terça-feira, 18 de junho de 2024

Que tempos serão estes?


Mais vale a extrema-direita do que a nova frente popular: esta é, em síntese, a posição do grande patronato francês, que já anda a cortejar Le Pen, segundo o Financial Times

Está “assustado com a agenda radical da esquerda” em matéria de taxação, ou seja, com um programa social-democrata modesto e que visa aumentar a progressividade fiscal, incluindo através da reintrodução do imposto sobre as fortunas, abolido por Macron. Assustam-se com pouco, ou seja, estão muito mal-habituados. 

Na realidade, o grande patronato de hoje é fiel à história de antagonismo do “muro do dinheiro” em relação a todas as frentes populares, alimentando direta e indiretamente os fascismos. 

A nova frente popular tem um programa recuado e com contradições, apenas atenuadas pela natureza dos inimigos comuns, como sempre: superar Macron e a sua obra de regressão social e derrotar os novos rostos do fascismo. 

E digo atenuadas, porque sou um otimista com muita vontade. Na realidade, não há atenuação que disfarce a coexistência de saudáveis elementos soberanistas – recusar a austeridade com escala europeia, defendendo os serviços públicos franceses, e reabilitar a ideia de planeamento e monopólio público de setores fundamentais em França, contra as regras do mercado interno e os acordos de comércio livre – com elementos europeístas que podem deitar tudo a perder – toda a conversa do aprofundamento da integração, incluindo na sua dimensão militarista de “Europa da defesa”, alinhada de resto com uma posição basicamente de continuidade em relação à guerra na Ucrânia. 

Seja como for, e como defende Frédéric Lordon num texto luminoso, sem descuidar a relação de forças interna à heteróclita coligação, a nova frente popular parece ser a aposta certa na presente conjuntura, porque pode criar uma situação de renovada mobilização social, tal como aconteceu com as greves após as eleições de 1936, onde muito se decidiu. Assim se forçaria a mão de um governo progressista e se fragilizariam os seus opositores. Aliás, sem as mobilizações sociais contínuas contra o neoliberalismo de Macron é pouco provável que esta frente se tivesse sequer formado. 

O desafio parece ser sempre o mesmo, mudam as circunstâncias, o que não é pouco: levar a luta ao voto e fazer com que o voto alimente novas lutas sociais. Tudo o que merece e merecerá ser defendido foi sempre previamente conquistado. Haja esperança, o tempo é de cerejas.

1 comentário:

Anónimo disse...

Pois eu vou por outro lado: uma vitória folgada de Bardella. É simples: à segunda volta passa um do RN e outro ou de Macron ou da FP. Chegados aqui os opositores do RN vão ter de decidir: vou votar no tipo do Macron sendo eu de esquerda? Vou votar no tipo da UP sendo eu de direita? Muitos vão ficar em casa. O resultado vamos ver qual é.

Quanto ao patronato, pois com certeza: está de ver que o tipo da CIP, se tivesse de escolher, preferiria Mortágua a Ventura.