Por que razão o Governo deixou de divulgar desde Outubro passado os dados estatísticos sobre os efeitos da pandemia e sobre a aplicação das medidas de apoio?
Apesar de, por diversas vezes e há várias semanas, os responsáveis do Ministério do Trabalho, Segurança Social e Solidariedade terem sido instados a explicar esse "apagão" estatístico, nada dizem.
Há uma semana, foi respondido que o site estava a ser remodelado. Perguntou-se em que sentido iam as mudanças ser feitas e por que razão se interrompeu durante 3 meses (!) a informação para remodelar o site. Mais uma semana sem resposta.
Esta gestão de informação lembra casos semelhantes. O ministro das Finanças Jorge Braga de Macedo pura e simplesmente não divulgava qualquer informação sobre as receitas fiscais (quando se tentava escamotear que a economia de 1991/92 estava em queda). O ministro das Finanças Joaquim Pina Moura decidiu suspender a informação mensal da Direcção-Geral do Orçamento para a transformar depois numa divulgação trimestral (para evitar notícias mensais sobre o défice público). Os dois acabaram por ceder.
Neste caso, o assunto não é igualmente dispiciendo.
Há um ano, quando foram adoptadas as primeiras medidas contra a pandemia e se antevia os efeitos catastróficos na economia e na sociedade portuguesas, cientistas exortaram o Governo a que divulgasse - de forma o mais transparente possível - os dados estatísticos sobre a pandemia e sobre os efeitos das medidas. Era uma forma de a sociedade poder aferir - num estado de extrema necessidade - se as medidas adoptadas eram as mais convenientes e poder propor em tempo ideias e correcções para melhor salvaguardar o que estava em causa: como disse ainda ontem o primeiro-ministro, a protecção do emprego e das empresas, a protecção do rendimento.
E assim foi. O Ministério do Trabalho começou a 16/4/2020 a divulgar dados que antes nunca divulgara com uma prontidão inusitada. Como é visível pela consulta desses elementos, passaram a ser divulgados dados diários - repito, diários! - sobre baixas por isolamento, lay-off simplificado, apoio à redução de actividade, despedimentos colectivos, inscrições de desempregados nos centros de emprego, requerimentos de subsídio de desemprego - e mais informações analíticas. Os dados permitiam perceber o ritmo de adesão às medidas, de acesso aos apoios ou o grau com deixavam de ser usados, fosse qual fosse a razão. Eram números que permitiam seguir o pulso da crise.
Mas os dados não eram totalmente transparentes. Por exemplo, os números da principal medida de apoio - o lay-off simplificado - estavam empolados porque omitiam informação sobre os apoios às empresas. Nomeadamente, era impossível saber com rigor: 1) quantos trabalhadores estavam a ser apoiados; 2) quais os montantes salariais envolvidos; e pior, 3) quem no universo das empresas estava a receber a parte de leão dos apoios públicos.
Sobre esta última parte, contas grosseiras - nomeadamente as que foram feitas neste blogue - permitiam concluir que, pelo menos, metade dos apoios públicos ia para as grandes empresas, que, na verdade, não tinham necessidade desse apoio. Mais tarde essas mesmas contas grosseiras acabaram por ser confirmadas. Ou seja, tratava-se de uma medida que consagrava uma transferência de rendimento dos trabalhadores para as empresas, já que as empresas poupavam 84% dos seus custos salariais enquanto os trabalhadores perdiam 33% dos seus rendimentos.
Ora, como se vê, a maior transparência pode ser perigosa para quem queira gerir a informação como arma de arremesso de curto prazo e não como instrumento necessário ao conhecimento que, através do seu uso, permita a mudança da realidade. No fundo, é para isso que há estatísticas.
É natural que a realidade não seja perfeita. É natural que a política não seja perfeita. Senão não haveria necessidade de pessoas dedicadas à política e viveríamos num estado de comunismo moderno (por oposição ao comunismo primitivo). Ora, faltará muito tempo até lá. Mas até lá, era importante que todos os cidadãos interessados pudessem ter acesso a informação útil para poderem pensar.
Sobretudo, quando é essencial ultrapassarmos todos esta crise em directo.
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3 comentários:
O pânico do governo em aplacar os demónios do complexo mediático-corporativo-partidário provoca a tomada de decisões precipitadas, sem sustentação científica e de efeito nulo a maior parte das vezes.
Em março de 2020, o problema eram os ventiladores.
Em janeiro de 2021, não restam questões com ventiladores, porque a questão que aflige os media agora é o caos nos hospitais.
Em dezembro de 2020, a questão era o complemento dos privados ao SNS.
Em janeiro de 2021, os privados já não são questão.
A questão nunca foram os milhares de enfermeiros que emigraram, a convite da paf.
A questão nunca foram os vinte e tal hospitais do SNS, devolvidos pela paf às santas casas e que permanecem fechados.
Não, a questão agora é o "resultado eleitoral do ch*ga nas presidênciais" (já ouvi alguém numa tv a dizer isto) e a necessidade de aumentar a insatisfação dos eleitores em relação ao governo.
Há estudos científicos que dizem coisas estranhas.
Por exemplo, que o coronavírus é altamente contagioso e relativamente pouco letal.
Que o coronavírus "criou sinergias" com outras doenças e que essas outras doenças aumentaram muito a letalidade.
Que essas doenças, que já estavam cá, afetam sobretudo as franjas da população mais pobre, pois são aqueles sem dinheiro para se tratarem devidamente.
Que uma vaga de frio polar como aquela que atravessamos nas últimas semanas iría matar muita gente, ninguém quis saber (ao contrário de anos anteriores, que seria o tema de abertura dos telejornais).
E matou principalmente aqueles sem meios para ter uma habitação decente e/ou sem rendimentos para manter a casa aquecida.
Que os milhares de migrantes que trabalham em Portugal e que se acotovelam em casas alugadas, partilhadas e apinhadas de gente, nã interessa nada.
Que esses migrantes usam transportes públicos entre casa e o trabalho apinhados também eles, idem.
Nada disso merece um comentário dos papagaios.
Aliás, o foco agora é apenas para a situação interna. Nos restantes países, é como se a doença não existisse.
Este tipo andou por aí a espalhar o fim do SNS. E que as mortes atribuídas ao Covid eram afinal resultantes do frio polar etcetcetc
Um verdadeiro negacionista, parece que amigo íntimo daquele ministro holandês. Um ac*egado ao C*ega
Este texto sereno e desmistificador de João Ramos de Almeida merecia um outro comentário e uma outra direcção que o desenvolvido pelo primeiro "comentador"
A superficialidade e a incongruência desse "comentário" misturam-se com a pretenso teor rebolucionário da coisa. Ainda por cima mal ocultando um discurso negacionista da epidemia, comum à direita de bolsonaro, mas com toda a maquilhagem como se de esquerda fosse.
Atira o foco da coisa para o lado. E não se fala no que se fala aqui:
" uma medida que consagrava uma transferência de rendimento dos trabalhadores para as empresas, já que as empresas poupavam 84% dos seus custos salariais enquanto os trabalhadores perdiam 33% dos seus rendimentos"
Como alguém dizia...é o frio polar
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