sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Noções básicas de estratégia para entender estas negociações


Um dos resultados básicos dos modelos que pretendem analisar a interação entre agentes com assimetria de poder é que o ganho da parte mais fraca da relação depende, no essencial, da sua posição de recuo. Isto é, de quão favorável é a posição do agente mais fraco da relação se decidir não aceitar o poder que sobre ele é exercido. Quanto melhor a posição de recuo, melhor será a distribuição dos ganhos pela parte mais fraca.

Um bom exemplo para entender o que se descreve acima é o mercado de trabalho. Quanto maior for o subsídio de desemprego, melhor é a posição de um trabalhador que decide não aceitar uma oferta por um salário que considera demasiado baixo. Melhor proteção social oferece uma melhor posição de recuo ao trabalhador (no caso de não aceitar os termos do patrão) e, por conseguinte, determina que o equilíbrio será atingido a um nível salarial mais elevado.

É possível estender este resultado básico a vários outros contextos. Tomemos o caso destas negociações: o poder do BE e do PCP nestas negociações é tanto maior quanto maior for a sua posição de recuo. Neste caso, a sua posição de recuo será a expetativa de resultado eleitoral no caso de não aceitarem os termos do acordo que lhes é sugerido pela parte mais forte da interação estratégica (o PS).

E aqui chegamos às parte essencial: tenho visto muitos apoiantes do BE e do PCP a sugerirem que, se estes partidos não cederem nas negociações, irão transferir o seu voto para o PS. Algumas destas pessoas dizem também que gostam de uma solução em que a esquerda negoceia com o PS, permitindo resgatá-lo do seu centrismo crónico.

Mas essas duas posições são incoerentes entre si. A esquerda só pode conseguir bons resultados negociais se existir a percepção da parte do lado mais forte da relação de poder de que a posição de recuo desses partidos é forte e estável. Se basta o PS fazer o teatro do costume e agitar com o fantasma da direita para isso causar uma transferência de votos para esse partido, isso causa uma erosão da posição de recuo do BE e do PCP. E isso leva a que nenhum bom resultado negocial possa ser obtido.

Estão a topar a incoerência estratégica da vossa posição, ou continuam a achar que isto é uma questão de maturidade/imaturidade, esse mal-fadado binómio que só serve para sustentar o situacionismo e impedir soluções que avancem as condições de vida das pessoas e do Estado social?

5 comentários:

Jaime Santos disse...

Ora deixe-me ver se percebo. Portanto, o BE e o PCP-PEV têm indicações, imagino que a partir de sondagens, de que se não cederem e forem para eleições, vão reforçar a sua posição eleitoral, num cenário de vitória do PS, como em 2015?

É que esta é a única posição de recuo em que ganham alguma coisa. É isso? Nesse caso, agradeceria que me citasse as ditas sondagens.

De outro modo, o que eu estou a topar é o wishful thinking da sua posição, porque se baseia em desejos e não em factos, ou vá lá, em probabilidades de que isto ou aquilo aconteça.

Se este cenário não se realizar, das três uma. Ou o PS volta a vencer em posição reforçada, quiçá com maioria absoluta, ou o BE e o PCP-PEV reforçam a sua posição, mas a Direita vence as eleições e a capacidade de influência na governação passa a ser nula, ou o BE e o PCP-PEV são penalizados nas urnas juntamente com o PS e a Direita ganha.

Em qualquer dos casos, estes Partidos perdem... A não ser que a sobrevivência partidária conte mais do que a capacidade de influência na governação, claro, mas se assim for preparem-se para uns 8 anos de Governo da Direita e de ataque aos sindicatos, porque foi isso que aconteceu durante o período da troika.

Na verdade, Diogo Martins, tudo o que diz trata-se de puro bluff. Se o Governo cair, o provável é que percam todos. A posição da Esquerda não é forte, é fraca, sobretudo olhando para o que se passou em 2011, e você sabe-o muito bem. Mas a defesa maximalista das vossas posições parece mais importante do que chegar a um acordo e objetivamente obter algumas vantagens para o vosso eleitorado...

A única coisa com que contam é que Costa tenha tanto medo de perder o poder que ceda em toda a linha. São capazes de se desiludir...

Enfim, o que tudo isto me lembra é o dilema do prisioneiro. Se cooperarem, têm vantagens, mesmo que não ganhem tudo, mas se um dos lados roer a corda, os dois lados perdem. É tanto simples quanto isso...

Mais vale um pássaro um pássaro na mão do que dois a voar, diz o povo que não precisa da teoria de jogos para compreender o elementar.

Como diz Chomsky, há coisas tão absurdas que é preciso ser-se um intelectual para acreditar nelas...

TINA's Nemesis disse...

Talvez esses apoiantes do BE e PCP que o Diogo se refere ao defenderem que estes dois partidos devem continuar a proteger o Partido “Socialista” estão secretamente a desejar que uma revolução aconteça...

Nenhum problema essencial que o Neoliberalismo criou está a ser resolvido. Há muita gente a viver mal há muito tempo devido a políticas insidiosas tanto aplicadas pelo PSD-CDS como pelo Partido “Socialista”.
Condições para revolução (não só em Portugal) têm vindo a ser criadas.

É a minha convicção, se o Neoliberalismo não é enterrado de uma vez por todas revolução vai ter que ser necessária. A ideologia neoliberal é extremamente corrupta, vil e cruel, já destruiu muita gente e vai continuar a destruir ainda mais como será o apocalipse do ecossistema do planeta.

Anónimo disse...

A convergência das esquerdas (Bloco,PCP e PEV) é cada vez mais necessária,cada força com a sua identidade mas serem capazes de cooperarem e apresentarem-se em eleições coligados ,poderiam reforçar a sua posição eleitoral ,para uma maior capacidade de influência na defesa de politicas que defendam o povo.

Victor Nogueira disse...

"As sondagens ..." O eleitoralismo ..." "ai que vem aí a direita ...." "Se Costa tver medo de perder o poder ... " e a premissa / conclusão «Se este cenário não se realizar, das três uma. Ou o PS volta a vencer em posição reforçada, quiçá com maioria absoluta, ou o BE e o PCP-PEV reforçam a sua posição, mas a Direita vence as eleições e a capacidade de influência na governação passa a ser nula, ou o BE e o PCP-PEV são penalizados nas urnas juntamente com o PS e a Direita ganha» e «Mas a defesa maximalista das vossas posições parece mais importante do que chegar a um acordo e objetivamente obter algumas vantagens para o vosso eleitorado...» ~
Se nas duas últimas legislaturas o PS e o PSD se têm coligado e entendido nas matérias estruturantes, dando o PS umas papas e bolos aos eleitores, forçado pela correlação de forças com o PCP e Bloco, qual o vero objectivo do teatro de Costa/PS? Ter maioria absoluta para fazer sem obstáculos uma política similar à do PSD/CDS? Ou quer o PS/Costa continuar a política dos rebuçados com um PCP e Bloco com menos deputados e força no Parlamento? Que interesse tem a esquerda em continuar a política de hara-kiri? E as lutas esgotam-se no Parlamento, comose este fosse único palco ou tablado?

Mário Pereira disse...

Perde toda a esquerda se o orçamento não passar. Porque a responsabilidade será dos três. E perde o povo, como se viu em 2011. Continuem a cometer os mesmos erros por porem os seus interesses à frente dos do país e depois queixem-se. A maioria dos eleitores de esquerda está-se cagando para o PS, o PCP e o BE. Quer é os seus problemas resolvidos. Muitos votarão sem qualquer dúvida no PSD e até nos cheganos. Não ganhem juízo e depois queixem-se.