Na realidade, estou convencido que a coisa poderá ser ainda pior para a posição liberal. Enfrentar as alterações climáticas vai ter de passar por muito mais do que manipular incentivos. Vai ter de passar, por exemplo, pela modificação deliberada de certos padrões de consumo gerados pelo mercado através da restrição e da proibição de certas actividades, em circunstâncias a definir politicamente, e que deverão multiplicar-se, por forma a libertar os cidadãos da «tirania das pequenas decisões» que produzem resultados colectivos irracionais que ninguém consegue controlar ou prever individualmente. A luta contra as alterações climáticas pode (sublinho o pode) criar um quadro de discussão que abre um plano inclinado que favorece, e bem, a restrição do alcance da ideologia da «soberania do consumidor» e reabilita o investimento público e a sua correspondente planificação como meios para a promoção de certos desenvolvimentos tecnológicos ou certos padrões de produção e de consumo que as formas descentralizadas de coordenação mercantil não só não conseguem alcançar, ou pelo menos não o conseguem fazer com a rapidez necessária, como podem mesmo bloquear.
«Socialismo ou barbárie», a célebre alternativa de Rosa Luxemburgo, ganhará novas e interessantes conotações. Mesmo que possamos estar só a falar de dar mais peso, no quadro do sistema capitalista, a formas de coordenação, de regulação e de planificação que o tornarão ainda mais impuro. A questão que estamos destinados a discutir, como sempre, é qual o grau de plasticidade do sistema e qual a sua capacidade para acomodar as medidas que terão de ser adoptadas num futuro mais ou menos próximo. Pelos Estados. Por muito que custe aos libertários de todos os partidos.
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4 comentários:
O grande problema é esse. Sempre que procuramos resolver ou minorar problemas dentro do sistema, arranjamos uma nova solução de o aprofundar.
Que fazer?
Não me parece que a solução passe por uma restrição da «soberania do consumidor» e pela reabilitação do investimento público com a sua correspondente planificação.
Não acredito nas virtualidades do mercado. Apesar disso, não reconheço que da centralização possa resultar uma maior rapidez.
A questão ambiental não tem a ver com a existência de mais ou menos Estado, de mais ou menos mercado. Um e outro são partes do mesmo problema e um e outro podem dar a sua contribuição.
Nem sequer a solução passará por incentivos à poupança, ou ao «não consumo», sejam eles quais forem. Podem, em algum momento, servir, e servirão, de paliativos.
Penso que será a «sabedoria do consumidor» a saber encontrar a solução. Afinal, quer o mercado, quer o Estado não sobrevivem sem ele. Pelos Estados contra os Estados.
Á de Moura Pina
http://abrasivo.blogs.sapo.pt
O problema pina é que a sua solução exige um grau de conhecimento dos impactos colectivos das decisões individuais que nenhum consumidor tem. Há um excesso de informação que a maior parte das pessoas não consegue processar. Mesmo que estejam motivadas para isso. E depois o famoso comércio ecológico acaba tantas vezes por ter um impacto ecológico maior do que outras soluções. De qualquer forma a ideologia da «soberania do consumidor» em que alguns ecologistas acreditam é a solução do mercado. Taxar, impedir o acesso a determinados consumos, financiar investigação em novas tecnologias, criar mecanismos coordenados de redução das emissões de dióxido de carbono, impor standards às empresas. Isto só os Estados pressionados por cidadãos moblizados e não por consumidores atomizados. Tarefa gigantesca.
Nem tudo o que luz é oiro, e só por algum estranho efeito da refracção da luz poderá associar-se a ecologia à «soberania do consumidor». Taxar não é ecológico, da mesma forma que os tratamentos paliativos apenas atenuam o sofrimento a caminho da morte.
O ser humano tem no entanto uma capacidade de aprendizagem tão grande que, acredito, o poderá conduzir à imortalidade.
Á de Moura Pina
http://abrasivo.blogs.sapo.pt
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