segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Observar a reacção

É muito instrutivo observar a direita portuguesa na sua dimensão mais pura, ou seja, mais reaccionária, tão transparentemente exibida nas últimas semanas. É instrutivo ler, por exemplo, Maria João Avillez ou Rui Ramos no Observador. A primeira é uma espécie de Paula Bobone da politiquice oligárquica. O segundo é um distinto reabilitador do miguelismo e do salazarismo. Ambos exemplificam bem a retórica da reacção, na sua versão perversidade e risco com esteróides, face à possibilidade de um governo suportado por todas as esquerdas. Ambos criticam, implícita ou explicitamente, os que no seu campo alinham de forma considerada complacente com a opção da futilidade no reportório retórico reaccionário.

Depois de ter excomungado António Costa do círculo das pessoas de bem, sei lá, e de o ter colocado ao nível da ralé desonrada e perigosa, Avillez espanta-se com o silêncio da “metade do país que sou suposta representar”: o tal 1%, digamos, vale “metade”, reparem, confirmando de resto que a política de classe está viva e recomenda-se, podendo até acontecer que certa esquerda redescubra isso. E Avillez nem tinha ainda visto nada quando escreveu: a própria CIP, hoje liderada por alguém que vem de baixo, afastou-se prudentemente do golpista e sabotador que está ainda em Belém.

Por que é que o fez? Porque os patrões parecem detestar a instabilidade vista como artificial e Cavaco é a fonte primacial dessa instabilidade; porque o patronato, enquanto sujeito colectivo, é atravessado pelas contradições entre fracções do capital, entre o capital financeiro e o industrial, por exemplo, e entre ver o trabalho como um mero custo e como uma relevante fonte de procura; porque, e isto é decisivo, o patronato mais esclarecido aposta na modalidade retórica da futilidade – nada de relevante mudará (e que é aquela a que devemos dar mais atenção) – e daí o esperar para ver, sem precipitações desnecessárias.

Rui Ramos resume a mais séria modalidade demasiado bem, ao mesmo tempo que, algo cinicamente, a contesta: “A oligarquia prepara-se para aceitar o BE e o PCP no governo como já os aceitou na vereação em Lisboa, porque do seu ponto de vista, Costa não será mais do que o presidente da câmara municipal de Portugal, pequeno concelho de um Estado imaginário cuja capital é em Bruxelas (ou em Berlim) e cuja lei de finanças locais até é muito restritiva.” A sua preocupação em salvar a “oligarquia” de si própria, das suas supostas ilusões europeístas é muito instrutiva: raspa-se o verniz dito liberal na semiperiferia em crise e vê-se logo o quê? Como designar esta direita, ainda para mais quando apela à rua e tudo? Vá lá, esta é fácil.

Reparem, entretanto, como a ideia de que na direita domina uma tradição política assente numa disposição conservadora, baseada no gradualismo, no conhecimento tácito, na razoabilidade, na prudência ou na aversão ao radicalismo é um mito que não sobrevive a um escrutínio mínimo. Este facto tem sido destacado, entre outros, por Corey Robin, partindo da análise crítica do pensamento reaccionário no centro do sistema mundial, mas as suas conclusões aplicam-se que nem uma luva a esse pensamento, sempre mais inseguro e disposto por isso a tudo, mas mesmo a tudo, com mais rapidez, por estas bandas.

Sim, sim, eles estão dispostos a tudo, sempre o estiveram, sobretudo se a futilidade provar ser mesmo uma ilusão e se as classes subalternas obtiverem ganhos de causa relevantes. Ramos ou Avillez estão apenas a preparar um terreno. Isto não é só retórica, não é só persuasão. Estejamos atentos.

14 comentários:

Anónimo disse...

Rui Ramos põe o preto no branco -
Brinquemos à democracia enquanto esta der os resultados que queremos
estes direitolas têm mesmo muita lata

Anónimo disse...

“A ordem democrática que nos rege, não pode ser abalada por servidores públicos que exorbitam do seu mandato e atribuição e comprometam a estabilidade institucional” sejam quem forem.
Por enquanto a Constituiçao não permite mentir ao as populaçoes, não permite a induçao ao logro e nem a violentaçao sistematica das normas vigentes para a comunicaçao social.
As Avilezes, Barretos e quejandos, embora queiram fazer do Pais um casino…ou montar um novo Apartheid descriminando, mentir e falsos testemunhos continua a ser crime. De Adelino Silva

Edgar disse...

Falando em estabilidade: poderá haver mais instabilidade do que a que o governo PSD/CDS e o PR provocaram nestes últimos 4,5 anos? Pergunte-se à maioria do povo, que não sabia o que esperar do dia seguinte, pergunte-se aos jovens, aos trabalhadores precários, e até aos não precários, aos reformados e aos que estavam prestes a reformar-se, aos pequenos comerciantes e industriais, aos professores, aos magistrados, aos enfermeiros e médicos, aos agentes de autoridade etc,etc,etc...
Só com enorme sem-vergonha e hipocrisia se pode agora vir exigir prova segura de estabilidade para correr com os que nos desestabilizaram e infernizaram a vida durante tanto tempo.
Espero que este governo de direita que agora termina tenha servido de lição e de vacina.
E deixem-se de preconceitos anti-comunistas para justificar o injustificável.
Mais uma vez, ao facilitar a formação de uma alternativa política, colocando os interesses dos trabalhadores e do povo em primeiro lugar, o Partido Comunista dá Português demonstra o insubstituível papel que desempenha na sociedade portuguesa,

meirelesportuense disse...

Maria João Avillez é a idólatra de Cavaco -uma espécie em vida de Jacinta-, Rui Ramos o Saudosista irremediável de Salazar. Salazar o delegado doutrinal de D. Miguel O Caceteiro!
Uns e outros, evidentemente, complementam-se. São meras cadeias de transmissão ideológica e metodológica.
Portugal entre 1800 e 2015 pouco se transformou, apenas as estradas principais são actuais.

Anónimo disse...

Não conseguem mesmo libertar-se deste ridículo maniqueísmo da boa esquerda e da direita facínora...

Dias disse...

“… tradição política assente na razoabilidade, na prudência ou na aversão ao radicalismo é um mito ”. É mesmo isso.

Estala o verniz à Direita, de que Ramos é um lídimo representante, além de ter interesses no Observador, esse grande projecto de “brainwashing”. (Aliás, a esmagadora maioria dos meios de comunicação estão nas mãos deles)
Nem se pode adormecer, e sobretudo nunca esperar bom vento da direita. Seria estranho que num país tão desigual, a maioria das pessoas fosse a correr “escolher” as políticas propostas pelo grande dinheiro… As eleições indicaram mudança, a PàF que tenha santa paciência.

Franco José disse...

O Portugal progressista é só uma pequena pedra no sapato do seráfico ministro das finanças alemão, mas é a segunda e porque será difícil enfrentá-la como se fosse um Syriza liderado por Varoufakis (um "extremista" que cometeu o erro negocial de fixar objectivos muito para além da área de discussão aceitável pelo adversário que detinha desde o principio quase todo o poder) os da "frente de combate" receberam ordens dos generais de resistirem com todas as forças; se tiverem que usar a política da terra queimada, podem, a culpa será sempre atribuída aos aos outros.Ora Costa aprendeu a lição e de momento BE e PCP parece terem aprendido também, então vão esticar a corda dentro dos limites impostos. E no contexto em que a Europa precisa de voltar ao crescimento e sobretudo tem que absorver muitos milhares de migrantes que fogem das zonas de guerra e portanto precisa de lhes dar trabalho ou irão aumentar o exército dos desempregados, neste contexto, as forças progressistas até podem vir a ter sucesso. Resta-lhes o golpe constitucional que Cavaco aflorou mas os generais da direita não estão em uníssono com esta solução, percebem que depois pode vir uma maioria das esquerdas muito mais forte. Os comentadores, quase todos a soldo do PàF, vociferam, mas alguns começam a ser substituídos. Olhem lá se não tivéssemos ainda uma televisão pública que está sobre pressão de uma opinião pública que votou maioritariamente à esquerda, aí talvez a porta estivesse completamente aberta para uma passagem em regime de gestão de Cavaco para Marcelo e novas eleições... Assim, com a ajuda decisiva das redes sociais esse outro golpe está complicado. Porque Cavaco pensa como um lobo solitário cometeu o erro crasso de anunciar que a esquerda é má e obrigou até Marcelo a vir dizer que não deixará o país a cozinhar em lume brando. Espero que não seja suficiente e que a sua eleição à primeira volta esteja comprometida. Torna-se importante para o progressismo evitar termos como presidente outro comentador político até porque este tem o dom da comunicação seria um Cavaquismo inteligente, portanto sem Cavaco e com menos asneiras. A esquerda que se cuide...

Anónimo disse...

Caro João Rodrigues,

Considerando as notícias que têm vindo a público sobre o possível acordo PS+BE+PCP, acho que se impõe revisitar o post "O triângulo das impossibilidades da política orçamental" (http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2014/05/o-triangulo-das-impossibilidades-da.html) para lhe perguntar:

Na sua opinião, que opções (duas) vai o PS escolher das 3 possíveis:
(1) cumprir do Tratado Orçamental;
(2) pagar a dívida pública nos termos actualmente previstos;
(3) preservar um Estado Social típico de uma sociedade desenvolvida.

E, face a esta escolha, qual vai ser a reacção de BE e PCP?

O acordo PS+BE+PCP não precisa de ser detalhado. Basta simplesmente afirmar claramente quais as opções escolhidas. É o mínimo que se pode esperar.

Carlos Sério disse...

Ao falarmos do governo português não poderemos simplesmente dizer que temos um governo de direita. Não, temos um governo de direita reaccionário, um governo da direita neoliberal radical.

Governos de direita houve muitos depois do 25 de Abril, mas nunca tão radical, tão antidemocrático, tão reaccionário como este de Coelho e Portas.

Antidemocrático porque nestes quatro anos afrontou consciente e sistematicamente a Constituição da Republica Portuguesa. Porque se empenhou em mudar e substituir o modelo social constitucional vigente por um outro novo modelo social, sem que para tal fosse democraticamente mandatado. A proclamação de Coelho logo no início do seu mandato governativo não deixa lugar a dúvidas - "independente daquilo que foi acordado com a UE e o FMI, Portugal tem uma agenda de transformação económica e social que é decisiva. Nesse sentido, o Governo incluiu no seu programa não apenas as orientações que estavam incorporadas no memorando de entendimento como várias outras que, não estando lá, são essenciais para o sucesso desta transformação do país”

É por essa razão que políticos da direita, da direita democrática como Bagão Félix, Freitas do Amaral, Ferreira Leite, Pedro Marques Lopes e muitos outros mostram um claro distanciamento em relação à mancebia Coelho e Portas e às suas políticas.

E, como sabemos, os políticos reaccionários não olham a meios para atingir os seus fins. Mentem descaradamente, prometendo tudo e o seu contrário no propósito de alcançar ou eternizar o poder. Um exemplo recente, aquele em que Coelho para desculpar-se do excesso de austeridade vem agora afirmar que o “memorando estava mal desenhado”. Para alem de tudo o que contradiz tal afirmação, como Eduardo Catroga ter sido um dos principais senão o principal artificie do dito, as suas palavras proferidas no início da governação desmentem-no completamente – “prometo cumprir o programa acordado com a troika e admito mesmo surpreender e ir mais além das metas do acordo” dizia ele então.

A esquerda quando se refere à coligação CDS/PSD deve de deixar de falar em direita e começar a chamar os bois pelos nomes – direita reaccionária.

(do Blog classepolitica de 18 de julho de 2015)

Ricardo António Alves disse...

"Paula Bobone da politiquice oligárquica" -- é quase um elogio.
A mais certeira caracterização que já li da indivídua pertence ao famoso Ignatz, numa caixa de comentários perto de nós: "uma Vera Lagoa em versão burra". Notável.

Anónimo disse...

Os 38% dos eleitores que votaram nesta Coligação de direita reaccionária, claramente antidemocrática, deviam ser excluídos da governação. São só 38%.

Jose disse...

Entusiamante repositório dos males a esperar da Direita.

A Esquerda, como sempre, suscitará os males e di-los-á fruto da reacção.

A Vitória é certa! Avante!

meirelesportuense disse...

Avante Camarada!...José'f Staline'f.

antonio miguel disse...

Os anonimatos deveriam estar proibidos nas redes sociais! Demonstram uma falha grave dp carácter de quem se esconde pra lançar a confusão .