O movimento feminista chegou tarde à teoria económica (início dos anos noventa), mas, desde então, a «Economia Feminista» tornou-se numa das mais interessantes correntes heterodoxas. Esta linha teórica parte de uma feroz crítica à dominante economia neoclássica, quer aos seus tópicos de investigação, quer à sua metodologia. O homoeconomicus da economia neoclássica, ao caracterizar-se pela autonomia, racionalidade e egoísmo dos indivíduos, não permite a integração da dimensão relacional destes, onde a cooperação ou a justiça têm um papel central. Ora, sem tal abordagem, não há espaço para o conceito de género na arena económica.
Por exemplo, a discriminação salarial entre homens e mulheres só pode ser, para a economia neoclássica, resultado de diferenças fora do âmbito do mercado de trabalho (e.g. educação). A discriminação seria demasiada custosa em mercados competitivos. No entanto, se, como as feministas argumentam, alguns trabalhos tradicionalmente associados às mulheres são sistematicamente subvalorizados, um salário mais baixo pode ser perversamente considerado justo para estas actividades. Ou seja, ao integrarmos o conceito de (in)justiça, conseguimos avançar explicações para a discriminação salarial e sua perpetuação endógena ao mercado de trabalho. A teoria económica fica mais complexa, mas também mais robusta.
A Economia Feminista tem não só conseguido tratar um conjunto de novos temas para a teoria económica como o trabalho doméstico ou os cuidados prestados aos mais novos e mais velhos, como também tem reconfigurado conceitos antes consensuais entre os economistas. Ao dar visibilidade ao papel das mulheres na economia, esta corrente serve um claro propósito político emancipatório. E já deu resultados. Domínios tão importantes, como são as políticas de desenvolvimento, integram hoje explicitamente as questões de género.
Finalmente, como exemplos (aleatórios) desta corrente, temos economistas como Julie Nelson, Nancy Folbre ou o Nobel da Economia Amartya Sen. Para saber mais vale a pena passar por aqui.
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6 comentários:
o último link está errado.
Diria que se trata de considerações desnecessárias. Eu como empregador apenas quereria saber se um certo empregado maximiza o meu lucro na altura de o contratar. O facto de ser homem ou mulher é irrelevante. Não se deve interferir na moral de quem contrata. O estado não tem para além disso o direito de impor a sua moral a um cidadão. O direito de cada um a ter a sua opinião, e de livremente se associar em sociedade com quem desejar pressupõe que o estado não deve neste domínio ser moralizador. Nenhum estado poderá ordenar a racionalidade por decreto, nem impô-la através do uso da força. É normal que o estado esteja proibido de discriminar um grupo de cidadãos, não deverá no entanto proibir um cidadão individual de ter atitudes discriminatórias. Ninguém se pode sentir prejudicado pelo facto de outra pessoa individualmente não se querer relacionar com ele, mesmo que os motivos dessa pessoa que o recusou estejam desprovidos de razão. Continua apesar de tudo a ser uma decisão soberana na sua individualidade.
Ao se tornar do domínio público que uma empresa recusa trabalho a mulheres por motivos discriminatórios, esta auto-sanciona-se em termos de imagem, para além do facto de já ter levado em primeiro lugar uma gestão ineficiente da sua gestão de recursos humanos, ao coibir-se de recrutar um grande número de membros valiosos. Portanto no harm done.
"Ao se tornar do domínio público que uma empresa recusa trabalho a mulheres por motivos discriminatórios, esta auto-sanciona-se em termos de imagem"
O que parece confirmar a tese do post - as diferenças económicas entre homens e mulheres são motivadas (pelo menos em parte) pelos valores sociais dominantes, e não apenas por questões de "produtividade".
Por exemplo, numa sociedade em que a discriminação negativa das mulheres seja bem vista (em vez de mal vista), uma empresa terá menos razões para tratar ambos os sexos por igual (já que isso não terá vantagens em termos de imagem).
No entanto, ao contrário do autor do post, acho que é perfeitamente possível incorporar a discriminação "de género" (ou qualquer outra) dentro do modelo neo-clássico.
Caro Miguel,
Eu não digo que seja impossível incorporar a discriminação nos modelos neoclássicos. No entanto, esta será sempre um dado exógeno. Algo que está fora da esfera económica.
Mas quem somos nos para querer impor à sociedade valores diferentes dos ditos valores sociais dominantes. Deixem às pessoas a liberdade para fazer os seus juízos. Não é de certeza uma perspectiva liberal ter um estado a impor valores morais aos cidadãos. Pois aqui levanta-se a questão: de entre as pequenas elites iluminadas, qual delas terá legitimidade para impor a sua perspectiva à maioria :)
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