terça-feira, 19 de outubro de 2021

Medidas universalistas


Os acordos à esquerda têm empurrado o PS para este enfoque nos mínimos sociais, condicionando uma autonomia estratégica que levaria o Governo por outros caminhos (pensando apenas nas respostas sociais, não deveríamos estar a discutir mais medidas universalistas, como manuais escolares gratuitos ou passes sociais com valores mais baixos?).

Pedro Adão e Silva, Expresso, 16 de Outubro de 2021.

Perante esta deveras surpreendente análise, confesso que não me ocorre mesmo nenhuma proposta de política pública em que o PS tenha ultrapassado a esquerda no seu pendor universalista, o mais igualitário, como sabemos, até porque politicamente mais sustentável. 

Tanto os manuais escolares gratuitos como os passes sociais mais acessíveis, por exemplo, resultaram precisamente da proposta e da pressão da esquerda. Tal como no caso da eliminação de redundâncias na oferta pública com os Contratos de Associação. E que dizer da actual proposta comunista de gratuitidade das creches para todos? Os exemplos multiplicam-se, em múltiplas esferas. 

De facto, da segurança social à energia, é o social-liberalismo de Terceira Via, aliado à ideologia perversa do equilíbrio orçamental, que tem vindo a promover cada vez mais políticas com condição de recursos, pobres políticas para pobres, paradoxalmente sem o mesmo alcance redistributivo das tais medidas universalistas. Afinal de contas, quem são os entusiastas do complemento solidário nas pensões e quem foram os entusiastas da introdução da condição de recursos no abono de família, só para dar dois exemplos? 

E se é verdade que às vezes as esquerdas que não desistem têm alinhado pragmaticamente com tal orientação, tem-no quase sempre feito de forma relutante, sem deixar de chamar a atenção para a sua natureza limitada, e sem deixar de colocar a tónica na necessidade de alargar socialmente o âmbito dessas medidas. Mais: sabemos onde tem estado a barreira – agora o apelido é Leão, mas o problema é estrutural e não pessoal. 

 

1 comentário:

Jaime Santos disse...

O equilíbrio orçamental não é, João Rodrigues, uma ideologia perversa, porque ele nunca é realizado de forma natural. Os Orçamentos até Mário Centeno eram sempre cronicamente deficitários.

O deficit não é uma variável endógena, pelo menos no contexto de fraco crescimento próprio de economias avançadas (e, por amor de Deus, não me venham dizer que a política desenvolvimentista de uma China é exemplo para quem quer que seja, cabe lembrar que essa mesma China é o maior poluidor do planeta).

E nesse contexto de crescimento fraco, desejável face à emergência climática, vai mesmo ser preciso deixar para trás a dependência (addiction) do crescimento e promover uma maior distribuição dos recursos já existentes. A não ser que se queira crescer para Marte, à imagem de um Bezos ou de um Musk...

E tempo das Esquerdas abandonarem o sonho soviético de enterrarem o capitalismo porque o ultrapassam na depredação dos recursos naturais. Isso nunca aconteceu e não é desejável. E para isso vão ter que se habituar a contas certas, porque um crescimento fraco ou nulo reflete um não acumular de dívida a deixar a futuras gerações, não uma dívida financeira mas uma dívida ambiental, e não há defaults que nos salvem dessa...