sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Fernando Alexandre e a universalização da escassez

Fernando Alexandre quis abrir as portas das residências estudantis a alunos deslocados não carenciados, camuflando o seu objetivo com a alusão a uma alegada universalização do acesso. De caminho, insultou os responsáveis por esta resposta de ação social no ensino superior, sugerindo que estes apenas atuam em função das reivindicações dos alunos, e associou um estigma, até aqui inexistente, às próprias residências e aos alunos que delas beneficiam, deixando no ar, de forma leviana e inaceitável, a ideia de que estes, por serem pobres, são os responsáveis pela sua degradação.

Ora, se o ministro da Educação e Ciência quer alargar o acesso das residências estudantis a alunos não carenciados, terá que reforçar muito mais a expansão da oferta prevista (e programada, já agora, pelos governos anteriores), de modo a elevar progressivamente os patamares de acesso, em termos de níveis de rendimento. Em contrário, estará a atuar como um Robin dos Bosques invertido, beneficiando alunos não carenciados, ao mesmo tempo que empurra os estudantes desfavorecidos para um mercado de alojamento estudantil hiperinflacionado. É nisto que dá liberais até dizer chega a acreditar (ou a fingir acreditar) que são social-democratas.

Sejamos claros: a oferta pública de alojamento estudantil é um bem escasso face ao universo das necessidades. Segundo dados divulgados pelo DN, há cerca de 110 mil alunos deslocados e cerca de 40 mil alunos carenciados, que deveriam ter, por isso, acesso prioritário às residências do Estado. Sucede, porém, que estas apenas dispõem de uma capacidade de cerca de 15 mil camas, «pelo que a oferta cobre apenas 32% das necessidades». É este o contexto em que o ministro Fernando Alexandre quer abrir a oferta de alojamento estudantil a todos os alunos deslocados, sem que antes tenha assegurado esta resposta de ação social aos estudantes que dela mais necessitam.


A ideia do ministro, rejeitada por reitores e presidentes dos institutos politécnicos, consistia em atribuir um valor único para apoio ao alojamento a todos os estudantes deslocados, independentemente da sua condição económica, permitindo-lhes, alegadamente, optar por «uma residência pública ou arrendar um quarto particular», como se o custo fosse o mesmo. Sem qualquer garantia, aliás, de que os bolseiros continuariam a ter prioridade no acesso a residências, num quadro de alargamento a todos os deslocados. Ou seja, uma vez mais a fraude dos «cheques» e das «liberdades de escolha»: em última instância seriam, neste caso, as escolas/instituições, e não os alunos, a escolher.

Quer isto dizer que o ministro, com a sua proposta, não alarga, antes restringe, o acesso ao alojamento estudantil por parte dos alunos carenciados. Nada que surpreenda, claro, num governo que preferiu apoiar os jovens que menos precisavam na aquisição de casa própria. De facto, se estivesse genuinamente preocupado com a universalidade dos serviços públicos, Fernando Alexandre não faria parte de um governo tão empenhado, por exemplo, em desmantelar o SNS e financiar os privados. Se quer mesmo universalizar o acesso às residências estudantis, siga a linha dos governos anteriores em matéria de habitação, promovendo a oferta pública para lá das necessidades mais prementes. E não desviar a resposta existente dos que mais para os que menos precisam.

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