sexta-feira, 9 de setembro de 2016

A desconfiança que vem da zona euro

No telejornal da RTP de ontem, José Rodrigues dos Santos - naquela sua forma empolada - trouxe a ideia de que o consumo privado estava a crescer a metade do ritmo esperado pelo Governo.

É dito que a televisão não é a melhor forma de analisar acontecimentos. As mensagens têm de passar em meia dúzia de frases. E assuntos complexos tornam-se difíceis de tratar. É verdade. Mas a questão essencial está nas poucas frases que se escolhe. E aí começa o problema, porque isso requer mais trabalho e... não há tempo para isso. Salvo se alguém o fizer pelos jornalistas. Geralmente, pega-se na síntese feita pelo INE, que sublinha os últimos meses, e pronto! 

Mas vamos partir de um gráfico completamente omitido na notícia, mas que se extrai também das estatísticas oficiais da conjuntura, divulgadas pelo INE. E que não é sequer tratado na nota do INE.


Afinal, a desconfiança dos consumidores portugueses - medida pelos saldos de respostas positivas e negativas - anda a par da desconfiança dos consumidores da zona euro. Tanto em Portugal como na zona euro, há mais quem esteja pessimista do que optimista.

Mas o que é isso tem a ver com o governo português e com as metas traçadas? Nada e tudo.

Claro que as metas oficiais poderão estar em causa se esta tendência não foi a traçada pelo governo quando elaborou o Orçamento de Estado. E nesse caso, o governo - e nós! - estará em maus lençóis. Até porque isso dará margem às instâncias comunitárias para pressionar o governo para que reverta a estratégia traçada. E sabe-se lá mais o quê...

Mas fica um pouco longe aquela ideia que passa, subliminarmente, de que o povo português está a virar costas ao governo de esquerda ou que o governo de esquerda não está a resolver os nós górdios deixados pelo governo de direita. Afinal, a fazer fé no gráfico, até se poderia extrapolar - se calhar, um pouco abusivamente - de que toda a ideia de Europa é que estará em causa, ou que se trata apenas de uma desfavorável conjuntura... europeia! E aí a margem europeia para pressionar se reduziria. Em princípio. 

Agora vamos justapor mais uns gráficos.



A julgar pelos saldos das respostas dos inquiridos, a situação na indústria parece ter entrado numa fase relativamente positiva, embora frágil. Mesmo para o emprego. Produz-se mais, mas emprega-se menos proporcionalmente?

Já na construção - que conta maioritariamente para o investimento - o panorama é ainda claramente negativo, mas as apreciações dos inquiridos estão cada vez menos pessimistas.

Quanto ao comércio, a perspectiva nos últimos 3 meses foi claramente positiva quanto ao volume de vendas. Mas quanto aos próximos meses, a actividade parece estar ali num limbo desde 2014. E nos últimos meses a inclinar-se mais para negativo.


Por que será? Juntemos mais uns gráficos.


Este gráfico traça a evolução ao longo do tempo da confiança dos consumidores na evolução do desemprego. A partir de meados de 2013, houve cada vez mais pessoas a pensar que o desemprego iria descer do que subir. As pessoas tornaram-se mais optimistas de que o desemprego iria reduzir-se. Mas a partir de meados de 2014, nunca mais abandonaram a ideia de que o desemprego não iria baixar muito mais. Ou que iria reduzir-se, mas muito lentamente. Demasiado lentamente.

Como acha que isso se reflectiu na perspectiva do agregado quanto ao que tinham vivido e ao que iriam viver nos próximos 12 meses?


Apesar de a desconfiança se ir dissipando à medida que se olha para trás (mas estando ainda negativa), a confiança no futuro estabilizou, negativa, quase à tona da água, desde finais de 2015. O que já não é mau...

E essa ideia reflecte-se na imagem que têm da situação do país. Negativa. No passado muito recente, a ideia dos consumidores - quando olham para trás - até parece ter melhorado, ligeiramente - muito ligeiramente - acima daquela com que vêem o futuro.


Portanto, tudo parece estar ainda muito frágil e instável. E revertível. Mas tudo parece também um pouco mais complexo do que aquele simples olhar de Rodrigues dos Santos, mesmo que tenha contado com os economistas "da casa" (Jorge Braga de Macedo e Ricardo Paes Mamede), cujos discursos ficaram necessariamente reduzidos a quase nada.

"Confiança", sim. Mas para onde? Como alterar a desconfiança no futuro? De onde vem esta desconfiança? Pelo que vimos, não tem muito a ver com a situação interna porque segue de perto os constrangimentos da zona euro. Mas Portugal também não está a ser capaz de os ultrapassar. Parece que estamos ligados a algo que não dominamos.

O que parece resultar daqui é que algo terá de ser feito em relação ao emprego, para que tudo melhore. Como podemos fazer com que o emprego cresça, sem estar a empolar os números com verbas públicas, a pagar falsos estágios? Essa parece ser a questão essencial: Emprego, mais emprego. Menos emigração. Um futuro.

Tudo o que estorvar este objectivo faz-nos mal. E essa poderia ser a bitola de referência para o futuro, sobre o que queremos fazer deste país.

10 comentários:

Anónimo disse...

Este artigo mostra que este governo embora com dificuldades contra tudo e todos que o querem denegrir continua no bom caminho.

Jose disse...

'conjuntura...europeia"?
O crescimento da confiança parou, baixou, recuperou e manteve-se sem crescimento.
É preciso olhar para a Europa para saber o que nos acontece?
Só quando dá jeito aos geringonços!

Anónimo disse...

Num qualquer dicionário-
Conjuntura:
1. Aglomerado de certos acontecimentos ou circunstâncias que acontecem ou existem num determinado momento;
2. Certos contextos, situações ou ocasiões; ambiente ou cenário;
3. Condição em que certas coisas se encontram, geralmente em resultado da ocorrência coincidente de distintos factos;
4. Panorama social, político, económico ou cultural;
5. Situação ou circunstância difícil ou embaraçosa; agrura ou atribulação;
6. Designação de chance, ensejo, ocasião ou oportunidade.

Europeia? Porque não ? Da zona euro? Porque não?
É preciso olhar para a Europa ? ( este coitado quer fazer coincidir a zona euro com a Europa, tal é a treta tonta e bestial que quer impingir, mas adiante)
Dizia:é preciso olhar para a Europa para ver o que nos acontece? É preciso mesmo. Só alguém em processo de decomposição é que se atreverá a dizer o contrário.

Dá jeito ao coitado das 15 e 14 dizer tais patetices? Dá
Dá jeito ao coitado descarregar a sua bílis rancorosa e anti-democrática sobre os geringonços? Dá.

É duma tristeza confrangedora ler este balbuciar do das 15 e 14 a ver se coze um argumento? É

RIP


Jaime Santos disse...

Ora aqui está uma excelente exposição da conjuntura presente e de quão dependentes estaremos de eventos que em larga medida não controlámos (e isto já era verdade no Governo de Passos, note-se). Mas isto será sempre verdade para uma pequena economia aberta e cada vez mais especializada e não ouço ninguém defender o regresso a qualquer espécie de autarcia (Ricardo Cabral lembrava no Público que desde os anos quarenta e até ao início da crise tínhamos sempre vivido com défices da balança comercial). Por isso conviria abordar temas como o da 'reindustrialização' da mesma forma que o Ricardo Paes Mamede o fez aqui em tempos, sem demagogia e com cuidado...

Anónimo disse...

Jaime Santos anda muito distraído a ler coisas como o Público, o jornal do Belmiro que despede jornalistas honestos como o JRA

Reindustrialização?

Ó JS por quem é. Vá fazer uma pesquisa e depois veja se consegue fugir às boçalidades do Público que também em numerosos artigos tentava ( e ainda tenta) fazer passar a ideia que ninguém previu a crise de 2008 que ninguém alertou para os perigos do Euro e que ninguém previu o desfecho do Brexit.

Sim, reindustrialização. E defesa da economia portuguesa e do nosso tecido produtivo

Jose disse...

O forte crescimento da confiança substituído pelo pasmo geringonçoso.
A certeza da melhoria paralisada pelo regresso da parvoeira treteira,
O retrocesso aos tempos que deram bem conhecidos resultados de estagnação e miséria a travou o crescimento da confiança.
O reacionarismo à mudança a garantir a continuidade da mediocridade.

Anónimo disse...

O sectarismo destes intelectuais de esquerda é impressionante. Há uns anos quando o anterior governo referia "Ah, os índices de confiança estão a melhorar a um ritmo impressionante!" era ouvi-los dizer "Mas reparem bem no que significam, e melhor: os valores continuam a ser negativos!" e "Qual recuperação? Reparem que a esmagadora maioria dos empresários revela que é a procura o seu principal entrave!". Em nenhum ponto referiram o problema levantado neste post, que se aplica tanto hoje como no passado, nem ficaram indignados quando viram outros intelectuais da mesma cor usar estes argumentos. Vergonha.

Anónimo disse...

Sectarismo?
Por se ter desnudado a apregoada recuperação nos idos tempos de chumbo dum processo austeritário ao serviço da agenda neoliberal?

Intelectuais de esquerda? Mas que intelectuais? Que esquerda?

Em nenhum ponto levantaram o problema referido neste post? Tem a certeza? Mas quem? Os ditos intelectuais de que não se sabe a causa? Os de esquerda?

Indignação perante os outros intelectuais? Porquê? Como?? Há uns intelectuais e outros intelectuais e deviam estar indignados porquê? Para fazer o jeitinho a quem, ao jose rodrigues dos santos?

Mas que comentário é este que nem sequer os tem no sítio para dizer com clareza ao que vem e o que pretende? Porque o que parece é que é um desajeitado processo de desculpabilização da governança neoliberal, com saudades dos autores do saque, em processo de indignação um pouco desajustada com o seu quê de vergonhoso com a sua "vergonha" tão inconsistente

Anónimo disse...

"O reaccionarismo à mudança"? Ó que lindo.
Uma confessada auto-crítica dum que de pés resiste a toda a tímida mudança promovida por este governo

Aleluia para José. Aleluia. Ao menos esse pequenino gesto de humildade

Anónimo disse...

"O forte crescimento da confiança,a certeza da melhoria, a travagem do crescimento da confiança".
Eis condensada a prática governativa da governança neoliberal.
A que se acrescenta "o pasmo geringonçoso, a parvoeira treteira, o regresso aos tempos a continuidade da mediocridade"

Tudo dito.

Há mais razões do que os ideológicos para explicar um tão cabotino discurso não há mesmo?