terça-feira, 6 de setembro de 2016

Os galões da globalização

António Vitorino aproveitou a sua ida à universidade de verão do CDS para atacar as esquerdas radicais, a "esquerda internacionalista". E mal o disse, exaltou-se, avivou-se-lhe a voz, parecia que tudo vinha do fundo de si. E arrancou uma entusiasmada salva de palmas aos jovens de direita.

Conseguiu-o criticando essas "esquerdas" que estão contra a globalização e apenas querem o proteccionismo, quando apenas a globalização - que é imparável - retira as populações da pobreza. E que a esquerda, em vez de zangada com isso, deveria ficar contente. Ora, Vitorino sabe muito bem que o argumento nem é esse. Trata-se apenas de: 1) um problema de desenvolvimento económico e de depradação, porque dificilmente um país cria a sua base económica sem protecção; 2) um problema de repartição dos ganhos da globalização. No fundo, essas "esquerdas" querem impedir que o planeta se torne numa imensa zona comercial em que é possível pagar custos de produção ao preço das zonas mais pobres, para depois cobrar pelas mercadorias preços ao nível das zonas mais ricas (que entretanto perderam essas actividades e empregos), sendo os lucros assim conseguidos remetidos - via preços de transferência - para uma conta bancária em zona fiscalmente "privilegiada". Nem de propósito, o José Vitor Malheiros fala hoje sobre isso com o exemplo do Pingo Doce.

Estas ideias fazem-me lembrar o que ando a ler nos transportes. Uma cronologia que o meu pai fez nos anos 80: "Portugal e a escravatura em África". Trata-se de uma compilação de informações, retiradas de uma ainda mais vasta colecção de informações compiladas como "Cronologia do Colonialismo Português em África", extraídas de uma vasta bibliografia de quase cem páginas.

Vou transcrever apenas três para se ver como a globalização sempre foi "vendida" como algo de bom para todos os povos, quando o que está por detrás é uma simples aritmética de lucros à custa de uns sacrificados. E que pelo caminho fica apenas a devastação de um inteiro continente.
Em 1581, o padre jesuíta Baltazar Afonso conta as façanhas dos portugueses no percurso de Anzele para o rio Cuanza: "... aconteceu que indo um pai com um filho fugindo dos nossos, vendo que não podia salvar o seu filho, se virou para os nossos e despediu quantas flechas tinha, até que o mataram sem sequer bulir do lugar, para o filho se esconder, e o pai acabou e se foi ao Inferno; outro estava dentro de uma casa com duas mulheres e se defendeu de dentro tão fortemente sem se querer dar, até lhe quererem pôr fogo à casa e ali arderam todos os três. Pôs isto tanto espanto aos nossos inimigos que todo o Angola tinha medo de nós". 120 soldados sob o comando de Manuel João atacam a destroem terras e libatas na região de Quanza, destruindo e saqueando durante 15 dias, fazendo mais de 100 escravos e um tal despojo que "encheria duas naus da Índia". O casario foi todo incendiado.

"A partir desta data" - 1600 - "os jesuítas que se tinham estabelecido em Angola, concentrarão sobretudo os seus esforços em Luanda, onde fundarão um colégio. Paralelamente, envolver-se-ão no comércio de escravos - a Companhia de Jesus dispôs dos seus próprios barcos para tal comércio com o Brasil - alegando que a melhor forma de converter um negro era a sua venda para as plantações da América do Sul, que a Companhia de Jesus igualmente detinha, onde melhor poderiam ser introduzidos na Cristandade."

Em 1612, "um leilão de escravos angolanos no Brasil deu o seguinte lucro: de cada dez escravos saídos de Angola, sete chegaram vivos e foram vendidos a um preço médio de 29 mil reais cada um, ou seja, 196 mil reais pelos sete, mais 7200 reais de indemnização do transportador pelos três mortos. Total: 203.200 reais. Como despesas (impostos, alimentação, etc.) totalizaram-se 41 mil reais. Donde, um lucro de 162.200 reais - 23.171 reais por escravo. Deve ainda descontar-se o preço do transporte, 9.600 reais por escravo. Lucro final, portanto, 13.751 reais por cabeça."

Bons tempos esses em que não havia fronteiras de maior, nem partilha significativa de lucros. A globalização imparável.

34 comentários:

Jose disse...

Consta que no tempo dos romanos os lusitanos escravizados davam ainda maiores lucros!

Quanto ao nosso tempo.
Os danos da globalização são infinitamente menores que os seus ganhos.
E são uma sombra se comparados com o desgorverno das nações, sendo a África um paradigma e Portugal um bom exemplo na Europa.

Anónimo disse...

Tipos como o Vitorino vão para o PS para parecerem que são moderados mas não mais são que pilantras viscosos!

O tipo tem para aí 10 "empregos"! Não sei como tem tempo para ir a "universidades de verão"!

A conta offshore do Vitorino deve estar recheada, fruto do seu árduo "trabalho"...

O Maroscas ainda fez lobby para que ele fosse para P.R.!

Anónimo disse...

O João Ramos de Almeida faz ideia quantas pessoas a globalização (ou seja, a expansão enorme do comércio internacional desde 1980) tirou da fome absoluta?
Se soubesse não dizia tanto disparate.

Miguel D

António Pedro Pereira disse...

Caro J. R. de Almeida:
Sabe se os defensores da globalização (a todo o custo) acham que os ordenados devem ser globalizados: uniformizados em todo o mundo?
Talvez, mas só se for pelos mais baixos.

Carlos Sério disse...

Que outra coisa seria de esperar de Vitorino?

Rent-seeking é, “a obtenção de rendimentos não como recompensa por se ter criado riqueza mas por açambarcamento de uma fatia excessiva de riqueza que não se produziu”. Assim o classifica o prémio Nobel Josef E. Stiglitz e diz mais, “sem rodeios, existem duas formas de enriquecer: criando riqueza ou retirando-a dos outros. A segunda tem a característica de subtrair à sociedade, uma vez que no processo de tomar riqueza, há uma parte dela que é destruída. Um monopolista que cobra demais pelo seu produto está a tirar dinheiro a quem está a comprá-lo e, ao mesmo tempo, a destruir valor”.
E ainda, “Um grande grupo de “exploradores” de rendimentos é o dos advogados de primeira categoria, que enriquecem ajudando outros a obter rendimentos através de práticas que contornam a lei. Ajudam a redigir as leis onde se introduzem lacunas jurídicas, de modo a permitir que os seus clientes fujam aos impostos, e depois criam os acordos complexos para tirar vantagem destes vazios na lei. Estes advogados são desmesuradamente recompensados por toda esta ajuda prestada no sentido de fazer os mercados funcionarem não como deveriam, mas sim como instrumentos que beneficiam apenas uma elite”.

Carlos Rodrigues disse...

A alguns é a idade que os ancilosa mas no caso é, sobretudo, o dinheirinho (pois claro!)...
Lembrarmo-nos nós que o António Vitorino até era um crítico de 'esquerda' militante do Movimento Socialista Popular (MSP) que defendia "contactos permanentes com diversos agrupamentos políticos de expressão socialista no sentido de uma progressiva convergência de actuação tendente à construção de uma sociedade socialista (...) através de uma prática política revolucionária criadora".
Na verdade ele sempre se preocupou só com uma coisa: consigo e com os seus interesses.

Anónimo disse...

João Ramos de Almeida, não responde ao senhor Miguel D???
já agora senhor Miguel D, quantos milhões tirou da fome absoluta, quantos foram? donde tirou essa informação, dos livros editados pelos think tanks americanos? informação feita à medida. pegam na china e na índia e como são muitos milhões dizem logo que foi a globalização que os tirou da fome?e já agora o avanço da tecnologia não contribuiu para a eliminação da fome? a globalização que muita gente não gosta, é a globalização dos péssimos salários, péssimas condições de trabalho, de tudo estar dependente do mercado, de serem as multinacionais a mandar e não os governos devidamente eleitos. não confunda isso com trocas justas de comércio, trocas onde todos os intervenientes são respeitados. mas respeito por todos é algo que fachos como o senhor nunca perceberão.

Jaime Santos disse...

O processo de globalização capitalista deixa indiscutivelmente um rasto de vítimas atrás de si. O problema é a inexistência de um modelo alternativo de desenvolvimento. Os modelos socialistas que foram tentados pelos países do Terceiro Mundo falharam todos, tanto que Países que tiveram este tipo de modelos até aos anos 70, casos da Índia ou Angola, optaram posteriormente ou por modelos de desenvolvimento ultra-liberal ou pelo puro capitalismo predatório do Estado (o modelo chinês é misto). Quanto aos poucos exemplos que ainda sobram de vias ditas socialistas, não são exatamente exemplos egrégios, casos de Cuba e da Venezuela. É que por muito que se argumente em termos de 'capitalist encirclement', isso não chega para justificar a profunda incompetência dos governantes nos ditos países, para além da inadequação das políticas (já para não falar do carácter repressivo dos governos que implementam tais políticas). No caso da Venezuela, Chavez nem sequer soube diversificar as fontes de rendimento, pelo que a baixa do preço do petróleo trouxe a falência do sistema (o caso de Angola é parecido neste aspeto, mas lá o capitalismo de Estado é orgulhosamente assumido). Por isso, João Ramos de Almeida, criticar a globalização ignorando olimpicamente que aquilo que implicitamente se sugere como alternativa falhou vezes sem conta pode trazer algum conforto moral, mas não resolve nada...

Anónimo disse...

"...que o planeta se torne numa imensa zona comercial em que é possível pagar custos de produção ao preço das zonas mais pobres, para depois cobrar pelas mercadorias preços ao nível das zonas mais ricas..."

É a isto que chamam globalização, acabem com as farsas, quem defende esta lógica comercial não está preocupado com o bem estar ou com a vida de ninguém. Os discursos devem ser claros, há muito boa gente que continua a manifestar um apoio tácito à lógica da exploração. Quem finge estar connosco estará sempre contra nós.

João Ramos de Almeida disse...

Caro José,
Mesmo que se veja vantagem num comércio entre nações equilibradas do ponto de vista económico, há-de me mostrar as suas contas sobre as vantagens e inconvenientes. É impossível chegar a esses numeros. Sobre o desgoverno da África, acho bem que deveria ler a cronologia do meu pai e depois falamos...

Caro anónimo,
Quando me disser igualmente aqueles que mergulharam na miséria por "causa" da globalização, faremos contas. Mas não é isso que está em causa. Não entendo por que se recusa a ver que nunca o comércio entre nações com diferentes níveis económicos pôde ser benéfica - da mesma forma! - para ambos os lados. É necessário criar barreiras à entrada para evitar a devastação. Todos os países o fizeram, sobretudo os mais ricos. É apenas isso que se diz. Se fosse menos agressivo, ouviria melhor...

pvnam disse...

«...a globalização - que é imparável...»



ahahahahahahahahahah... olha mais uma marioneta da alta finança (capital global) a querer comer-nos por otários!



UMA AGENDA NAZI ESCONDIDA
.
-» Há já algum tempo que é perfeitamente perceptível que os Partidos do Sistema (um ex: o partido da senhora Merkel), e muitas outras marionetas da alta finança (capital global), possuem UMA AGENDA NAZI ESCONDIDA:
- començam por falar em ajuda humanitária...
- posteriormente dedicam-se a argumentar que a sobrevivência de Identidades Autóctones é algo que «não faz sentido».
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Ora, de facto, apanha-se mais depressa um nazi do que um coxo: nazismo não é o ser 'alto e louro', bla bla bla,... mas sim a busca de pretextos com o objectivo de negar o Direito à Sobrevivência de outros!
Uma coisa são uns 'globalization-lovers' que gostam de o ser.
-» Uma outra coisa são os 'globalization-lovers' nazis que andam por aí... buscando pretextos... para negar o Direito à sobrevivência das Identidades Autóctones!!!
.
A alta finança (capital global) está apostada em dividir/dissolver as Nações... terraplanar as Identidades... para assim melhor estabelecerem a Nova Ordem Mundial: uma nova ordem a seguir ao caos – uma ordem mercenária (um Neofeudalismo).
Andam por aí muitas marionetas... cujo trabalhinho é 'cozinhar' as condições que são do interesse da alta finança (capital global).

Anónimo disse...

Consta? Os lusitanos é?
É com "isto" que este tipo responde a este post?

Quanto aos danos da globalizaçao e às suas virtudes

Herr jose: infinitamente menores? mas quem disse tal monstruosidade?

Herr jose: fala do desgoverno das nações, como em África....
Herr jose: Veja lá se compreende. Aquilo que se passa em África é consequência também directa do processo dito de globalização. Não sabia ou faz-se de parvo?Tal como o saque no médio-oriente, a aniquilação do Iraque da Líbia, a guerra da Siria são frutos directos da globalização
Tal como o que se passa em Portugal com as condicionantes enfrentadas pelos diversos governos de Portugal.

Anónimo disse...

As contas de jose sobre o processo de globalizaçao estão feitas. Ousou escrever tal anormalidade há meia-dúzia de dias:
"Há um mal maior na globalização: aumentam as desigualdades!
Gravíssimo!
Todos beneficiam do acréscimo de riqueza, mas a distância entre os mais e os menos aumenta".
Aumentam as desigualdades mas todos ganham? Até onde vai a ortodoxia reaccionária neoliberal para dizer tais disparates?


Joseph Stiglitz,alguém insuspeito de ser marxista, escrevia no seu The price of Inequality que a "chamada globalização tem sido outro factor para as crescentes desigualdades. Conduzida por e para o 1% dos mais ricos, proporciona o mecanismo que facilita a evasão fiscal e impõe pressões que dão a esse 1% vantagem quer nas negociações com os trabalhadores quer na política, pela perda de controlo dos países devedores sobre o seu próprio destino, que fica nas mãos dos credores.(pag 116)

Anónimo disse...

Miguel D também posta um comentário à sua altura, baixa e mesquinha, sobre a globalização.

Comecemos por precisar que a Globalização não é aquilo que Miguel D diz do alto da sua altura:
Recorrend à vulgar wikipedia:
"A globalização é um dos processos de aprofundamento internacional da integração econômica, social, cultural e política, que teria sido impulsionado pela redução de custos dos meios de transporte e comunicação dos países no final do século XX e início do século XXI.

Ou seja não é "a expansão enorme do comércio internacional desde 1980". Quer Migue D novas explicações ou já percebeu?

E precisemos que o período de políticas neoliberais associadas à globalização reside sobretudo a partir dos anos 2008-2010

Anónimo disse...

Eu sei que já foi aqui transcrito. Mas parece que quem continua a dizer alarvidades insiste nas mesmas e que trazer ao debate público estas questões é útil porque potencia a discussão. E desfaz as atoardas sobre os "infinitos" e mais laém :

"A globalização foi anunciada como sendo benéfica para todos, como se fosse um grande passo rumo à melhoria económica universal. Isto era evidentemente errado e não foram apenas economistas de esquerda que o disseram, mesmo economistas "convencionais" ("mainstream") como Paulo Samuelson disseram isso desde o princípio. A razão para o dizerem era simples: se o regime económico do mundo permitisse importações livres de bens chineses ou indianos para os EUA, então isto teria necessariamente de prejudicar os salários reais dos trabalhadores americanos, porque estes desfrutando salários muito mais altos estariam então a competir, em seu próprio prejuízo, contra os trabalhadores de baixos salários chineses ou indianos. Portanto o facto de que a globalização necessariamente prejudicaria os trabalhadores nos EUA e em outros países avançados era óbvia para eles, na verdade para todos, de onde também se seguia que ela possivelmente não podia beneficiar todos os segmentos do povo trabalhador do mundo. Mas, de acordo com este argumento, acreditava-se geralmente que a globalização beneficiaria os trabalhadores em países como a China e a Índia, que são países de baixos salários do terceiro mundo".

Anónimo disse...

"Apresentando este argumento de modo diferente, uma vez que o livre movimento de bens e capital através do mundo aumenta a competição entre trabalhadores dos diferentes países, haveria alguma tendência rumo a um apagamento das diferenças salariais entre estes países. E ainda que isto significasse algum aumento nos salários reais dos trabalhadores do terceiro mundo, significaria também uma redução nos salários reais dos trabalhadores metropolitanos.
Mas de acordo com este argumento, possivelmente não se podia piorar as condições do povo trabalhador em ambas as partes do mundo.

Isto, no entanto, é precisamente o que tem acontecido. A globalização certamente piorou as condições dos trabalhadores nos países metropolitanos, um fato recentemente destacado pelo economista Joseph Stiglitz. Quase 90 por cento dos americanos, o que significa quase toda a população trabalhadora daquele país, hoje tem rendimentos reais que estão muito pouco acima do que eram há um terço de século atrás. Hoje os salários mínimos dos trabalhadores americanos estão, em termos reais, pouco acima do que eram há 60 anos atrás. Uma vez que houve algumas melhorias nestas magnitudes na primeira parte destes anos, o que isto significa é que houve uma deterioração no período mais recente, o que coincide com o auge da globalização.

Estatísticas ainda mais impressionantes descrevem o declínio drástico da expectativa de vida entre homens americanos brancos nos anos recentes, um declínio que recorda a queda drástica da expectativa de vida que se verificou na Rússia após o colapso da União Soviética. Um declínio da expectativa de vida, quando não há qualquer epidemia óbvia, é um assunto muito grave. E descobrir um tal declínio no mais avançado país capitalista do mundo testemunha o assalto aos meios de vida do povo trabalhador que a globalização provocou.

Uma história muito semelhante pode ser contada acerca de outros países capitalistas avançados. Sustenta-se habitualmente que os EUA são uma das economias com mais êxito, a primeira sede dos booms dos anos 90 e da primeira década do século actual, originadas respectivamente pelas bolhas "dotcom" e "habitacional", e também a economia que aparentemente está a ver um ressuscitar após o colapso da bolha habitacional. Considerando isto, o facto de que a população trabalhadora naquele país esteja a enfrentar tais dificuldades é extremamente significativo. No Reino Unido, nestes últimos anos houve uma queda drástica nos salários reais dos trabalhadores. Não é de admirar portanto que o descontentamento com a globalização seja generalizado entre os trabalhadores das economias metropolitanas, os quais, uma vez que até agora a esquerda não tomou adequado conhecimento disto, estão a ser explorados pela direita. Fenómenos como a votação do "Brexit" e a emergência de Donald Trump são explicáveis a esta luz".

Anónimo disse...

"" No entanto, o que é inexplicável na argumentação que estamos a discutir é o fato de que o povo trabalhador está em pior estado mesmo numa grande faixa dos países de baixo salário do terceiro mundo, dos quais a Índia é um exemplo excelente. A mais irrefutável evidência disto vem de dados de consumo alimentar. Tomando o inquérito do NSS para os anos 1993-94 e 2009-10, os quais correspondem em termos gerais ao período de políticas neoliberais associadas à globalização, as percentagens do total da população rural com uma ingestão de calorias abaixo das 2.200 por pessoa por dia (a "referência" para definir pobreza rural) nestas duas datas foram 58,5% e 76% respectivamente. As percentagens da população urbana abaixo das 2.100 calorias por pessoa por dia (a "referência" para definir pobreza urbana) nestas duas datas foram 57% e 73% respectivamente.

Tão gritante foi este aumento, especialmente durante um período em que se supunha que a Índia estivesse a experimentar taxas de crescimento do PIB sem precedentes, que o governo ordenou um novo inquérito do NSS para o ano 2011-12, o qual foi um ano de grande colheita, com base em que os números da ingestão de calorias de 2009-10, um fraco ano agrícola, haviam sido excepcionalmente baixos devido às fracas colheitas. Quando este inquérito foi completado, os números que ele vomitou, embora sem dúvida melhores do que 2009-10 havia indicado, ainda mostravam um notável aumento nas percentagens de população abaixo destas normas de calorias durante o período da globalização: para a população rural a percentagem foi 68 (a comparar com 58,5% de 1993-94) e para a população urbana foi de 65% (a comparar com os 57% de 1993-94). Tanto a ingestão per capita de calorias como a de proteínas da população mostram declínio durante este período.

Procurou-se explicar este aumento da deficiência nutricional de vários modos, incluindo a sugestão de ser indicação de que o povo estava a ficar numa situação melhor e a diversificar o seu consumo afastando-se da alimentação em direção a outras coisas como educação e cuidados de saúde. Mas estas explicações eram claramente espúrias: por toda a parte do mundo, quando rendimentos reais aumentam o povo consome maiores quantidades de cereais direta e indiretamente (na forma de alimentos processados e produtos animais em cuja produção os cereais entram como rações). Assim, a descoberta de que na Índia havia um declínio real na absorção de cereais para todas as utilizações e portanto declínio tanto na ingestão de calorias como de proteínas durante o período da globalização indicava claramente que os rendimentos reais dos trabalhadores, depois de considerar a inflação, especialmente a ascensão de preços que acompanha a privatização de serviços essenciais como educação e cuidados de saúde, estavam em média a declinar ao invés de aumentar em termos per capita. Por outras palavras, um fenômeno semelhante àquele dos países capitalistas avançados também estava a verificar-se na Índia e em vários outros países do terceiro mundo, o que contraria a argumentação apresentada acima. Na verdade contraria tanto que poucos mesmo acreditam ser verdadeira. Como explicar isto?"

Anónimo disse...

"" A argumentação apresentada acima assumia basicamente que a essência da globalização consistia na comutação de atividade dos países avançados para economias do terceiro mundo e que uma tal comutação basicamente esgotaria as reservas de trabalho do terceiro mundo, levando a uma ascensão salarial. O que é esquecido é que a globalização também tem outros efeitos, incluindo acima de tudo um esmagamento da pequena produção pelo setor capitalista. O resultado é que muitos pequenos produtores abandonam suas ocupações tradicionais para migrarem para as cidades em busca de emprego, o que incha o total do exército de trabalho para o capitalismo. Esta migração, juntamente com aumento natural da força de trabalho, não pode ser absorvida dentro do exército de trabalho ativo, porque políticas neoliberais associadas à globalização também levam a uma remoção de todas as restrições sobre o ritmo da mudança estrutural e tecnológica, a qual aumenta o ritmo do crescimento da produtividade do trabalho a expensas do crescimento do emprego.

Desenvolve-se um círculo vicioso aqui. Na medida em que incham as reservas de trabalho em relação à força de trabalho, isto leva a uma estagnação ou mesmo ao declínio da taxa salarial média real (e certamente a um declínio dos rendimentos reais dos trabalhadores, os quais equivalem à taxa salarial real diárias multiplicada pelo número de dias de emprego). A estagnação ou declínio dos salários reais numa situação de ascensão da produtividade do trabalho resulta numa ascensão da fatia de excedente no produto. Uma vez que o excedente, mesmo que assumamos ser plenamente realizado (isto é, que não há problemas de procura agregada deficiente), é tipicamente gastos em commodities as quais são menos geradoras de emprego interno do que aquelas nos quais são gastos rendimentos salariais, tal comutação de salários para excedente tem um efeito ulterior de contração do emprego e, portanto, contribui ainda mais para uma ascensão da dimensão relativa das reservas de trabalho e para ainda mais comutação de salários para excedente; e assim por diante.

Este círculo vicioso, que se agrava ainda mais quando se verifica uma crise (porque as reservas de trabalho em relação à força de trabalho então incham ainda mais), implica que o efeito da globalização em acentuar a pobreza absoluta visita os trabalhadores também em economias do terceiro mundo e não está confinado apenas a trabalhadores metropolitanos tal como economistas liberais como Samuelson imaginaram"

(Prabhat Patnaik)

Estas palavras são do economista indiano que estudou a fundo este assunto e estudou exactamente nos países em que alguns propagandistas diziam que a globalização tinha sido benéfica, sem margem para dúvidas

Jose disse...

«nações com diferentes níveis económicos» não são critério para avaliar coisa alguma em comércio, se bem me lembro.
Acho bem difícil encontrar um critério geral que resolva a questão.
Sempre as políticas internas e a capacidade de negociação têm um papel determinante.
O que nunca se resolvem são os resultados de políticas do 'dever ser' sem aderência à realidade.
Assim, 'somos daqueles que não querem salários baixos, porque sim! E roduzimos Tshirts, chinelos e enxadas...

Anónimo disse...

A globalização da Guerra:
"O Médio Oriente está no caos. Quem se recordo de ouvir os comentadores do costume perorarem sobre a “democracia ” que iria ser instituída pelos EUA. Como “não há amor como o primeiro” os EUA e toda a reação europeia voltaram a aliar-se à Al-Qaeda ou sucedâneos. Criada para destruir o regime progressista do Afeganistão, ei-los aliados na Líbia, na Síria, no Iraque, no Iémen. Mais um “intervenção humanitária” com matanças que os SS nazis não desdenhariam.
Na Síria usam armas americanas, incluindo mísseis TOW contra o exército sírio e as forças populares que defendem as suas terras.
No Iêmen, a Arábia Saudita atacou com os seus bombardeiros a resistência contra o ditador Daesh.
Como escreve Andre Vltchek “No Oriente Médio a terra está cansada; chora de exaustão, marcada pelas guerras. Pontilhada com poços de petróleo e carcaças de veículos blindados. Há corpos por toda parte; enterrados, reduzidos a pó, mas ainda presentes nas mentes dos sobreviventes. Existem milhões de cadáveres, dezenas de milhões de vítimas, em sua maneira a gritar em silêncio, recusando-se a descansar em paz, apontando seus dedos acusadores.”
O imperialismo ocidental orquestrou golpes de estado, voltou irmãos contra irmãos, bombardeou civis, invadiu quando todos os outros meios para atingir as metas hegemônicas tinham falhado. O resultado é atroz: uma das mais avançadas civilizações da terra no passado, foi convertida num espaço dos mais retrógrados.
Perante o terrorismo genuíno a ONU não é encontrada. De vez em quando, manifesta 'preocupação' e às vezes até mesmo "condena" os agressores. Mas nunca tem sanções ou embargos impostos contra Israel, os Estados Unidos ou mesmo a Arábia Saudita. Entende-se que o Ocidente e seus aliados estão "acima de leis". Até nos campos de refugiados os sírios são discriminados: somente aqueles que expressam seu ódio a Al - Assad foram autorizados a permanecer.
Na Líbia os pobres é como se não existissem, ninguém fala deles. Os defensores da intervenção humanitária devem estar satisfeitos, agora que a Líbia completou sua “metamorfose democrática e humanitária” de um país que tinha o mais alto nível de vida da África, para um espaço sem fé nem lei de fanatismo religioso e confrontos sangrentos. Uma Líbia imersa noaos, guerra civil e diktats ocidentais; terreno fértil para o jihadismo"

Anónimo disse...

Jaime Santos:
O problema é que nem o socialismo se resume ao seu cardápio reduzido, nem os exemplos são tão duvidosos como isso.

Veja bem. Há mesmo não um mas vários modelos alternativos. O pior é que o pior cego é quem não quer ver.
Lembra por exemplo o senhor. A fita que fez e a histeria que o acompanhou por pretender atribuir o Brexit à vitória da extrema-direita. E acusava todos os que pugnaram pela saída do RU ou de extremistas ou de aliados objectivos ou subjectivos, vá-se lá saber, dos ditos
Depois foi patética a correcção do seu tiro. Se bem que ainda o acompanhe muito do lixo que andou por aí a espalhar qual vendedor de vias de sentido único à procura de identidade

Anónimo disse...

Quanto a Cuba....
Jaime Santos: Cuba deve-se comparar com o país que apresentava antes da Revolução os mesmos índices económicos e sociais.
Sabe com quem?
Com o Haiti.

A sua propalada incompetência, dos seus dirigentes, está na razão directa da sua competência em análises sobre o Brexit.
Por isso relaxe e aprecie a diferença que há entre quem não se rende e quem se submete.

Quanto ao amado capitalismo ele parece que precisou de mais de 300 anos para se impor. Portanto e mais uma vez relaxe que o socialismo é muito mais novo e tem por aí muito terreno para andar.

É ver a quantidade de vezes que já lhe assinaram o óbito , não é caro Jaime Santos?

Anónimo disse...

Isto é uma idiotice pura:
"nações com diferentes níveis económicos» não são critério para avaliar coisa alguma em comércio, se bem me lembro".
Quando se afirma de caras e de frente que " nunca o comércio entre nações com diferentes níveis económicos pôde ser benéfica "

Ou seja, tenta eliminar-se uma comparação porque não se pode comparar os dados e os factos? Porque não são comparáveis? Não se pode comparar assim um rico dum pobre porque o diferente nível económico não o permite?

Mas que escola económica, de pensamento ou de relvices é esta?

Anónimo disse...

Mais outra boutade dum tipo aí em cima:
"O que nunca se resolvem são os resultados de políticas do 'dever ser' sem aderência à realidade."

O que é isto de políticas do "dever ser"? Quem é que define o dever e o ser? O dito sujeito? O Relvas? O Passos Coelho? A Cristas ? O Portas? O cavaco? O dono do bordel?

Isto é conversa salazarenta a que se associa a beatice do Cardeal Cerejeira. Uma espécie de dois em um.

Anónimo disse...

Finalmente.
Que rancor de pelintra a armar a fidalguia podre é esta para se assim falar sobre os "chinelos, as t-shirts e as enxadas?
Já se tinha percebido o rancor do sujeito quando se falava nos muito pequenos empresários e nos pequenos empresários. Já se tinha percebido o rancor quando se falava em parques ou em jardins. Para ele, só contam mesmo os grandes patrões, banqueiros com pedigree ( calou-se com esta porque Ah e as piscinas nos quintais...

Diversificar a economia e apostar na produção nacional é uma coisa que lhe faz espécie, porque pode subir salários ( é o que diz) e como se sabe o Capital quer aumentar as suas taxas de lucro mesmo à custa de todos os demais.

E nós não queremos salários baixos. Queremos salários dignos e justos.Ao contrário deste troca-tintas que andou por aqui e por ali a pedir o corte dos salários e das pensões e a regozijar-se com as medidas tomadas para o efeito pela governança neoliberal.

Até teve uma apoplexia e insultou tudo e todos quando o Tribunal Constitucional impôs limites ao saque.
Quer que se relembre a histeria?

António Pedro Pereira disse...

Ó cromo José:
«do 'dever ser' sem aderência à realidade.»
Há, basicamente, 2 maneiras de resolver a falta e aderência.
Se for no chão, põe-se um tapete antiderrapante para se evitar as quedas.
Se for nos carros, uns bons pneus novos para se evitar os despistes.
Já se falarmos de adesão a coisa fia mais fino.

Anónimo disse...

Ahahah
Um dicionário para o Jose ler na piscina do seu quintal?

Anónimo disse...

https://ourworldindata.org/wp-content/uploads/2015/07/ourworldindata_world-poverty-since-1820-in-absolute-numbers.png

Diz o João Ramos de Almeida que o comércio entre países com níveis de desenvolvimento diferentes não os beneficia da mesma forma. É bem verdade. Mas entre beneficiá-los de formas diferentes (uns mais, outros menos) e prejudicá-los gravemente de forma igual, acha que a segunda opção é melhor?

Miguel D

Anónimo disse...

https://www.ft.com/content/87bb0eda-7364-11e6-bf48-b372cdb1043a

Cada vez mais resulta claro que a divisão se faz entre os pro-globalização (Merkel, Obama, Hillary, Passos, Costa) e os anti (Trump, Le Pen, Putin e os comunas)

Miguel D

Anónimo disse...

Miguel D diz asneiras. Diz asneiras com aquela convicção forte de quem as diz . E diz com aquele toque de pesporrência ideológica que sobra entre a canalhada neoliberal.

E o porquê da adjectivação forte ("canalhada") reside nesta coisa: o tentar inquinar logo o debate com o insulto fácil e grotesco

Pelo que serenamente se diz ao Miguel D que se quiser debater a questão da glçobalização o faça, sem ser da forma cobarde como o tenta, a tentar dividir a questão entre os bons e os maus. Somos nós e são os outros, não é miguel D?

E a adjectivar com termos como "comunas", qual rato de esgoto à procura de argumentos que os não tem?


João Ramos de Almeida disse...

Caro Miguel D,
A designação de "os comunas" torna-o perigosamente próximo do tipo de arma argumentativa que forças muito estranhas do passado usavam para estigmatizar todos os que se opunham às ideia do regime. Comunas, subversivos, radicais. Dirá que "fascistas" também o é. E eu até concordo consigo, se calhar. Mas convinha elevar o debate em vez de o perder dessa forma, tão baixa.

Anónimo disse...

Prejudicá-los gravemente e de forma igual diz Miguel D ?

Miguel D (de que estamos à espera que peça desculpa pela sua trôpega definição do que é a globalização), faz ouvidos de mercador em torno do já aqui dito.

A afirmação do benefício de "uns mais, outros menos" é a conversa da treta daquele tonto idiota que dizia que "aumentavam as desigualdades mas todos beneficiavam". Tem que ser provada tal aldrabice. Tem que ser documentada. Percebe-se que interessa ao 1% que detem a riqueza, manter tal riqueza e manter este status quo. E percebe-se que se tente manter a farsa. A farsa que o não trilhar o caminho indicado é o caos, é a miséria, é o apocalipse

Como relembra Jorge Bateira num seu post sobre a intervenção do avençado José Gomes Ferreira quanto às suas declarações para com Stiglitz, o que se torna evidente é o medo.

Porque a maré vai crescendo e afinal não são só os comunas ( e ainda bem que estes existem e que lutam) que começam a interrogar-se e a procurar outros rumos.

Anónimo disse...

Comprovou-se que a globalização piorou as condições dos trabalhadores nos países ditos desenvolvidos. É ler aí em cima o dito. Pelo que se percebe que a defesa do neoliberalismo e da globalização, do capitalismo em geral, está dependente da mentira e da deturpação dos dados. O que nos espera a manter-se esta situação, é o descrito de forma tão clara pelo economista indiano. Um trajecto descendente irreversível, com a concentração da riqueza num número cada vez menor de pessoas.
É por isto que Miguel D aparece e aparece escondendo-se atrás de coisas com Merkel e afins

Anónimo disse...

João Ramos de Almeida,
Aceito o seu reparo, usei o termo como provocação "inocente", mas entendo que possa ser mal recebido.
As minhas desculpas

Miguel D