quarta-feira, 27 de outubro de 2021

PCP e Bloco votaram ao lado do CH. E depois?

Imaginem quatro pessoas: o senhor A, o senhor B, o senhor C e o senhor D. 

O senhor A não come há dois dias e tem fome. 

O senhor B propõe que se lhe dê comida, mas apenas uma bolacha. o Senhor C vota contra, porque acha que ele tem de arranjar um modo de se alimentar sozinho. O senhor D vota contra, porque considera um ultraje dar-se apenas uma bolacha a quem tem fome e não uma refeição completa. Além disso, o senhor D exige que os termos da votação sejam refeitos, para que a proposta não seja uma votação acerca de uma bolacha, mas de uma refeição completa. 

Então, a proposta chumba e o senhor B recusa-se a alterar os termos da pergunta. O senhor A fica sem a bolacha. 

A quem se deve culpar por o senhor A ter ficado sem comida? O senhor B, por não ter alterado os termos da votação, ou a aliança do senhor D ao senhor C, e sugerir que estes não são diferentes entre si?

Em suma, há razões assimétricas para votar da mesma forma. E quase sempre a culpa das maiorias negativas é de quem formula a questão. 

Não há ninguém mais diferente do que os senhores C e D nesta história. Assim como não há nada mais diferente entre o CH e o PCP e o BE. E quem faz esta comparação por taticismo deveria ter vergonha na cara. Coisa que falta a muita gente nestes dias. 

(Para tornar isto mais realista, só falta o senhor B ter enganado o senhor D durante dois anos, levá-lo a aprovar a proposta "na generalidade", prometendo aumentar a porção na especialidade, e durante dois anos ter incumprido nessa promessa. Mas a história começava a ficar muito complexa)

6 comentários:

Anónimo disse...

Votar juntos contra versus votar juntos a favor são actos com naturezas muito diferentes de facto.

Jaime Santos disse...

Ninguém quer comparar o CH com o PCP e o BE. Pode-se ser contra algo por motivações muito diferentes, mas seja qualquer for a motivação, o que é facto é que as escolhas têm consequências.

Mas o facto é que o senhor A não fica apenas sem a bolacha mas também sem o aumento da pensão, continua a ter uma redução na pensão se tiver 60 anos e 80% de incapacidade, sem o aumento de verbas no SNS que permitiria que fosse melhor tratado quando está doente, etc, etc, o que não é coisa pouca.

Por isso, quem compara o OE do PS a uma mera bolacha também deveria ter vergonha na cara. É que ele há falácias para tudo.

Mas certamente que o Senhor A preferiria ter comido uma bolacha (ou um pacote, vá lá) a ter ficado com fome. E por isso veremos o que o Senhor A diz no dia das eleições quando tentarem argumentar que para que se defenda o princípio que ele tem direito a uma refeição completa, se impediu que lhe fosse dada uma bolacha (na verdade, bem mais do que isso).

Francisco disse...

Julgo que por estes dias, uma das preocupações a que todos estamos obrigados, é a de manter bem clara a diferença consabida entre a estrada da Beira e a beira da estrada.
Quero com isto dizer, que é preciso, para estabelecer um quadro conceptual que nos permita compreender a génese dos problemas sobre a mesa, partir de açgumas perguntas fundacionais, a primeira delas, porventura, a de saber qual a natureza matricial (identitária) de cada um destes partidos políticos e de que mosso essa mesma matriz tem determinado o seu posicionamento histórico em relação, nomeadamente, à compreensão da relação capital/trabalho.
Creio que pensando a questão nestes termos, facilmente somos levados a concluír, que na história recente do nosso país (os últimos cinquenta anos e, dentro destes e com especial ênfase, os anos pós 25 de Abril), o PCP se assumiu como um partido de classe, isto é, como uma formação político-partidária que, face a uma sociedade estruturalmente organizada em classes (estas, por seu turno, determinadas pelo posicionamento no processo produtivo), visou com a sua acção política garantir o ascenso das classes e camadas populares, leia-se se assim quisermos e sem mais adornos linguísticos nem especiaificação de maior detalhe, que aqui não cabe, a ascensão do proletariado (lato sensu).
Ora, ao contrário deste posicionamento, o PS, é um herdeiro de uma tradição social-democrata que se robusteceu sobretudo na Europa no período entre 1945-1973 e depois, mas tarde, com a implosão do chamada Bloco de Leste, fase esta que, contudo e de forma não paradoxal, foi também aquela em que a matriz Keynesiana foi cedendo, passo atrás de passo, ao monetarismo neo-capitalista frenético, para cujo desenvolvimento a queda do padrã-ouro foi uma verdadeira alavanca de Arquimedes. Não espante por isso, que em matérias capitulares da nossa organização político-económica e social, o consenso se tenha sempre materializado no seio do grande centrão, isto é, do espaço político preenchido pelo PS, PSD e CDS. Desde as várias modificações do nosso texto Constitucional, até ao essencial das leis laborais ou da distribuição da riqueza, PS, PSD e CDS, sempre mantiveram posicionamentos com muito, mas muito semelhanças do que diferenças. Sucede porém, que o período 2008-2015, foi também o de uma degradação absoluta dos pilares básicos (alguns deles de relativa fragilidade) herdados do 25 de Abril, nomeadamente e uma vez mais, na esfera das relações laborais e da segurança, em que a necessidade de acumulação capitalista vinha exigindo a adopção de medidas absolutamente arbitrárias (muitas delas declaradas aliás de natureza inconstitucional), a que urgia por cobro sobre pena de haver uma desvirtuamento, em última instância, do regime tal como o conhecemos. Nesse período, fugindo sempre à chamada da mobilização popular e refugiando-se em jogos de poder no plano institucional, o PS, sem jamais se haver comprometido com qualquer mudança de política no caso de vir a ser poder, aguardou contudo que ele lhe caísse no regaço em 2015. Como se sabe, no entanto, a tibieza das suas posições e uma (como sempre) bem oleada máquina de propaganda ideológica, acabram por ditar que o PSD viesse a eleger mais deputados do que o PS.

Francisco disse...

(continuação comentário anterior)
Foi nesse momento e como sabemos, que para surpresa e espanto de tantos, a começar pelo próprio PS, o PCO veio dizer e convém recordá-lo, que a nova correlação de folas na A. da República permitiria ao PS formar governo. A inexistência desta solução teria sido, sobretudo para o PS, absolutamente suicidária. Entrou-se por conseguinte na tal nova fase da vida política nacional em que, sempre a ferros, lá se foi arrancando a um PS sempre agarrado à sua matriz e às consequentes opções de classe, o mínimo dos mínimos. Como disse recentemente Paulo Pedroso, o PS recebeu e capitalizou eleitoralmente, dando muito pouco ou quase nada em troca. Aqui chegados, a ausência de um posicionamento clarificador (porventura mais cómodo, numa perspectiva meramente tacticista e eleitoralista), traduzir-se-ia numa paulatina degradação da vinculação do PCP aqueles que são e devem ser os seus valores e o seu património, já que tem sido precisamente essa vinculação classista que tem permitido e alimentado algumas conquitas e avanços para as classes populares. Ao PCP (e certamente também ao BE), não restavam por isso mais do que duas alternativas: ou ser conivente com uma governação socialista de exercício do poder pelo poder, ou assumir uma posição de defesa consequente da resolução de problemas nacionais que estão evidenciados, para os quais existem soluções, mas que implicam, naturalmente, enfrentamentos e rupturas a que o PS não está, pelo menos até agora, disposto. Veremos o que o futuro nos reserva, mas antecipo sem qualquer receio de errar, que a ausência de uma pressão consequente do seu lado esquerdo, vai trazer para a ribalta o pior PS, isto é, o que estará mais próximo da sua matriz original.

Anónimo disse...

O caminho para aqueles que defendem uma politica consequente que resolva os graves problemas da maioria dos portugueses,na minha modesta opinião, que trabalho (desde os idos de 71 do século passado) e levo para casa 790 euros ,defendo uma convergência como a que foi conseguida em Espanha entre a esquerda unida e o Podemos,que têm conseguindo alguns avanços,na leis laborais e salários.

Anónimo disse...

Creio que a maior demagogia é pensar que se consegue mais mudanças reais com um governo PS encostado ao PSD, ou ainda pior, com um governo de ultra-direita PSD-PP-IL-ch, do que com a conjuntura que existia (apesar de todas as limitações impostas pelo PS).

Encostar o PS confortavelmente à direita vai trazer os benefícios pelos quais a esquerda luta?


Esta ruptura pode servir para separar águas, e limpar a consciência relativamente aos orçamentos aprovados anteriormente, mas creio ser uma roleta russa que, correndo mal, deixará muitas pessoas votantes dos partidos à esquerda do PS reféns do voto útil nesse partido.


Se nas próximas eleições a esquerda deixar de ter relevância e influência (por muito limitada que seja) para definir opções, o que se ganhou?