“Se conseguir ter uma economia que crie mais riqueza para poder pagar melhores salários”, Portugal pode competir e tal, afiançou Montenegro, uma vez mais.
E, uma vez mais, a verdade tem de ser reposta: em Portugal, no último quarto de século, os salários reais cresceram abaixo da produtividade, ou seja, houve uma transferência de rendimento do trabalho para o capital à boleia da hegemonia neoliberal, sintetizada por Montenegro. Em 1999, os rendimentos do trabalho representavam cerca de 60% do total e agora representam cerca de 53%.
Talvez seja melhor começar a inverter o raciocínio: obrigando a pagar melhores salários, consegue-se uma economia que crie mais riqueza. Há um mecanismo do lado da procura: o investimento, dizem os empresários, individualmente inquiridos pelo INE, depende das expetativas de vendas e a procura salarial é crucial neste campo. Há um mecanismo do lado da oferta: salários reais que pelo menos acompanham os ganhos de produtividade criam uma pressão para o investimento inovador, que gere mais ganhos de produtividade para se poder lucrar e suportar os “custos”.
Obviamente, em primeira e em última instância, a repartição do rendimento e da riqueza é uma questão de relação de forças, dependente da taxa de desemprego e da alocação do feixe de direitos-obrigações, ali onde se cria tudo o que tem valor: menos direitos laborais correspondem a mais direitos patronais e vice-versa.
O governo sabe isto e por isso a ministra do trabalho teve de ofuscar ideologicamente a questão: “Portugal sofre de um défice de produtividade porque a nossa legislação ainda é muito baseada nos modelos mais tradicionais de trabalho”. Traduzindo: o governo quer continuar o modelo tradicional de trabalho da troika, assegurando cada vez mais direitos patronais e logo cada vez mais rendimentos para o capital, numa economia continuadamente medíocre, que pouco distribui e pouco cresce, um padrão que a saudosa Maria da Conceição Tavares bem conhecia.
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