quarta-feira, 13 de outubro de 2021

O Estado fiscal de classe contraria a democracia


Para lá da multiplicidade de benefícios e deduções fiscais com efeitos regressivos, um dos melhores sinais do chamado Estado fiscal de classe, que contraria a igualdade substantiva inerente a uma democracia digna desse nome, é o tratamento diferenciado, em sede de IRS, dos rendimentos do trabalho e de capital. O princípio do englobamento em pé de igualdade dos diversos tipos de rendimento em sede de IRS, acabando com tratamentos de favor ao capital, é da mais básica justiça fiscal, contrariando poderosos interesses. 

Lembrem-se, já agora, que, em Portugal, o peso dos impostos regressivos sobre o consumo no PIB é ligeiramente superior à média da UE, enquanto que o peso dos impostos mais progressivos sobre o rendimento é bem inferior. Outro sinal. 

Timidamente, de forma manifestamente insuficiente, o governo propõe que os rendimentos especulativos com acções e obrigações detidas há menos de um ano sejam obrigatoriamente englobados para quem está no último escalão. 

Apesar do mero simbolismo da medida, no Público, por exemplo, só há lugar nesta matéria para advogados de negócios a clamar contra a “discriminação” e o “atentado”, ou seja, a favor do tratamento fiscal de favor para os ricos de forma intransigente. É da natureza desta advocacia e deste jornalismo. Como sublinha o director deste jornal, de forma mal disfarçada, deve associar-se a palavra reforma à promoção da transferência de recursos de baixo para cima na pirâmide social.  

Ai o mercado de capitais. O mercado de capitais não financia a economia, antes pelo contrário, sendo na melhor das hipóteses um mecanismo de soma nula para a transferência de direitos associados à propriedade. Serve para pressionar as empresas e gerar miopia de curto prazo, procurando canalizar o máximo de valor criado para os acionistas e outros rentistas. E, como lembrava Keynes, o acesso a este casino financeiro deve ser sempre fiscalmente contrariado. É o mínimo.

2 comentários:

TINA's Nemesis disse...

"sem mão-de-obra barata não há emprego" - Belmiro de Azevedo

https://www.jn.pt/economia/belmiro-de-azevedo-diz-que-sem-mao-de-obra-barata-nao-ha-emprego-3116288.html

Belmiro de Azevedo, bilionário, antigo CEO da Sonae;
Sonae, empresa que vive de baixos salários e precariedade, empresa dona do panfleto europeísta de referência Público;
Família Azevedo, patroa do relações públicas Manuel Carvalho.

Europeísmo, comunicação social, grande negócio, baixos salários e precariedade... isto está mesmo tudo ligado!

Jaime Santos disse...

Desta vez assino por baixo. Há muito, como notava há alguns anos Robert Shiller, que o preço das ações desacoplou do valor real das empresas, medido em termos dos dividendos pagos aos acionistas (e convém lembrar também os casos de dividendos pagos à custa de descapitalização das empresas ou as operações de recompra de ações).

E se se trata de pura especulação, deve ser tratada como tal pelo cobrador de impostos, não como qualquer espécie de investimento virtuoso...