quinta-feira, 13 de junho de 2024

Basta construir para resolver a atual crise de habitação?

Bruno Contreiras Mateus, diretor interino do Diário de Notícias, não tem dúvida: «Construir casas deveria ser a palavra de ordem na habitação. Mas não foi isso que aconteceu em Portugal. Se olharmos para 2001, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), foram construídas 115.609 novos fogos. Dez anos depois a queda era superior a 330%, com apenas 26.735 casas construídas, e em 2021 afundou ainda mais, para 19.616, quando precisamos de pelo menos o dobro da construção».

Foi pena que o diretor interino do DN não tivesse consultado a recente publicação do INE, sobre a evolução do parque habitacional. Se o tivesse feito, constataria que o número de alojamentos e o número de famílias quase não se alterou ao longo da última década, tornando por isso irrelevante, nessa medida, a quebra do volume de construção verificada desde 2021. De facto, o rácio entre alojamentos e famílias mantém-se em torno do valor de 1,5 (uma casa e meia por família) em 2011 e 2021, sendo aliás superior ao valor registado em 2001 (1,4).


Entre 2011 e 2021, tanto o aumento do número de alojamentos como o aumento do número de famílias são muito reduzidos e muito próximos entre si: 2,6% no caso dos agregados domésticos privados e 1,9% no caso dos alojamentos familiares clássicos. Nada que justifique, portanto, o aumento vertiginoso dos preços da habitação, de que Bruno Contreiras Mateus dá boa nota no seu artigo. E não se trata, como se possa supor, de um simples problema de distribuição desigual de casas e famílias no território: nas áreas metropolitanas ou nas cidades de Lisboa e do Porto, por exemplo, tanto os rácios como a evolução são idênticos.

Como a proporção de casas (oferta) e de famílias (procura) praticamente não se alterou, a explicação para a subida estratosférica dos preços das casas, tanto no arrendamento como na aquisição, terá pois que ser encontrada noutro lado. É aqui que entra, justamente, a necessidade de considerar a existência de novas procuras, associadas ao aumento do turismo (nomeadamente do Alojamento Local) e ao investimento imobiliário (nacional e internacional), que em muitos casos encaram a habitação como um simples ativo financeiro e não pela sua função residencial. Novas procuras essas que, pela sua própria natureza, podem vir a revelar-se inesgotáveis, por mais que se construa.

6 comentários:

Anónimo disse...

Bom dia, sem prejuízo de acompanhar as conclusões, gostava de questionar se para o número de famílias está a ser contemplada a população imigrante.
Obrigado

Anónimo disse...

Parece-me confuso. Diz que o número de alojamentos acompanha o aumento da população, mas são destinados a outras coisas. Se são destinados a outras coisas não são alojamentos, ou pelo menos não foram construídos para isso. Claro que há muitos andares de luxo na Avª da Liberdade e no Chiado, mas não me parece viável vendê-los ou arrendá-los à classe média.
Tentar resolver o problema da habitação por esse modo parece-me difícil. A construção foi para outros fins porque não é económico investir em alojamentos permanentes para a população em geral. Se a desviarmos estamos a forçar quem investiu a deitar o dinheiro fora, porque não vai ter retorno. Se proibirmos os novos investimentos fora dos alojamentos permanentes, as condições das famílias não se alteram, o investimento não é lucrativo e não se dá.
Como dizia um cómico brasileiro: as casas não estão caras, o pesssoal é que ganha pouco.
Ou o Estado arranja maneira de subir os salários ou de construir casas mais em conta, porque com o mercado não se safa.

Nuno Serra disse...

Caro Anónimo,
A informação dos censos inclui a população residente com nacionalidade estrangeira. Apesar de não apresentar informação sobre o número de famílias, a população está, portanto, refletida no total de agregados domésticos privados. Ou seja, sendo certo que a imigração aumentou na última década, essa «nova« procura específica integra os dados.
Noto, ainda, que a subida vertiginosa de preços, «desligada» do número de fogos e de famílias, é uma situação que atravessa praticamente toda a Europa, incluindo países com percentagens de população estrangeira muito distintas.
Cumprimentos

Anónimo disse...

Boa noite, obrigado. Assim tenho a certeza para poder citar. É ainda mais impressionante para mim. Nuno

Paulo Marques disse...

Factos, na minha discussão não-ideológica?

Pedro Pinto disse...

Muito útil. Ainda assim muitas dúvidas sobre a precisão dos dados, sobretudo relativamente a fogos ocupados por emigrantes. Considerando situações de receio de ilegalidade, seja quanto aos individuos e familiares, seja quanto ao número de pessoas por alojamento.