sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Travar o golpismo, combater o neoliberalismo

Independentemente de António Costa estar mais, ou menos, confortável no seu papel de aio de von der Leyen, de ter desejado o papel, tornou-se irrefutável, parece de todo evidente, que o Ministério Público interferiu ilegítima e ilegalmente no processo democrático. Um golpe, de facto. 

E um golpe que acaba com uma maioria absoluta do PS e a substitui por uma maioria de direita e de extrema-direita que, sendo superior a 2/3, tem poder para alterar a Constituição e acabar com o regime e até mesmo com a democracia. É muito, muito, muito, grave. 

E é mais uma nódoa na triste história da direita portuguesa, sempre putschista, autoritária, obscurantista, serôdia. 

Também parece clara, contudo, a responsabilidade do Partido Socialista na desafeição eleitoral que erodiu a sua legitimidade política e permitiu a consumação do golpe. 

Por um lado, o governo de António Costa, aplicou, em 2022, a política de rendimentos mais regressiva de todo o milénio, deixando à direita a oportunista, mas, há demasiado tempo, devida e mais que justa e necessária subida de salários na função pública, com impacto no conjunto da economia. 


Por outro lado, foi também um governo liderado por um partido autodenominando socialista, mas sendo objetivamente social-liberal, que prosseguiu uma política orçamental altamente restritiva, desprovida de qualquer racionalidade económica e cujo único fito consistiu em obedecer sem questionar às imposições da União Europeia. 


Política orçamental essa, que, mesmo no período 2015-2019, fez recuar a despesa pública em 4,2 pontos percentuais, deixando-a, em 2023, em 7,8 pontos percentuais abaixo da média da Zona Euro. 

Política orçamental essa que, no que ao investimento público líquido diz respeito consistiu num crime de lesa-pátria e numa verdadeira traição aos partidos de esquerda com quais o Partido Socialista governou de 2015 a 2019. Repare-se que em 2019, com o truque miserável das cativações de Centeno, o investimento público líquido ainda era uma décima mais negativo do que era em 2015 depois da política de ‘ir além da Troika’ de Passos Coelho. Repara-se que durante todo o período de oito anos dos últimos governos do Partido dito Socialista nem uma única vez o investimento público líquido atingiu valores positivos. 


O Partido Socialista pode, pois, queixar-se da judicialização da política e do golpismo do Ministério Público. A direção de Ferro Rodrigues caiu depois desta ter sido  injustificadamente envolvida no processo da Casa Pia e o Estado português viu-se obrigado pelo Tribunal Europeu a indemnizar Paulo Pedroso. Sócrates, contra quem se dizia haver tantas provas, está há uma década por julgar e a direita aproveitou os seus eventuais crimes pessoais ainda por provar para avançar a miserável tese de uma bancarrota que não existiu e que seria da sua responsabilidade. 

Mas o partido socialista também deve queixar-se de si próprio. Muito. 

Com uma direita política que tem o Ministério Público como escudeiro e com um Partido Socialista que, por via da sua aceitação acrítica de integração europeia neoliberal e em processo de aprofundamento furtivo, se tornou num mero capataz ultra diligente das ordens de Bruxelas e Frankfurt, o nosso país tornou-se uma colónia dependente de entidades externas até para decidir quanto do seu dinheiro pode gastar e, entretanto, os serviços públicos de saúde, educação, transportes, cultura ou mera administração pública, tudo soçobra e também soçobra a democracia. 

Uma alternativa de esquerda, simultaneamente socialista e soberanista, nunca foi tão necessária. Não a construir é deixar o país à sordidez fascizante da mais, ou menos, engravatada extrema-direita IL-Chega.

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