No final da audição com Marcelo Rebelo de Sousa, o dirigente do Chega! conseguiu, na mesma frase, dizer que a trajectória da dívida pública está em "níveis insustentáveis" (!) e criticou a proposta de Orçamento de Estado (OE) para 2022 porque não satisfaz o pessoal da Saúde ou da Segurança Pública! O dirigente IL disse que o OE para 2022 é cada vez mais despesa pública sem visão de longo prazo. E fez até a inconfidência de que Marcelo está preocupado com a natureza do OE não vocacionado para o crescimento!
O presidente do CDS disse que o partido iria votar contra a proposta de OE por causa 1) da "bazuca de impostos"; 2) porque não é apresentada nenhuma reforma estrutural que permite o progresso económico e social; e 3) porque não se alivia "o fardo das empresas e das famílias", o que faz Portugal estar "condenado ao empobrecimento", ao não permitir a oferta da "nossa iniciativa privada".
Face a este vazio, esperava-se que Paulo Rangel o preeenchesse na sua proclamação de princípios - acabadinha de ser proferida - para a corrida à presidência do PSD. Mas não.
Rangel decidiu cavalgar a projecção mediática que teve o desresponsabilizante artigo de Cavaco Silva no Expresso. Agitou que Portugal está - há duas décadas (!) - estagnado por causa de uma agenda socratista a que se colou a agenda "fundamentalista e radical" do PS com PCP e BE. Ou seja, a velha ideia de que o Estado - leia-se, a provisão social prestada pelo Estado - é que está a abafar a economia e impedi-la de crescer. Nada de novo, pois. Mesmo tudo muito velho. E errado!
Mas face ao tom inflamado de Rangel, esperava-se um discurso claro, amplo, fresco de medidas que alterassem este estado de coisas. O que faria ele diferente? O que defende Paulo Rangel para tirar o país da estagnação? Disse que tinha três eixos. Ora, vamos a eles:
1) "Congregar o PSD" (...?!);
2) "Congregar o PSD", sim, mas... pondo de lado a estratégia Rui Rio de querer "estender a mão" ao PS de António Costa.
3) E finalmente - será agora? - uma agenda"galvanizadora". Ah! Vamos a isso! Qual é ela? Apenas mais palavras.
"Aquela capacidade agregadora que se quer no plano interno tem de se projectar no plano externo". O PSD tem de recuperar a sua "vocação maioritária, liderante". O PSD "vai marcar a agenda reformista do país". Sim, tudo bem, mas para onde? Mais palavras: Uma agenda que "saiba marcar as suas diferenças com o seu adversário que é o PS". "O código genético" do PSD" funda-se "na dignidade humana, na democracia e no Estado de direito" (isto é para quem?!). O "PSD tem de ser inflexível na independência dos tribunais e da imprensa" (e esta é para quem?!). "O nosso modelo é a democracia liberal", "o PSD é pela liberdade, mas não é liberal: é liberalizador". E isso quer dizer o quê? Libertar o Estado dos "interesse que hoje colonizam o Estado (a velha linguagem neoliberal. Quais? Os funcionários públicos? Os sindicatos? Não teve coragem de o dizer). "Somos liberalizadores, mas sempre com o coração do partido na equidade social".
Mas como se consubstancia esta suposta contradição (mais uma!) entre um pensamento neoliberalizador e esse "coração na equidade social"? Rangel foi redondo, vago, mas percebe-se que não traz novidade face ao verdadeiro e velho "código genético" do PSD, parecendo esperar que já ninguém se lembre dele - reduzir a provisão pública de direitos sociais para a entregar à iniciativa privada, subsidiada pelo Estado.
Interessante foi a escolha dos direitos sociais onde quer intervir:
Falou da Educação. Passou à Saúde: "O PSD quer um SNS capaz e eficiente, articulado com os restantes sectores [quais? o sector privado?]; o PS quer um SNS gigante (?!), monopolista, redundante". Gigante quer dizer que deve ser menor? Como? Redundante em relação a quem? Rangel sabe o que quer, mas não o diz. Porquê? O PSD quer "uma Segurança Social abrangente, sã e sustentável; o PS recusa pensá-lo". Pensar o quê? Rangel tem uma ideia clara, mas não diz qual.
E rematou de forma lapaliciana: "O PSD pode derrutar o PS se conseguir ser alternativa". Mas - mais uma vez - Rangel não soube acrescentar nada de claro ao pensamento do que foi a Direita cavaquista desde os anos 80 - cujas reformas estruturais até ao início do século XXI que, essas sim, muito têm a ver com a actual estagnação que vivemos - privatizações nomeadanente do sector financeiro, que nunca serviram para criar grupos económicos nacionais e rapidamente foram parar ao capital externo; desarticulação do sector público produtivo, rápido integração europeia e desmantelamento fronteiriço e da política alfandegária, política monetário-cambial colada ao marco alemão e de entrega das rédeas políticas à visão e a instituições externas, forteente imbuías de um ideário neoliberal; esvaziamento do Estado Social, utilização da Segurança Social para financiar o Estado e as empresas, contenção salarial como factor competititvo, diabilização dos sindicatos, etc. E também nada de novo face à suposta "nova" e "moderna" Direita que funciona, na verdade, ao ritmo do soundbyte.
Permitam-me, pois, rematar com outra imagem "galvanizadora":
6 comentários:
A mensagem de natal do silva. Bem metida.
O João Ramos de Almeida não completa o seu belo raciocínio. É esta Direita que a Esquerda se arrisca a colocar no Poder se não se conseguir entender com o PS sobre o OE.
Dizê-lo não é chantagem. Chantagem é ir para uma negociação ameaçando uma crise política se o PS não ceder em toda a linha.
Não sejam hipocritamente dramáticos. Tudo isto se resume a escolhas e às suas consequências.
Apenas isso, sabendo nós que as crises políticas também acontecem por acidente...
Os que dirigem o PS - embalados por sondagens favoráveis ao partido e desfavoráveis aos parceiros de esquerda - acreditam que o PS poderia ser beneficiado com uma antecipação das legislativas, em que faria o papel de "vítima" do PCP e do BE, os supostos "culpados" da falta de entendimento quanto ao OE. Mas convém lembrar que, nas recentes eleições para a câmara de Lisboa, o PS também liderava as sondagens com grande avanço, e a verdade é que acabou por perder essas eleições para uma coligação PSD/CDS...
É esta Direita que o PS se arrisca a colocar no Poder se não se conseguir entender com o PCP e o BE sobre o OE. Chantagem é ir para uma negociação ameaçando uma crise política (em perfeita sintonia com o Presidente-Comentador Marcelo) se, no essencial, o PCP e o BE não cederem em toda a linha.
A. Correia
Como é habitual da direita, não têm medidas, não têm propostas e não têm reformas, porque a sua maneira de estar na oposição é reclamar de modo contínuo e fazer má cara a todas as propostas vindas do governo. Onde já se viu a direita ter propostas ou ter ideias construtivas para o país? Nunca.
Caro Jaime,
Neste momento, quem dramatizou não foi a esquerda: foi o presidente Marcelo.
E nessa dramatização teve um objectivo claro: colocar a "crise" do lado da esquerda e dar uma plataforma - qual trampolim - a uma renovação na direita que transforme a sua crise actual em élan.
Não foi por acaso que Marques Mendes aparece no seu palco televisivo domingueiro a dizer que a direita devia ter uma palavra sobre o Estado Social e a cultura (até agora monopólio da esquerda... Por que razão será?). E dias depois, Marcelo vem ameaçar que dissolverá o Parlamento se o OE for recusado. Na audiência ao IL, Marcelo diz-lhes que discorda do OE, que o acha despesista, que não tem visão, que não tem programa de reformas. O IL vem cá para fora dizer que o PR está com a direita.
Momentos depois, Paulo Rangel faz a sua dissertação programática alinhando com as ideias de Marques Mendes (ou Marques Mendes com as de Paulo Rangel, em antecipação...). E nessa dissertação - como se disse em cima - volta-se a reptir os velhos argumentos de que a esquerda quer o monopólio o Estado (vulgo papão bolchevista) e que a "nossa iniciativa privada" sufoca e, com ela, o país! Ou seja: preparem-se portugueses porque vão passar a pagar maispara o sector privado na educação, na saúde, na protecção social.
De repente, o país "mudou" nas televisões: Rui Rio morreu e Rangel já reina, sem ter sido ainda escolhido. E tudo isto, dirá o Jaime, foi a esquerda que quis...
Por favor, não sejamos ingénuos.
Em matéria de gestão da "res publica" a prática da direita foi e será, sempre, "ir ao pote' A mera ideia de res publica é-lhe repugnante. Na gestão do Estado, os partidos da direita são os Robin dos Bosques do capital: tiram a muitos para dar a poucos. Dissimulando, sempre, porque no "mercado eleitoral" a verdade da direita não rende votos (se se pudesse, ao menos, "suspender a democracia"...). Da necessidade de ganhar eleições contando mentiras, nasce a falta de clareza do discurso e daí nascem as palavras grandiloquentes e as proclamações bombásticas e sem substância dos chefes partidários. É inevitável.
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