quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Um Orçamento de "contas certas" para ir gerindo a divergência

 

É uma verdadeira lavagem ao cérebro. O Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças, com toda a comunicação social e a esmagadora maioria dos economistas da TV a apoiar, exploram à exaustão a retórica das "contas certas". Prudência, dizem.

Se a expressão "contas certas" significa um défice já muito perto dos 3%, logo no ano seguinte à brutal crise da pandemia (com os famosos critérios suspensos), e abaixo dos 3% nos anos seguintes, então só posso dizer que este governo está a praticar uma política errada. Nas crises, quando o sector privado não pode (ou tem receio de) gastar, deve ser o Estado a gastar, ensina a boa teoria económica. Injectar dinheiro na economia, sobretudo em investimento estratégico, nos serviços do Estado-social, no apoio significativo "aos de baixo" (rendimento, emprego, habitação), tributação dos muito ricos para reduzir a desigualdade, ... faz crescer o produto muito mais que a dívida. No rescaldo de tão grande crise, manter por algum tempo um défice elevado até permitiria reduzir o peso da Dívida Pública, a primeira preocupação do Governo. Aliás, o discurso da "estatização da economia" é pura e simples ideologia neoliberal.

A despesa pública tem um efeito multiplicador que a retórica da UE esconde, apesar de estar tão bem comprovado que até o FMI o admite depois do estrondoso e sistemático falhanço das suas intervenções, em particular na crise do euro (ver aqui). Na verdade, a ideologia do ordoliberalismo alemão, embutida nos tratados, impede qualquer política progressista séria. Não é por acaso que a esquerda europeia está em profunda crise. Infelizmente, na discussão do orçamento, a esquerda não afirma isto taxativamente. Discute sempre no quadro do paradigma vigente, não projecta uma nova luz sobre o que está em jogo. Por isso, perde hoje e perderá amanhã.

Não é com orçamentos de "contas certas", nem mesmo com o PRR, que o país pode sair da estagnação em que mergulhou após a preparação para a entrada na moeda única. Nenhum país da periferia Sul da UE se pode desenvolver sem soberania monetária e orçamental. Quanto à periferia Norte, essa tem melhores condições para crescer e maquilhar o seu não-desenvolvimento (as desigualdades internas são crescentes) porque beneficia da proximidade da Alemanha, o que se traduz em investimento privado alemão e seus efeitos de arrastamento nas economias locais (ver aqui).

O que escrevo resulta da investigação feita por economistas de orientação teórica diversa, incluindo a de alguém que desempenhou altos cargos no FMI (Ashoka Mody) e acompanhou de perto a crise da zona euro. Se, ainda assim, o meu leitor mantém as suas dúvidas, remeto para a Conclusão de um texto sobre a convergência na UE escrito por economistas convencionais (ver aqui). É isto: Portugal está condenado à divergência.

4 comentários:

Jaime Santos disse...

O segundo texto que cita termina com o seguinte comentário:

'How can we explain these diverging patterns within countries and across geographical clusters? Are they simply temporary and due to the crisis? Or should they be attributed to country-specific structural features and policies? Are these patterns featuring also social indicators? Future research will explore these questions in-depth.'

As conclusões que o Jorge Bateira tira são suas, não dos autores.

E não existe qualquer motivo para acreditar que uma política de desenvolvimento baseada em endividamento funcione, Jorge Bateira. Porque é exatamente isso que você e outros defendem, o défice não interessa ou é uma variável endógena (e endogenamente crónica, digo eu, o que mostra bem que a ideia de que existe equilíbrio natural ao longo do ciclo económico não passa de wishful thinking e pior, de quem não acredita de todo nele e não se importa com isso).

Mas o País tem estado a cair nessa armadilha há séculos, com ciclos de endividamento seguidos por ciclos de recessão, com as necessárias (leia-se impostas) medidas de austeridade a prejudicarem a população. O Euro pode ter sido co-responsável pelo último ciclo, mas não foi seguramente pelos dois anteriores, da responsabilidade da 'Economia de Abril' primeiro e da política desastrosa da AD depois.

E não me venha com essa da MMT. O País não tem uma Economia com dimensão suficiente para a suportar. Uma moeda só vale enquanto os malvados mercados acreditarem na capacidade do Estado para pagar as suas dívidas denominadas em moeda forte...

E o que representa esse gasto do Estado, num cenário de deficits crónicos, senão uma transferência de recursos do público para o privado, com a necessária alienação do património público quando for necessário pagar a dívida? Olhe que a Direita adoraria ter um motivo para privatizar a CGD, o SNS e a escola pública...

O Estado tem 'contas certas' porventura pela razão errada (imposição dos tratados)? Paciência, ainda bem que assim é, ninguém consegue desenvolver um País à custa de defaults sucessivos...

TINA's Nemesis disse...

Aquilo que António Costa, o João Leão, o Partido “Socialista”, os comentadores e outros propagandistas fazem à população portuguesa é terrorismo psicológico, e é assim há muito tempo, é o que a integração europeísta obriga, obriga a colossal aldrabice, são os “valores europeus”!

Alguma vez ouviram um jornalista a perguntar a um primeiro ministro, ministro das finanças, responsáveis sem legitimidade democrática da Comissão Europeia de onde veio a regra dos 3% de défice?
Eu nunca ouvi…
Uma população manipulada foi levada a acreditar que os 3% de défice é uma regra científica!

O Partido “Socialista” não está a resolver problemas da sociedade portuguesa, o Partido “Socialista” está a gerir o declínio da população portuguesa!
O Partido “Socialista” já teve muito tempo para mudar de vida.
António Costa não insiste em impor a tralha neoliberal à população portuguesa porque está a ser obrigado por forças superiores, ele a impõe porque António Costa é um neoliberal e acredita que o défice tem que estar abaixo dos 3% sempre, ele acredita nas “contas certas”!
As pessoas que querem que a era neoliberal acabe têm que parar de arranjar desculpas para quem andou e anda, apesar das oportunidades para mudar de atitude, a impor o neoliberalismo.

Qualquer pessoa minimamente informada e honesta (o que automaticamente exclui 99% dos comentadores da comunicação social) sabe que para termos progresso temos que ter uma população com acesso a bens básicos como a habitação, saúde, condições de trabalho seguras, rendimentos que garantam uma vida digna.
Nós tempos que garantir o básico por questões éticas e humanitárias como a garantia do básico é essencial para que todos se possam desenvolver e crescer.

Capitalismo não existe para que o ser humano floresça e cresça, existe para que um minoria domine a maioria.
Como nós estamos a atravessar um período de declínio (definitivo?) do Capitalismo aqueles que dizem que estão aqui para servir o povo, como António Costa, já mal conseguem esconder o que verdadeiramente estão a fazer, estes responsáveis mais não estão a fazer que tratar da vidinha deles e dos familiares,o filho do Costa está na política, era só o que faltava era o filho do Costa servir às mesas ou ter que emigrar…

Que nós tenhamos o discernimento e a coragem para ver a realidade tal como ela é e a capacidade para a mudar.

Anónimo disse...

"o Orçamento do Estado (OE) para 2022 é "talvez o melhor" deste Governo e "seria muito mau para o país se não fosse aprovado"
Pedro Nuno Santos, o dirigente mais à esquerda do PS, dixit
https://expresso.pt/orcamento-estado-2022/2021-10-13-OE2022.-Pedro-Nuno-Santos-deixa-alerta-Temos-de-fazer-tudo-para-assegurar-que-e-aprovado-457a135c

Anónimo disse...

Jorge Bateira, obrigado pelo excelente texto.
Por estranho que pareça, hoje, ao ouvir o anúncio do ministro das finanças, fiquei com a ligeira sensação que é possível receber mais do estado, a nível da educação, saúde e habitação para quem mais necessita. Os maiores problemas continuam a ser o FMI, o BCE e esta má sina de fazerem com que o estado invista mais na bolsa de valores, em vez de investir no seu próprio povo e numa sociedade melhor e mais justa.
Por isso, continuaremos nesta mesma via de retrocesso, sem nunca entender aquilo que é melhor, como também gerir melhor um país com dez milhões de pessoas.
Ficaremos a aguardar esse tempo em que a voz do povo será mais forte e exigirá dos governantes um orçamento que se ajuste a todos e onde o dinheiro chegue. A ideia que a direita criou que o estado pode cair na falência é falsa. Um estado nunca vai à falência e um estado que não investe no seu próprio povo não é estado nenhum.