terça-feira, 26 de outubro de 2021

Liberdade económica e o conto do vigário

Está na moda entre a direita portuguesa referir o crescimento económico dos países de Leste para defender que o problema de Portugal é não ter ainda liberalizado tudo o que eles gostariam. 

Como tenho dito, esta tese tem dois problemas: 

  • primeiro, poucos países liberalizaram e desregulamentaram tanta coisa como Portugal nos últimos 30 anos (ver aqui); 
  • segundo, se há coisa que distingue Portugal daqueles países de forma sistemática é a diferença nos níveis de escolaridade (de resto, o preditor mais robusto de crescimento económico, como é consensual entre economistas). 

Talvez fosse tempo, portanto, de procurarem outras explicações para as diferenças de crescimento (foi o que ensaiei aqui). 

Perante isto, alguns apressam-se a dizer que o problema foi o fracasso das políticas de educação em Portugal nas últimas décadas. Pois também esta tese tem de ser repensada. O gráfico abaixo mostra que, de facto, Portugal está muito distante dos países da Europa de Leste no que respeita à proporção de população adulta que terminou pelo menos o ensino secundário. Mas mostra mais. Nele vemos que nenhum desses países (e nenhum outro na UE, excepto Malta) teve um progresso tão rápido como Portugal nos níveis de escolarização desde a viragem do século. E antes que digam que é muita quantidade e pouca qualidade, poucos países progrediram tanto também no sucesso das aprendizagens.

 

Fonte: Eurostat
 

Continuaremos atrás dos outros durante alguns anos, é certo. Não porque se ande a fazer tudo mal. Antes porque começámos há pouco tempo a recuperar de um atraso de um século. Sejamos exigentes, sim. Também um pouco pacientes e persistentes. E não nos deixemos ir em contos do vigário.

2 comentários:

TINA's Nemesis disse...

As mentes patológicas neoliberais agora adoram o leste europeu por causa disto:

"O desastre económico da Letónia como uma história de sucesso neoliberal: um modelo para a Europa e os EUA?"

“Hoje a estória de sucesso anti-trabalhador mais celebrada é a Letónia. A Letónia é retratada como o país onde o trabalho não lutou, mas simplesmente emigrou educadamente e discretamente. Sem greves gerais, sem destruição de propriedade privada ou violência, a Letónia é apresentada como um país onde a classe trabalhadora teve o bom senso de não fazer barulho quando confrontado com a austeridade.”
“Os letões desistiram de protestar e simplesmente começaram a votar pelas costas (emigração) enquanto a economia encolhia, os níveis salariais eram reduzidos e onde a carga tributária permanecia decididamente nas costas da classe trabalhadora, embora esforços simbólicos recentes tenham sido feitos para aumentar os impostos sobre o imobiliário.”
“O Banco Mundial aplaude a Letónia e seus vizinhos bálticos ao colocá-los no topo de sua lista de economias “favoráveis aos negócios”, embora às vezes repreenda seus regimes sociais como sendo muito severos para os gostos vitorianos das instituições financeiras internacionais.”

https://michael-hudson.com/2013/01/latvias-economic-disaster-as-a-neoliberal-success-story-a-model-for-europe-and-the-us/

As mentes patológicas adoram que milhões sofram, que a humanidade regrida...
As mentes patológicas neoliberais dizem que são pela "liberdade", eles são!
Eles são pela "liberdade" de uma minoria oprimir a maioria!

Guilherme Rodrigues disse...

A teoria de complexidade economica, que esta longe de ser uma conspiracao socialista, mostra bem que a base produtiva do bloco de leste muito superior a Portugal em 95 - uma decada depois da entrada na UE e poucos anos depois da queda do Muro. Equanto faziamos pijamas, os checos e os romenos faziam carros; a estonia era base de um programa espacial; etc

https://atlas.cid.harvard.edu/rankings