quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Não há coincidências?

Na presente estratégia de reforma da zona euro uma das principais propostas diz respeito à criação de um mercado único de capitais. A Comissão Europeia defende que o que é necessário é ter um mercado de capitais mais aprofundado e unificado à escala europeia, à imagem dos EUA ou do Reino Unido. Trocado por miúdos, quer construir novos mercados de títulos de dívida que respondam às necessidades de financiamento das empresas, particularmente as de pequena dimensão que estão hoje excluídas deste tipo de mercado, continuando dependentes da banca. As pequenas e médias empresas serão avaliadas no seu perfil de risco de forma homogénea à escala europeia e, através da notação (rating) que conseguirem, poderão emitir obrigações transacionáveis, que, por sua vez, poderão ser combinadas em tranches com diferentes níveis de risco por parte da banca de investimento. Onde é que já vimos isto?

Já vimos isto no processo de titularização das dívidas hipotecárias transaccionadas em mercado que tão bons resultados deram (sim, a crise financeira internacional começou neste mercado). Embora tal proposta seja vendida como uma homogeneização do acesso à finança, que ultrapasse a actual fragmentação nacional, as consequências para a economia portuguesa podem ser muito graves. Por um lado, estimula-se a reconversão da banca do seu tradicional papel de arrecadação de depósitos e concessão de crédito para uma banca de investimento, que organiza emissões de títulos, além de se promoverem as zonas sombrias do sistema financeiro (lembram-se do papel comercial do BES?).

Ora, à banca portuguesa faltam unhas para tocar esta guitarra. Por isso a pressão para as fusões e aquisições ao nível europeu, desejada pela UE, aumentará e terá os “pequenos” bancos portugueses como vítimas. Por outro lado, as pequenas e médias empresas portuguesas (e, já agora, as grandes) estão altamente endividadas. Qualquer perfil de risco de crédito, irá colocá-las numa posição competitiva inferior às suas congéneres europeias. O que elas precisam na verdade é de uma banca que perceba bem o seu negócio, a sua viabilidade operacional, e que conceda crédito numa base mais relacional e menos estandardizada.

Contudo, surpresas das surpresas, a banca e os seguros nacionais reagiram com quase euforia a esta proposta. Pode ser só miopia ao ver novas oportunidades de negócio. No entanto, tem de se olhar para o outro lado deste novo mercado para se perceber a euforia. O outro lado é a transformação das famílias em investidores neste mercado, desviando as suas poupanças dos depósitos para o mercado de capitais, onde se cobram chorudas comissões.

No caso português, o sector financeiro nacional queixa-se do actual sistema de Segurança Social como um bloqueio à emergência de fundos de pensões que apostem neste novo mercado (vale a pena sublinhar que os fundos de pensões existentes são extraordinários veículos de exportação de capital de Portugal para o estrangeiro). Estas queixas foram publicadas em Maio. Uma das propostas da coligação governamental este verão foi a recuperação de uma proposta com mais de 15 anos: o plafonamento das pensões. Não há coincidências, pois não?

4 comentários:

Jose disse...

A nossa banca vai perecer na transição de penhoristas para a de avaliadores de risco?
Que desgosto insuportável...
Por este caminho ainda põem o artº 35º do CSC a funcionar. Um horror!

Anónimo disse...

Afinal já há dinheiro para desbloquear para uma reversão mais rápida dos cortes aos func públicos. Afinal já conseguem repor mais rapidamente os cortes. Esta coligação PaF mete-me nojo. Espero que emigrem, a começar no Crato, esse cínico.

Jose disse...

Estou com o anónimo das 23:58.
Inaceitável condicionar benefícios a resultados.
O princípio constitucional da Mama Geral está a ser posto em causa mais uma vez!

Anónimo disse...

«No caso português, o sector financeiro nacional queixa-se do actual sistema de Segurança Social como um bloqueio à emergência de fundos de pensões que apostem neste novo mercado (vale a pena sublinhar que os fundos de pensões existentes são extraordinários veículos de exportação de capital de Portugal para o estrangeiro). Estas queixas foram publicadas em Maio. Uma das propostas da coligação governamental este verão foi a recuperação de uma proposta com mais de 15 anos: o plafonamento das pensões. Não há coincidências, pois não?»

Um dos sinais mais fortes que Costa deve dar de querer governar, e À esquerda, é recusar definitivamente tudo o que de forma directa ou enviesada esvazie a segurança social pública, desde TSU’s a ‘plafonamentos’. A imensa maioria dos trabalhadores e pensionistas ficam a ganhar. Um programa sério de esquerda tem que pôr o trabalho e as pensões em primeiro lugar, bem como a saúde e a educação públicas. O Jose que se lixe, ele e a troica.