terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Investimento público negativo: causas e consequências


Em Portugal, a principal vítima do programa de austeridade da troika foi o investimento público, que caiu para mínimos históricos e recuperou muito pouco desde então, como se pode ver no gráfico ao lado. Na verdade, o investimento público líquido, que representa o saldo entre a formação bruta de capital fixo (isto é, o valor investido em obras públicas, equipamentos, I&D, software, etc.) e o consumo de capital fixo (que mede o que se vai perdendo com o desgaste dessas obras públicas e equipamentos), tem sido negativo nos últimos anos, razão pela qual Portugal tem sido o país da União Europeia que menos investe em % do PIB desde 2016.

Depois de uma década de orçamentos guiados pelas metas do défice inscritas no Pacto de Estabilidade e Crescimento europeu, o que se investe hoje nem chega para compensar a depreciação. É isso que explica Philipp Heimberger, do Instituto de Estudos Económicos Internacionais de Viena. Ao Expresso, o economista diz que "Portugal já tinha um investimento público líquido negativo antes do coronavírus o que significa que o seu stock de capital público tem vindo a cair. É certamente contraproducente não fazer nada contra a queda do stock de capital público pois significa que as infraestruturas públicas estão, basicamente, a piorar."

É mesmo uma estratégia contraproducente. Não só do ponto de vista do desenvolvimento do país, visto que a restrição do investimento público contribui para acentuar a degradação de serviços como os hospitais, escolas ou transportes, como do ponto de vista da gestão das contas públicas, já que esta dificulta a recuperação da atividade económica no país. A promoção do investimento público eficiente tem efeitos positivos na economia como um todo e traduz-se em maior crescimento, o que permite, simultaneamente, reforçar a capacidade produtiva do país e reduzir a dívida pública em % do PIB. Foi isso que o FMI reconheceu, implicitamente, no seu recente relatório sobre a atual situação económica global, ao estimar que um aumento do nível de investimento público gera um crescimento 2,7 vezes superior do PIB. Além disso, este tipo de investimento é um elemento indispensável para atingir os objetivos de desenvolvimento social e sustentabilidade ambiental a que os governos se têm vinculado.

Não surpreende, por isso, que as principais instituições internacionais e a maioria dos economistas estejam hoje de acordo quanto à necessidade de promover o investimento público. Hoje, parece que muito poucos economistas têm dúvidas sobre aquilo que, há um ano, muito poucos aceitavam ou consideravam sequer discutível. Talvez isso se traduza no necessário consenso sobre a importância de eliminar as regras europeias pró-cíclicas que forçaram alguns países a restringir os orçamentos nos últimos tempos. E talvez permita perceber que a fixação com o défice zero tem muito pouco de sensato.

1 comentário:

A.R.A disse...

Essa perda de soberania perante essas ditas regras europeias são exactamente aquilo que urge combater pois a ingerência exterior definha a figura do Estado e amordaça a já de si frágil economia dos chamados países periféricos obrigando-os a autênticas engenharias orçamentais tais como a que experiênciamos com as famigeradas cativações que fez com que houvesse ainda menos investimento público em infraestruturas de um Estado quasi devolutas e em acelerado estado de degradação dos serviços não só pelos anos da Troika mas na sua maior quota parte pelas políticas implementadas que foram para além do exigido da Troika.
E como será fácil de perceber que o após pandemia investimento público será algo apenas pautado pelo pontual e sem uma expressão de registo no PIB.
A solução é de uma vez por todas deixarmos de tentar reconstruir a casa pelo telhado e finalmente reforçarmos os alicerces da mesma.