sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
Greve(s) Geral(is)
De facto, a natureza utópica de uma sociedade de mercado não pode encontrar melhor ilustração do que os absurdos em que ficção do trabalho como mercadoria envolve a comunidade. A greve, essa arma normal de negociação da ação industrial, era cada vez mais frequentemente sentida como uma interrupção caprichosa do trabalho socialmente útil, que, ao mesmo tempo, diminuía o dividendo social, do qual, em última análise, provinham os salários. As greves de solidariedade eram condenadas e as greves gerais vistas como uma ameaça à existência coletiva. E, com efeito, as greves em setores decisivos ou nos serviços públicos faziam dos cidadãos reféns, ao mesmo tempo que os arrastavam para esse problema labiríntico relativo às verdadeiras funções de um mercado do trabalho. Pressupõe-se que o trabalho encontrará o seu preço no mercado e que qualquer outro preço, determinado por outras vias, será não-económico. Se o trabalho assumir as suas responsabilidades nesta ordem de coisas, comportar-se-á como um elemento da oferta daquilo que é, a mercadoria «trabalho», e recusar-se-á a ser vendido abaixo do preço que o comprador pode permitir-se ainda pagar. Em termos de coerência, isto significa que a principal obrigação do trabalho será estar quase constantemente em greve. Semelhante conclusão, absolutamente absurda, é, no entanto, a consequência lógica da teoria do trabalho como mercadoria. A origem desta incompatibilidade entre a teoria e a prática é, sem dúvida, o facto de o trabalho não ser efetivamente uma mercadoria (...).
(...) A verdade é que o trabalhador não goza de qualquer segurança de emprego num sistema organizado pela empresa privada, e que essa circunstância significa uma grave degradação do seu estatuto. Acrescente-se ao quadro a ameaça do desemprego em massa, e compreender-se-á que a função dos sindicatos é moral e culturalmente decisiva para a salvaguarda de níveis de vida minimamente aceitáveis da maioria dos indivíduos. Todavia, é evidente também que qualquer método de intervenção que proporcione proteção aos trabalhadores afetará o mecanismo do mercado autorregulado.
Karl Polanyi, em A Grande Transformação, a explicar que a greve, simultaneamente, mostra que o trabalho não é, nem pode ser, uma mercadoria, mas também porque é tão importante perante os ataques dos defensores do "mercado autorregulado". De facto, a ideia de que o trabalho é um mercado organizado em torno de uma oferta e procura supostamente livres só se tornou possível pela imensa repressão dos trabalhadores que ousaram organizar-se e exigir a justa compensação pelo seu trabalho. Aí, a imensa mão visível do Estado, com todo o seu aparato repressivo, teve de agir, sempre para garantir a ficção em que assenta a nossa sociedade de mercado.
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