Duas frases:
Não havia razão nenhuma para ter terminado hoje a negociação. Estávamos na votação na generalidade. No ano passado, houve mais de mil propostas na especialidade. Terminou de forma muito prematura esta discussão.
O Governo sempre teve diculdade em perceber em que medida a apresentação de uma segunda proposta podia resolver a questão quando o espaço de negociação não muda.
A primeira afirmação é dita pelo secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, ao jornal Público de hoje, e parece endereçada ao PCP. A segunda afirmação é dita pelo secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, ao jornal Público de hoje, e parece endereçada a Marcelo Rebelo de Sousa.
O que sobressai da sua comparação? Bom senso ou contradição? Se for bom senso, isso que dizer que o Governo estava disponível a negociar na especialidade, mas não muito? Ou o Governo sabendo da teimosia dos parceiros, sabia que não podia deixar de se mostrar também teimoso? Se for contradição, quer dizer que não quis e não quer negociar de todo? E se não forem convocadas eleições? E sendo convocadas, se o PS ganhar as eleições sem maioria absoluta? E se o PSD/CDS/IL ganharem sem maioria absoluta? Face a esses cenários, aquelas citações deixam então rapidamente de fazer sentido.
E de que forma o fazem hoje?
Resta, pois, a questão: por que razão se mostra o Governo tão teimoso, nomeadamente nas questões laborais?
2 comentários:
João Ramos de Almeida, parece-me que vai um oceano de distância entre uma negociação na especialidade que não altera o essencial de um orçamento e um novo documento que teria que ser radicalmente distinto deste.
Porque se não o fosse, então poderia justamente surgir do trabalho na especialidade.
Não vejo pois qualquer contradição entre as duas declarações de Duarte Cordeiro.
Tentar extrair uma possível concordância do PS com um segundo Orçamento que me parece óbvio que este não desejaria é um argumento de desespero. Os Partidos de Esquerda, sobretudo o PCP-PEV, não perceberam que o chumbo do OE logo nesta fase representaria o divórcio final, sobretudo depois do condicionamento do PR ao declarar ad nauseam que dissolveria a AR.
O que hoje se passou na conferência de líderes mostra que ainda não entenderam bem o que lhes aconteceu...
Quanto à suposta teimosia do Governo, não posso responder a essa questão, mas Costa tem alguma razão quando fez notar que essas questões deveriam ser tratadas noutras sedes de negociação...
O que lhe posso dizer é que, muito naturalmente, os Partidos da Esquerda são os que têm mais a perder do resultado da votação, sem que seja claro do presente contexto se o PS terá algo a ganhar com isso...
Eu percebo que a presente novela é trágica para a Esquerda no sentido etimológico da palavra. Se deixassem passar o documento continuariam associados à Governação PS e não ganhariam nada (ou pouco) daquilo que consideram verdadeiramente essencial (não é que eu concorde com isso, é simplesmente uma constatação), votando contra, derrubam o Governo e ficam com o ónus de terem provocado uma crise política, ainda por cima por causa de um OE que continha ainda assim conquistas para os mais frágeis (não se trata exatamente do PEC IV, e o BE pagou caro a queda do Governo de Sócrates).
Como lhe digo, se não querem continuar a perder, sugiro-lhe que mostrem alguma manha... O mal maior é sempre pior...
Caro Jaime,
O primeiro argumento da grande diferença entre negociação na especialidade e novo orçamento - para lá da diferente natureza e protocolos - não me parece assim tão como um problema. Caso fosse negociado, o documento seria o mesmo, embora diferente nas partes entretanto negociadas. Aliás, o PS arrisca-se a ter de fazer essa negociação repetida caso haja eleições e não tenha maioria absoluta...
E eu não quis retirar das duas frases "uma possível concordância do PS com um segundo Orçamento". Parece-me, antes, que o argumento da "disponibilidade para negociar" surge estranho à sua luz. Há, de facto, assuntos que separam abissalmente o PS e os seus parceiros. Mas esse oceano abissal é apenas fático. Porque no seu discurso - e eu diria benignamente, vontade! - o PS concorda com os seus parceiros. Nota-se isso quando é necessário os deputados do PS vestirem a roupagem da esquerda. Sai-lhes sincero! O que não lhes sai sincero é precisamente o contrário. Mesmo o recente discurso de Ana Catarina Mendes no Parlamento parece uma declaração "de amor" invertida, desesperada.
Ora, o que não é assumida é a razão da sua resistência à negociação. E essa resistência é fruto de uma opaciade que o PS deveria tornar clara: 1) por que subverte os OEs aprovados com os seus parceiros?; 2) (independemente de o OE não ser o documento e momento ideais para discutir o Código do Trabalho, mas foi talvez por que o Governo apresentou a sua agenda de Trabalho Digno) por que mantém o PS em vigor regras que assumidamente sabe que baixam os salários e promovem uma relação laboral desigual que favorece a precariedade e a baixa salarial?
E todos nós sabemos a resposta a estas questões, porque já a vivemos noutras alturas. O PS quer fazer quadraturas de círculos entre ser de esquerda e ter um discurso e uma prática entrosada num edifício europeu marcado pelo neoliberalismo, quer melhorar as relações laborais e não afrontar o poder no patronato em foruns feitos para eles como é a Comissão Permanente da Concertação Social, em que funcionam como câmara corporativa sem que a lei o permita. Poder esse de que - obviamente - não querer abrir mão. Daí o episódio da suspensão da sua actividade na CPCS por uma questão mínima.
A esquerda perdeu com este episódo do OE - e é possivel que assim seja. Mas nessa esquerda inclui-se a possibilidade de um PS assumidamente de esquerda. E esse desastre arrasta-se há demasiado tempo. Porque já lá vão duas décadas de políticas que promovem a estagnação em Portugal, a permanência da pobreza e os atrasos acumulados na provisão pública de direitos sociais. Isto para não falar dos anos anteriores a 2000...
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