A economia portuguesa é sempre afectada pela evolução da economia internacional. Assim, a persistência de factores como a fragilidade do sistema financeiro internacional, os elevados níveis de endividamento privado e público, e o fraco crescimento da procura mundial – que têm originado revisões sucessivas de previsões das instituições internacionais para o crescimento económico global em 2016 – não poderiam deixar de influenciar negativamente o que por cá se passa.
No entanto, há alguns factores que afectam de modo particularmente relevante a economia portuguesa. Eis cinco factores que me parecem fundamentais ter em conta:
1. Petróleo
A redução das exportações do petróleo ao longo do primeiro semestre deste ano são responsáveis por quase o dobro da queda das exportações de bens em valor. Há três factores principais que explicam esta quebra: i) a redução da procura e do preço internacional do petróleo (de uma média de 58 dólares para 40 dólares por barril), devida à redução da actividade económica e do comércio internacional (principalmente nos países asiáticos) e ii) a paralisação temporária da refinaria da GALP em Sines.
As questões relacionadas com o petróleo têm um impacto negativo relevante no total das exportações nacionais, mas também nas importações (não só pela redução do preço, mas também porque parte do petróleo bruto importado é exportado depois de refinado). No entanto, o seu impacto no emprego, no investimento e nas contas públicas é reduzido, uma vez que o número de postos de trabalho envolvidos é diminuto e porque o impacto directo das exportações na receita fiscal é marginal.
2. Angola
O segundo factor decisivo para a redução das exportações foi a crise da economia angolana: a queda das exportações para Angola (sem incluir o petróleo refinado) foi superior à diminuição total do valor das exportações (ver o mesmo gráfico). Sem Angola e sem petróleo o valor das exportações teria crescido 3,3% (a preços correntes), em vez de ter caído 1,8%. As exportações para a UE cresceram uns expressivos 6,7% no período.
A crise da economia angolana tem um impacto significativo nas exportações, mas um impacto modesto no investimento e no emprego (as exportações para Angola representam apenas cerca de 1% do PIB português). O impacto nas contas públicas é marginal (pelas razões referidas no ponto 1).
3. Investimento público
A queda do investimento é essencialmente explicada pelo recuo na construção (cuja queda em termos reais mais do que explica o recuo do investimento total no 1º trimestre e é responsável por 2/3 da queda no 2º trimestre). Para a queda da construção foi fundamental a redução do investimento público. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) pelo Estado caiu 25% no 1º trimestre (os dados para o 2º trimestre ainda não estão disponíveis), explicando quase o dobro da queda da FBCF. No mesmo período o investimento empresarial cresceu 2,5% em valor (os dados em volume não estão disponíveis).
A queda do investimento público contribui para conter as despesas públicas, mas penaliza a retoma do investimento global e do emprego.
4. Compra de automóveis
No primeiro semestre de 2016 compraram-se em Portugal cerca de 100 mil automóveis ligeiros de passageiros, um aumento de 18% face ao mesmo semestre do ano anterior (esta taxa de crescimento é, por sinal, idêntica ao crescimento das importações de material de transporte). Ou seja, apesar do aumento do Imposto do Selo no crédito ao consumo e do Imposto sobre Veículos para carros mais poluentes, a compra de automóveis não só não diminuiu, como aumentou, reflectindo-se no crescimento das importações.
De facto, se não fosse a queda das importações de petróleo (nomeadamente devido à paragem da refinaria de Sines) o crescimento das importações teria sido bem superior aos valores registados – com reflexos negativos no PIB (note-se que as importações contam negativamente para o PIB) e nas contas externas do país. Pelo contrário, maiores vendas de automóveis implicam maiores receitas fiscais (ainda mais tendo em conta o
agravamento da fiscalidade associada).
5. Incerteza política e financeira
O quinto e último factor-chave para compreender a evolução recente da economia portuguesa diz respeito à tensão política (a incerteza na formação do governo no final de 2015, a negociação do OE2016 com a Comissão Europeia em Fevereiro, a ameaça de sanções em Junho) e à instabilidade financeira (casos BANIF, Novo Banco e CGD, nomeadamente) que afectou o país desde final de 2015.
É difícil aferir quantitativamente o impacto dos factores de incerteza política e financeira sobre a economia real. A situação frágil do sistema bancário português terá provavelmente afectado o financiamento à economia, e forçado um ajustamento mais acelerado das empresas mais expostas à dinâmica da banca (como accionistas, credores ou devedores), com impactos negativos no investimento e na criação de emprego (por exemplo, no sector da construção).
Por sua vez, a dramatização mediática da incerteza política, nomeadamente nos momentos mais tensos da relação com as instituições europeias, poderão ter tido um impacto relevante nas decisões de consumo, como sugere a evolução do indicador de confiança dos consumidores ao longo do último ano (ver gráfico). De facto, este indicador diminuiu, apesar da melhoria da situação financeira dos agregados familiares, sugerindo que o clima de dramatização mediática em momentos críticos tem um efeito real nas decisões dos consumidores.
Conclusão
O aumento das exportações para a UE, do emprego e do investimento empresarial sugere que há dinâmica de crescimento na economia nacional, apesar do contexto internacional adverso e das fontes políticas e financeiras de incerteza. Com a excepção do ponto 5, as evoluções acima descritas têm impactos reduzidos ou até positivos nas contas públicas, o que permite reduzir os receios relativos ao cumprimento das metas orçamentais. Por sua vez, o desanuviamento das relações com a UE e a perspectiva de resolução (ainda que progressiva e incompleta) da situação da banca poderá reduzir o nível de incerteza que tem marcado os últimos meses.
No entanto, os dados apresentados contêm dois alertas claros, que poderão ser decisivos para a evolução da economia portuguesa até ao final do ano:
i) a retoma do investimento público será decisiva para a dinamização do investimento e do emprego, num contexto em que o investimento empresarial continuará condicionado pelos diversos factores atrás referidos (nomeadamente, o endividamento das empresas e a fraca procura internacional);
ii) a estratégia do governo para conter o aumento das importações em resultado do aumento de rendimentos está a ter efeitos limitados; a continuação do crescimento das vendas de automóveis, já depois das novas regras fiscais entrarem em vigor, são disso sintoma claro; sem uma política mais aguerrida de contenção da procura de importações a tentativa de dinamizar a economia nacional por via do aumento dos rendimentos poderá ser posta em causa.
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7 comentários:
Ricardo,
"sem uma política mais aguerrida de contenção da procura de importações[...]"
Podia clarificar este ponto dando um exemplo de uma política que limite a procura de importações (sem ferir a livre concorrência entre o que é produzido em Portugal e o que é produzido na UE)?
Quanto ao resto, boa análise...
Pedro Ferreira
O detalhe da análise revela e justifica os números desfavoráveis e desvaloriza o seu impacto futuro.
Fala da necessidade de investimento público mas ignora por inteiro o quanto a acrescida despesa pública e endividamento público são entraves a que esse investimento venha a ocorrer em tempo e em volume adequado. Acresce que o investimento privado terá significativa participação de recursos públicos.
Sobre a despesa pública e a sua provável evolução no curto e médio prazo nada é dito, apesar de ser esse o factor estruturante desta geringonça.
Divida é bem não escasso!
Sobra como conclusão que o sucesso da política está dependente de as circunstâncias se adaptarem à política da geringonça.
Aventureirismo e dependência do peditório à UE é o cerne da política da geringonça.
Banca pública,libertar a relação salarial dos constrangimentos da financiarização e da inserção internacional e valorizar um novo padrão de especialização e um papel do estado mais activo que promova o investimento na economia portuguesa através de uma política económica que prepare para as flutuações e crises cíclicas do capitalismo cujo agravamento pode implicar uma saída brutal do euro que não se compadece com o curto-termismo das propostas orçamentais a que continuamos agarrados e que está a levar à deterioração de longo-prazo da economia e ao aviltamento dos instrumentos de política monetária e fiscal e à anulação de qualquer espaço de autonomia na política de rendimentos prolongando a desigualdade e o empobrecimento -
deixou de ser possível pensar a análise da conjuntura isolada das estruturas de (des)integração em que se move.
O grande intelectual Umberto Eco, recentemente falecido, referindo-se à Internet e às Redes Sociais, disse: «As redes sociais deram o direito à palavra a uma “legião de imbecis” que, antes destas plataformas, apenas falavam nos bares, depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a colectividade. Aí [os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora têm o mesmo direito à palavra que um Prémio Nobel. O drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a detentor da verdade».
É o que se me oferece dizer sobre um imbecil que estacionou no LdB, servindo-me das palavras de Umberto Eco.
E o mais triste disto é que os imbecis, por sê-lo, não reconhecem essa sua condição nem as figuras tristes que fazem.
Essa da dívida ser bem não escasso a que depois se associa um peditório à UE faz lembrar um agoniado promotor da submissão aos credores agora escondido debaixo da mesa para ver se o discurso passa.
Dos berros e dos insultos à geringonça repete agora o cerne do discurso aprendido com passos.
E reza um mantra, uma missa,um responso tal como faz o seu fanado mestre.
Este é a prova provada que há que romper com esta subserviência amestrada e vil
Há várias formas de fazer crezcer o investimento público.
Apostar na produção nacional, limitar as importações de bens supérfluos, reaver o dinheiro desviado ilicitamente para offshores, taxar como se impõem as rendas,nacionalizar a banca e julgar os crimes económicos como se estivéssemos em estado de sitio.
O factor estruturante ds geringonça é s despesa publica?
Como? Isto é a sério ou uma piada de mau gosto?
Este tipo ensandeceu. Ao menos uns mínimos. Deixam passar todos e depois temos esta vil tristeza
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