduz frequentemente à substituição de mão-de-obra por capital físico, bem como ao declínio de certas actividades que se vão tornando irrelevantes. Por outro lado, as novas tecnologias também significam a produção de novos bens e serviços, logo a oportunidade para criar novos empregos.
Posto noutros termos, tipicamente a mudança tecnológica implica a libertação de recursos produtivos (nomeadamente, a força de trabalho), os quais podem ou não ser aproveitados para outros fins. Se estes recursos são ou não utilizados produtivamente depende de muitos factores, nomeadamente das instituições do mercado de trabalho, das características dos trabalhadores envolvidos, das políticas macroeconómicas seguidas, entre outros.
Ao atribuir o desemprego francês na primeira metade da década de 1990 ao novo paradigma tecnológico, Viviane Forrester menorizava aspectos muito mais relavantes como sejam a política macroeconómica fortemente contracionista seguida desde o início da década de 1980 na generalidade dos países da Europa ocidental, mas também os efeitos da liberalização internacional dos mercados (associados simultaneamente à conclusão do Uruguay Round e à finalização do Mercado Interno na sequência do Acto Único Europeu), que se fizeram sentir em alguns sectores mais expostos à concorrência externa.
Não, não creio que o comentário do Nuno resulte de uma 'fézada', caro Diogo. Mesmo aceitando que é extremamente difícil identificar o peso de cada factor na determinação de um fenómeno tão complexo como o desemprego.
Um coisa que já devíamos suspeitar é que esta questão é menos simples do que pode parecer. Vista em termos agregados, a mudança tecnológica tem efeitos contraditórios sobre o volume de emprego. Por um lado, tende a provocar uma perda de postos de trabalho, na medida em que conduz frequentemente à substituição de mão-de-obra por capital físico, bem como ao declínio de certas actividades que se vão tornando irrelevantes. Por outro lado, as novas tecnologias também significam a produção de novos bens e serviços, logo a oportunidade para criar novos empregos.
Posto noutros termos, tipicamente a mudança tecnológica implica a libertação de recursos produtivos (nomeadamente, a força de trabalho), os quais podem ou não ser aproveitados para outros fins. Se estes recursos são ou não utilizados produtivamente depende de muitos factores, nomeadamente das instituições do mercado de trabalho, das características dos trabalhadores envolvidos, das políticas macroeconómicas seguidas, entre outros.
Ao atribuir o desemprego francês na primeira metade da década de 1990 ao novo paradigma tecnológico, Viviane Forrester menorizava aspectos muito mais relavantes como sejam a política macroeconómica fortemente contracionista seguida desde o início da década de 1980 na generalidade dos países da Europa ocidental, mas também os efeitos da liberalização internacional dos mercados (associados simultaneamente à conclusão do Uruguay Round e à finalização do Mercado Interno na sequência do Acto Único Europeu), que se fizeram sentir em alguns sectores mais expostos à concorrência externa.
Não, não creio que o comentário do Nuno resulte de uma 'fézada', caro Diogo. Mesmo aceitando que é extremamente difícil identificar o peso de cada factor na determinação de um fenómeno tão complexo como o desemprego.
Não basta ler a contra-capa

O «Horror Económico» não parte da premissa de «que as pessoas vivem cada vez pior e que estamos mais pobres do que estávamos há 100 ou 200 anos». O livro, centrado na realidade francesa, parte sim das elevadas taxas de desemprego a que, países como a França, pareciam condenados. A comparação faz-se, por isso, com o quase pleno emprego de há 30 anos.
O livro tem, contudo, muito por onde se criticar. Parte de uma premissa falsa ao associar desemprego estrutural ao actual paradigma tecnológico. E, por isso, cai também em vários equívocos em relação às alternativas que propõe. Ao contrário do que jcd afirma, Forrester não defende o fim do capitalismo, mas sim a redução do horário de trabalho (que se veio a verificar no governo Jospin) e a revalorização de um conjunto de serviços sociais criadores de emprego. Quanto ao uso de produtos derivados na «economia de casino», acho que a recente crise financeira é eloquente o suficiente...
«No Logo», de Naomi Klein, é um livro bem mais valioso. Embora peque pela ausência de qualquer teorização, Klein consegue, descrever o modus operandi das grandes multinacionais e, mais uma vez, ao contrário do que jcd afirma, não se esquece dos trabalhadores destas empresas no extremo-oriente. No que considero ser a melhor parte do livro, Klein descreve as terríveis condições de trabalho nas zonas especiais dedicadas ao investimento estrangeiro.
Finalmente, temos o ataque a Ramonet, director do Le Monde Diplomatique, e às suas supostas previsões catastrofistas sobre o fim do capitalismo. Há muito tempo que me habituei a ler Ramonet, em artigos e livros, e nunca lhe li tal formulação. Aliás neste caso não são apresentadas quaisquer referências. Aconselho então jcd a tirar de novo os livros que critica das sua estantes e a lê-los de novo antes de se decidir a escrever disparates preconceituosos.
Mais um simpatizante do terrorismo
«Entristece-me que seja politicamente inconveniente reconhecer o que toda a gente sabe: a guerra no Iraque deve-se sobretudo ao petróleo», escreve Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, nas suas memórias.
Como resolver a crise?
«Governo Socialista vai investir 93 milhões de euros para modernizar as polícias, uma subida de 46% face a 2007». Este parece ser o sector prioritário em termos de aumento do investimento público. Num contexto de crise social grave e na mais desigual e injusta sociedade europeia, um governo socialista prefere reforçar o aparelho repressivo. Será que o nosso incipiente «Estado social» vai passar a ser cada vez mais um robusto «Estado penal»?
Ainda a crise
Agora que as forças da desconfiança e da incerteza levam a uma inédita corrida a um banco no Reino-Unido, um dossier, preparado pelo esquerda, pode ajudar a deslindar alguns dos fios que conduziram a mais esta crise financeira de alcance global.
Destaco o artigo do economista heterodoxo espanhol Juan Torrez Lopes. Explica bastante bem os mecanismos da crise e denuncia a passividade dos bancos centrais ao permitirem a especulação desenfreada que alimentou a bolha. São apenas «escravos de uma ortodoxia sem qualquer base científica (pois nem um só dos postulados no qual se baseia a política monetária e económica que defendem está demonstrado como mais conveniente ou adequado)». Particularmente interessantes são as suas propostas para conjurar a instabilidade financeira. Estas baseiam-se no sensato princípio de que é preciso bloquear «os mecanismos que transmitem a especulação e a volatilidade a todas as actividades económicas». É de facto urgente voltar a Keynes e a Tobin.
Destaco o artigo do economista heterodoxo espanhol Juan Torrez Lopes. Explica bastante bem os mecanismos da crise e denuncia a passividade dos bancos centrais ao permitirem a especulação desenfreada que alimentou a bolha. São apenas «escravos de uma ortodoxia sem qualquer base científica (pois nem um só dos postulados no qual se baseia a política monetária e económica que defendem está demonstrado como mais conveniente ou adequado)». Particularmente interessantes são as suas propostas para conjurar a instabilidade financeira. Estas baseiam-se no sensato princípio de que é preciso bloquear «os mecanismos que transmitem a especulação e a volatilidade a todas as actividades económicas». É de facto urgente voltar a Keynes e a Tobin.
domingo, 16 de setembro de 2007
As metáforas podem ser perigosas

Não sei se o ministro disse isto para acalmar os seus colegas, à entrada para uma viagem de barco pelo Douro, ou se pretendia dar um alcance mais metafórico à sua declaração. Vamos assumir a segunda hipótese, até porque esta está mais de acordo com o tom complacente do conclave face aos potenciais efeitos de contágio de mais uma crise do regime financeiro liberal: não se passa nada de especial, é preciso mas é controlar a inflação e assegurar o equilíbrio orçamental que a melhor política é sempre a ausência de política. Pois bem. Esqueceu-se o ministro que a reduzida turbulência das águas do Douro é o resultado da construção de um complexo sistema de barragens que permitiram regularizar o caudal do rio.
Nos mercados financeiros, desde há mais de vinte anos, que pouco mais se faz do que destruir barragens. Mas isto das metáforas não é para todos. Dito assim até parece que os mercados financeiros são tão naturais como o rio Douro.
Bússola
Numa entrevista, dada ao Jornal de Negócios em Junho, o comissário europeu («socialista») para a fiscalidade afirmava que, num contexto de livre circulação de capitais, «harmonizar as taxas de IRC é acabar com a concorrência fiscal» à escala da União Europeia, responsável, na sua opinião, pela criação de «um melhor ambiente para os negócios». E assim se bloqueia deliberadamente a tão necessária harmonização fiscal na União.
Um estudo recente do Compass mostra a urgência de se avançar nesta direcção. O Compass é um centro de produção e difusão de ideias ligado, mas não confinado, ao que resta da ala esquerda do New Labour. Prova duas coisas: (1) que ainda há, em alguns partidos europeus da internacional socialista, grupos organizados que não se resignaram a administrar a transição mais ou menos rápida para sociedades cada vez mais mercantis e injustas (onde é que eles estão em Portugal?); (2) que existe a consciência de que é importante formular diagnósticos e sobretudo propostas políticas inovadoras que se cristalizem em programas que possam conquistar maiorias. Luta das ideias mais uma vez.
Luta das ideias
A. Cabral acha que eu tendo a exagerar o papel que as ideias e os intelectuais desempenham na evolução das sociedades. Bom, talvez eu tenda de facto, por defeito de formação e por considerar que a dimensão da luta das ideias foi e é muito descurada à esquerda, a sobrestimar a importância das normas, dos valores, das ideologias que a cada momento se vão forjando e que definem a forma como os indivíduos interpretam o mundo, as opções que tomam e as alterações nas «regras do jogo» que decidem promover.
Prefiro pecar por excesso do que deixar-me aprisionar em interpretações que tendem a confiar na bondade de um activismo sem bússolas ou na ilusão de que as forças da história trabalham de alguma forma a favor dos projectos socialistas. Prefiro assim enfatizar o papel da produção e da difusão das ideias, a forma como certas instituições (academia, comunicação social e outros aparelhos ideológicos) tendem a robustecer determinadas agendas políticas, a forma como estas circulam e moldam os termos dos debates e a percepção dominante do campo dos possíveis. Produção, circulação e popularização de ideias, construção da hegemonia, acção política deliberada.
As vitórias do neoliberalismo também passaram e passam por aqui. Embora saibamos que o combate é desigual, aprendamos então com a «direita gramsciana». E lembremos, com Marx, que «as ideias são uma poderosa força material»...
Prefiro pecar por excesso do que deixar-me aprisionar em interpretações que tendem a confiar na bondade de um activismo sem bússolas ou na ilusão de que as forças da história trabalham de alguma forma a favor dos projectos socialistas. Prefiro assim enfatizar o papel da produção e da difusão das ideias, a forma como certas instituições (academia, comunicação social e outros aparelhos ideológicos) tendem a robustecer determinadas agendas políticas, a forma como estas circulam e moldam os termos dos debates e a percepção dominante do campo dos possíveis. Produção, circulação e popularização de ideias, construção da hegemonia, acção política deliberada.
As vitórias do neoliberalismo também passaram e passam por aqui. Embora saibamos que o combate é desigual, aprendamos então com a «direita gramsciana». E lembremos, com Marx, que «as ideias são uma poderosa força material»...
sexta-feira, 14 de setembro de 2007
Um livro de combate
Pelo A. Cabral fiquei a saber que Naomi Klein, a célebre jornalista-ensaista-activista canadiana, tem um novo livro onde procura explicar como é que as mais desvairadas utopias de mercado conquistaram, a partir dos anos setenta, a hegemonia um pouco por todo o lado, graças a uma combinação variável de coerção (do Chile de Pinochet ao Iraque) e de luta das ideias (o papel de ideólogos como Hayek ou Friedman e das instituições inspiradas pelas suas ideias).
Voltarei a este livro. Por agora fica aqui esta entrevista e um excelente dossier preparado pelo The Guardian. Destaco apenas a forma certeira como, na entrevista, a autora caracteriza os fundamentalistas do capitalismo sem fim: um desejo de pureza, a fé na harmonia dos interesses e a crença de que todos os problemas se devem a distorções, colectivamente impostas, que perturbam o funcionamento espontâneo do mercado.
Boas leituras.
Voltarei a este livro. Por agora fica aqui esta entrevista e um excelente dossier preparado pelo The Guardian. Destaco apenas a forma certeira como, na entrevista, a autora caracteriza os fundamentalistas do capitalismo sem fim: um desejo de pureza, a fé na harmonia dos interesses e a crença de que todos os problemas se devem a distorções, colectivamente impostas, que perturbam o funcionamento espontâneo do mercado.
Boas leituras.
Editors - Smokers Outside The Hospital
Os Editors lançaram agora o seu segundo albúm. Com músicas muito "orelhudas", como esta. Já não soam tanto a Interpol.
Quem é que é infantil?

Nota: a ilustração desta posta é da autoria do Pedro Vieira, o magnífico irmaolucia.
quinta-feira, 13 de setembro de 2007
O solo onde a democracia floresce

Diria mesmo que a experiência histórica nos mostra que formas robustas de democracia só podem florescer no solo alimentado por este tipo de estruturas e pelas ideias que lhes estão subjacentes. Por outro lado, é muito curto dizer que uma «economia de mercado bem sucedida tornou-se uma condição de êxito da transição democrática e da consolidação da democracia liberal», mas que «só por si o mercado não gera a democracia». O mercado tem as costas demasiado largas, é muito plástico e pode coexistir com os mais variados arranjos nos regimes de propriedade (entre outros elementos) e com vários tipos de sistemas socioeconómicos (é anterior ao capitalismo e nenhum sistema alternativo pode provavelmente prescindir dele para falar curto e grosso e para retomar coisas já escritas pelo próprio Vital Moreira).
A questão crucial é a de saber se não estamos num processo que, a continuar, tenderá a secar o solo onde a democracia pode florescer. O aumento do poder das forças do mercado e a consolidação de regimes de propriedade que dão demasiado poder aos accionistas seriam alguns dos mecanismos dessa secagem. Por exemplo, o economista Jean-Paul Fitoussi, insuspeito de simpatias socialistas, fala de uma «regressão "pacífica" das democracias» que se deve fundamentalmente à «expansão da esfera do mercado quer no interior de cada país quer à escala do Planeta» (A Democracia e o Mercado). Estaríamos assim numa conjuntura histórica marcada por uma situação de desequilíbrio entre um mercado em acelerada expansão (politicamente suportada como sempre aconteceu) e uma esfera da política democrática em perda de fôlego. Este é quanto a mim o problema central.
O capitalismo é glorioso
Nos Estados Unidos, o maior fundo de pensões de funcionários públicos vai investir 1.5 mil milhões de dólares em projectos de investimentos em infra-estruturas, antes responsabilidade exclusiva do poder político (estradas, centrais energéticas, etc). Tais investimentos serão, assim, claras privatizações.
Eu percebo que seja bom negócio, mas não existe aqui um conflito de interesses?
Via Michael Perelman.
quarta-feira, 12 de setembro de 2007
Ainda os museus
Museus portugueses: um património rico mas subfinanciado
Hoje é reconhecido não só o papel da Cultura como criadora de riqueza - através do turismo e da promoção de industrias criativas -, mas também como promotora da educação e da inclusão social e territorial. [...]
Mas a criação de sucursais do prestigiado Guggenheim, a anunciada «deslocalização» do Louvre e do Centro Georges Pompidou ou a saga do Hermitage em busca de meios de sobrevivência, seja através do «aluguer» de obras da colecção, seja da criação de pólos ou de sucursais idênticas ás do primeiro, não pode deixar de agitar os meios culturais e de permitir uma série de interrogações.[...]
Teoricamente, trata-se de uma troca justa: os museus vendem a sua «marca», simplesmente, e/ou cedem obras em situação de reserva ou de «segunda linha», obtendo assim receitas que na maioria das vezes são essenciais à sua sobrevivência. Bom exemplo desta estratégia é o já referido Museu Hermitage de St. Petersburgo. Um dos maiores e melhores museus do mundo, vítima do sub-financiamento da era pós-soviética, procura outras fontes de receita que não o Estado, contornando também o facto de se encontrar numa região ainda razoavelmente marginal aos circuitos turísticos de massas.
Surpreendentemente, em Março de 2006, anunciou-se a criação em Portugal de um pólo do Hermitage, previsto para 2010, com o pomposo nome de «Centro Hermitage da Península Ibérica», antecedido da realização de exposições temporárias com obras da colecção daquele museu. Ainda sem localização definida ou orçamento anunciado, este centro foi apresentado como uma vitória da diplomacia portuguesa, que viria segundo as palavras da actual ministra da Cultura «(...) colmatar o facto de a colecção museológica portuguesa ser excessivamente nacional e 'pobre' do ponto de vista internacional» (DN, 21/02/05). [...]
Portugal contribuirá para resolver os problemas de sobrevivência do Hermitage, ao mesmo tempo que cede temporariamente património e paga elevados custos para surgir associado a outra grande «marca» de museus internacionais, desta vez em Washington no Smithsonian. Neste contexto, e com os anunciados cortes orçamentais para os museus portugueses (mais de 23% no orçamento global do Instituto Português de Museus) cabe perguntar: onde nos leva a irresponsabilidade da política governamental para a área dos museus? [...]
Sucede que, em nome do combate ao défice orçamental, os museus portugueses vivem hoje os mais difíceis dias das últimas décadas. À endémica falta de vigilantes que não raras vezes tem levado alguns ao encerramento parcial ou mesmo total, acresce a degradação acelerada dos edifícios, das museografias e das colecções (quem e com que meios restaura actualmente o património do Estado?).[...] Justamente quando se verificam esforços reais para incluir Lisboa nos circuitos das itinerâncias internacionais, como sucedeu com a apresentação da colecção Rau no MNAA, em 2006, anuncia-se que o corte orçamental obrigará a realizar não mais do que uma exposição por museu. Como afirmou recentemente Alexandre Pomar «Por cá, alguém se terá equivocado, e a aventura é chocante para museus mais pobres do que os da Rússia» (Expresso/ Actual, 20/17/07").
Católicos com as prioridades certas
A pobreza será, talvez, o principal problema do nosso país. Resultado de uma distribuição desigual, mais de um quinto da população portuguesa vive abaixo do limiar estatístico de pobreza (menos de 60% do rendimento mediano). Portugal é o segundo país europeu (dos 15) neste ranking de vergonha, atrás da Irlanda. Claro está, que, se tomarmos o poder de compra em cada país (PPP), Portugal aparece destacado à frente. Os dados são do Eurostat.
É, por isso, escandalosa a ausência da questão no espaço público nacional. A pobreza é invisível. Está confinada às quatro paredes de quem a sofre. Num esforço para tentar recolocar o combate à pobreza no centro do debate político, a Comissão Nacional Justiça e Paz (organismo laical da conferência episcopal portuguesa) está a promover uma petição à Assembleia da República. Uma iniciativa muito oportuna que deve contar com a assinatura de todos, católicos ou não.
É, por isso, escandalosa a ausência da questão no espaço público nacional. A pobreza é invisível. Está confinada às quatro paredes de quem a sofre. Num esforço para tentar recolocar o combate à pobreza no centro do debate político, a Comissão Nacional Justiça e Paz (organismo laical da conferência episcopal portuguesa) está a promover uma petição à Assembleia da República. Uma iniciativa muito oportuna que deve contar com a assinatura de todos, católicos ou não.
O mito da transparência

Dado que os mercados financeiros se baseiam em apostas em relação ao futuro e dado que o futuro é incerto, então nada mais previsível do que a emergência de convenções e de fenómenos de mimetismo. Em geral, a pressão social e a concorrência entre os agentes financeiros são factores que explicam a consolidação e hegemonia de interpretações da realidade que estão na base dos frequentes episódios de euforia financeira. Esta situação tem dois efeitos perniciosos. Por um lado, dá origem a um enfraquecimento do espírito crítico durante o boom, a uma tendência para não se pôr em causa a sabedoria convencional (Keynes dizia que nos mercados financeiros, para a maioria dos agentes, mais vale ser «mal sucedido com as convenções do que ser bem sucedido contra elas»). Por outro lado, desencadeia o que se designa por «miopia face ao desastre». Quer isto dizer que os agentes, a partir do momento em que partilham a crença na sabedoria do mercado, tendem a subestimar de forma sistemática os sinais e as anomalias (a tal informação) que se vão acumulando e que apontam para a insustentabilidade da situação. Até ser demasiado tarde. Depois vem o pânico...
terça-feira, 11 de setembro de 2007
Democratizar o ensino superior?

As contas estão feitas no Jornal de Negócios. A democratização do ensino superior não passará por aqui.
Simplesmente não sabemos (II)

Ricardo Reis no Diário Económico. Esta alternativa é enganadora. A inflação parece ser neste momento o menor problema da economia norte-americana. De qualquer forma, dados os ciclos viciosos que se podem estar a gerar (com o aumento do número de agentes em situação de insolvência), não é certo que o corte das taxas de juro possa resolver o problema.
Parece que estamos condenados a falar da crise (que também é uma crise num modelo de crescimento neoliberal, assente na especulação, no endividamento e na estagnação salarial) para além do próximo mês.
segunda-feira, 10 de setembro de 2007
Política de alianças
André Freire publicou hoje um excelente artigo de análise do acordo PS-BE para a Câmara de Lisboa (via Arrastão). Será que este acordo pode contribuir para romper «o enviesamento para a direita do sistema partidário português?» Será que a captura da direcção do PS pelas correntes neoliberais é apenas circunstancial e pode ser reversível com outras figuras e sobretudo com outra correlação das forças sociais e políticas? Não deveria o BE apostar na acumulação de forças em oposição às orientações neoliberais do governo Sócrates, mas sem fechar o leque das opções, pelo menos para já, relativamente a 2009? E quais poderiam ser os termos de convergências políticas mais ambiciosas à esquerda? E por que é que quase ninguém fala sobre esta questão (a da alternativa)? Será que é possível em Portugal um programa reformista forte de esquerda? Com os actuais constrangimentos internacionais? E qual o balanço das participações de outros partidos da «esquerda socialista» em governos?
Uma coisa é certa: acho que são questões e impulsos políticos deste tipo que assustam a direita dos interesses. Por isso vale a pena prosseguir com eles.
Uma coisa é certa: acho que são questões e impulsos políticos deste tipo que assustam a direita dos interesses. Por isso vale a pena prosseguir com eles.
Desemprego e regulação do mercado de trabalho

Neste artigo, um conjunto de economistas (com Andrew Glyn entre eles) desmonta estas comparações grosseiras. A análise empírica destes autores prova uma não-relação entre as duas variáveis. Pelo contrário, o estudo mostra como diferentes variedades de organização do trabalho podem resultar numa baixa taxa de desemprego. O mundo é complexo e o capitalismo variado.
No entanto, como explicar a aparente unanimidade da teoria económica? Os autores mostram: «(...) preocupação que a investigação empírica na explicação da alta taxa de desemprego no mundo desenvolvido tenha sido, a um nível perturbador, orientada por esforços para verificar ou confirmar a teoria ortodoxa, em vez de a testar criticamente». Pois.
Simplesmente não sabemos (I)

Se a duração for curta, não muitas. Se a crise nos mercados se resolver ao fim de pouco tempo, então retoma-se o cenário central [para o crescimento económico] ( . . .) Ainda não estamos na situação em que temos a certeza que haverá consequências negativas para a economia. É necessária mais informação (. . .) Se o problema na economia mundial fosse apenas o ‘subprime’, seria absorvível sem grandes consequências. O problema é que tudo isto foi titularizado, objecto de derivados e vendido em todo mundo e, logo, ninguém sabe quem é que vai ter as perdas e em que dimensão. É esta falta de informação e de transparência que está a criar o problema de falta de liquidez de mercado. Há uma quebra de confiança».
A incerteza irredutível face ao futuro deve ser sempre o ponto de partida para explicar os comportamentos dos agentes económicos, as limitações e a precariedade do seu conhecimento, a sua maior ou menor preferência pela liquidez, a emergência de convenções e os comportamentos miméticos, a alternância de fases de euforia e de pânico nos mercados financeiros, o papel da confiança ou as consequências, muitas vezes negativas, da descoordenação e descentralização das decisões mercantis. Em momentos de crise isto torna-se particularmente saliente. Para grande embaraço dos economistas ortodoxos.
domingo, 9 de setembro de 2007
Eutanásia do Rentista

Discordo totalmente. Juros altos, no actual contexto, apenas promovem os traços mais parasitários do capitalismo (para quê investir se posso ter uma taxa de remuneração alta esperando que o meu dinheiro frutifique com a simples passagem do tempo?). Uma política de juros altos dificulta o investimento capaz de modernizar a nossa estrutura produtiva, reduz a procura agregada, o rendimento e pode, em última análise, reduzir a poupança.
É uma orientação que vai contra aquilo que deve ser feito: estimular a economia, ter uma atitude mais tolerante em relação à inflação e assim enviar o sinal certo aos detentores de capital: vão trabalhar malandros!
Eutanásia do rentista chamou-lhe acertadamente Keynes. É evidente que para evitar o florescimento da especulação é preciso reenquadrar a actividade dos mercados financeiros. Keynes também propôs isso. Taxas e mecanismos de controlo e regulação. Já agora, é vergonhoso que não exista nenhuma edição recente da Teoria Geral em Portugal.
A política do bem comum

sexta-feira, 7 de setembro de 2007
Manu Chao
Manu Chao tem novo álbum. Promete. O vídeo para o primeiro single é realizado por Kusturica.
Aqui há uns anos, quando a Câmara de Lisboa era governada pela coligação de esquerda PS-PCP, o músico deu um memorável concerto gratuito de três horas, em Belém, para milhares de pessoas. Novo álbum, novo concerto?
Porque devemos ter um sector empresarial público (I)
Na passada segunda-feira, no seu monólogo semanal, António Vitorino defendia a privatização dos monopólios naturais, como a rede eléctrica nacional ou o abastecimento de água. Já aqui tínhamos sido muito críticos desta fúria privatizadora do governo, destituída de qualquer racionalidade económica.
Oportunamente, (o recorrente) Ha-Joon Chang publicou um relatório, encomendado pelo departamento dos assuntos económicos e sociais das Nações Unidas, sobre a reforma das empresas públicas. Escrito sem qualquer preconceito, o autor analisa teoricamente as vantagens e desvantagens destas empresas, estuda diferentes casos de (in)sucesso à volta do mundo e apresenta um modelo de reforma. A discussão não é simples e, sobretudo, não é fácil. As empresas públicas são recorrentemente associadas a ineficiência e incompetência. Por isso, voltarei a este relatório. Para já, transcrevo (com uns acrescentos meus) as quatro justificações para a existência destas empresas.
1. Monopólio Natural: em indústrias onde as condições tecnológicas impõem um só fornecedor monopolista, as empresas privadas poderão apropriar-se de rendas e produzir abaixo do nível social óptimo. Ex. Abastecimento de água ou electricidade (como a recentemente privatizada REN).
2. Externalidades: o sector privado pode ter incentivos reduzidos para investir em sectores que produzem bens essenciais para outras indústrias nacionais. Ex. indústria química.
3. Falha dos mercados de capitais: o sector privado pode recusar-se a investir em sectores considerados de alto risco ou com horizontes temporais muito alargados de retorno do investimento. Ex. indústria aeronáutica.
4. Serviços básicos: empresas do sector privado, guiadas pelo lucro, podem recusar (pelo preço ou pelo racionamento) a provisão de bens considerados essenciais aos mais pobres ou àqueles que vivem em zonas remotas (exemplo: transportes colectivos, serviços postais).
Obrigado Gulbenkian
Acaba de sair, editado pela Gulbenkian, o Sistema Nacional de Economia Política da autoria de Fredrich List (1789-1846), considerado um dos fundadores da Escola Histórica Alemã, uma das mais interessantes correntes do pensamento económico.
Por falta de tempo, deixo-vos, por agora, uma passagem: «É uma regra de bom senso que, chegando ao cimo, se retira a escada pela qual se subiu para não deixar aos outros o meio de treparem a seguir a nós (...) Uma nação [Inglaterra] que, através de medidas proteccionistas e limitações à navegação, desenvolveu a sua manufactura e navegação a tal ponto que nenhuma outra nação consegue entrar em livre concorrência com ela, não pode fazer nada mais inteligente do que arremessar a escada da sua altura, pregar às outras nações as vantagens da liberdade do comércio, reconhecer arrependida, que estivera até ao presente no caminho do erro e que só agora chegara ao conhecimento da verdade».
Os países em desenvolvimento têm em List um dos seus grandes pontos de apoio para uma política de «educação industrial» com recurso ao proteccionismo selectivo e temporário. Na verdade, a riqueza das nações nunca deixou de passar por aqui.
Por falta de tempo, deixo-vos, por agora, uma passagem: «É uma regra de bom senso que, chegando ao cimo, se retira a escada pela qual se subiu para não deixar aos outros o meio de treparem a seguir a nós (...) Uma nação [Inglaterra] que, através de medidas proteccionistas e limitações à navegação, desenvolveu a sua manufactura e navegação a tal ponto que nenhuma outra nação consegue entrar em livre concorrência com ela, não pode fazer nada mais inteligente do que arremessar a escada da sua altura, pregar às outras nações as vantagens da liberdade do comércio, reconhecer arrependida, que estivera até ao presente no caminho do erro e que só agora chegara ao conhecimento da verdade».
Os países em desenvolvimento têm em List um dos seus grandes pontos de apoio para uma política de «educação industrial» com recurso ao proteccionismo selectivo e temporário. Na verdade, a riqueza das nações nunca deixou de passar por aqui.
O ranking da direita intransigente (II)
Helena Garrido escalpeliza o «ranking da liberdade económica», mostrando muito bem algumas das suas fragilidades. Este trabalho de escrutínio é um «exercício que raramente se faz jornalisticamente». Pois é. Por isso é tão fácil usar e abusar de rankings que apenas reflectem os preconceitos dos seus autores.
Subscrever:
Mensagens (Atom)