quarta-feira, 25 de maio de 2022

A fonte e a ilusão


Ainda hoje a maioria das pessoas não liga o euro à devastação sectorial e aos baixos salários. Mas o euro não é apenas ter a "liberdade" de escapar aos câmbios nos aeroportos: é a fonte de transferência de rendimentos dos países pobres para os ricos, que torna os países pobres cada vez mais endividados.

Juntar países com desiguais níveis de desenvolvimento numa mesma zona monetária é a ideia perfeita para os mais ricos. Desvaloriza a moeda dos países mais fortes enquanto encarece a moeda dos países mais fracos, favorecendo a economia e as exportações dos mais fortes, em detrimento da dos mais fracos, tornando as suas produções nacionais mais caras do que "consumir" importações. Sem orçamento europeu que compense o fosso que se vai abrindo, impossibilitados (por ideologia económica) de colocar o Estado a intervir em defesa da economia nacional; com o seu banco central sem autonomia e a quem foi vedado o financiamento da acção do Estado, os países mais pobres vão se endividando, sem fim.

E a dívida é a trela que nos mantém presos aos diktats externos, por acaso dos governos dos países mais ricos a quem interessa tudo manter assim.

E não se escapa a essa trela reduzindo a dívida por meios orçamentais, como forma de evitar que o país seja o primeiro na mira dos mercados financeiros libertados da regulação do BCE. O "mecanismo" criador de dívida está em funcionamento, a cada instante, obrigando os países mais pobres a ter de apostar em sectores produtivos de baixo valor acrescentado, sem capacidade de expansão e apoiados em trabalho mal pago, que vão contribuindo para a divisão dos trabalhadores entre os mais bem pagos e os mais mal pagos, entre trabalhadores e trabalhadoras, entre os nacionais e os migrantes, enquanto se amplia a desigualdade social assente numa concentração da propriedade, com reflexos nas escolhas políticas que vão cavando as próprias bases da democracia. 

É isso que quer? Depois não se queixe...

2 comentários:

Anónimo disse...

Curioso, não aparecem comentários sobre este tema. Todos concordam ou não têm contra-argumentação razoável?.

Sandro Marques disse...

Aceito o desafio do comentário anterior. Em que medida é que esta afirmação é ainda análise: "obrigando os países mais pobres a ter de apostar em sectores produtivos de baixo valor acrescentado, sem capacidade de expansão e apoiados em trabalho mal pago"? Qual é o fator económico que obriga os países mais pobres a apostar em setores de baixo valor acrescentado? A aposta é dos países ou dos empresários? Não será o fator educação o principal entrave à existência de setores produtivos de mais alto valor acrescentado? Gostava de ver o assunto desenvolvido tendo em conta a comparação de Portugal com os estados federados alemães da ex-RDA. Em ambos os casos a moeda é o euro e a estagnação económica é na maior parte dos casos uma realidade face ao desenvolvimento económico nos estados federados da Alemanha ocidental. Em comum há uma diferença de qualificações e um processo de ajustamento pós reunificação equivalente ao ajustamento pós troika. E o que dizer se juntarmos à análise a Irlanda? Não serão os casos de sucesso de empresas portuguesas a funcionar na área das novas tecnologias e outros serviços de alto valor acrescentado, recheadas de trabalhadores altamente qualificados um bom exemplo que contradiz a afirmação destacada? Que os salários são baixos, mesmo para esses trabalhadores, é um facto, mas será isso culpa do euro ou culpa dos empresários? O tratamento das desigualdades dentro de um mesmo espaço económico e monetário não obriga a uma reflexão mais global do problema, que ultrapasse as fronteiras do "nacional" e desagregue o problema por regiões? Antecipadamente agradecido.