quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Violação contratual

E agora anunciamos um jornal televisivo em que a informação tem 44 minutos e a publicidade 25 minutos. Não percebeu bem: são vinte e cinco minutos de publicidade NA informação.

Ontem, durante 25 minutos, entre peças e uma entrevista em estúdio a dois cirurgiões, uma clínica de cirurgia plástica foi promovida no espaço dos jornal das 8 da TVI.

O jornal estava a ser apresentado pela Judite de Sousa. No final, houve uma peça de dois minutos sobre o protesto dos desportistas norte-americanos pelas mortes em confrontos com a polícia. Depois, veio a apresentação do livro mais recente de Ken Follet (1 minuto e tal). Madonna e Portugal (outro minuto e tal).

Mas às 20h44, a pivot arranca desta forma: "Neste jornal das 8 abrimos agora espaço para dois reconhecidos cirurgiões portugueses. O interlocutor é o meu colega José Carlos Araújo. Boa noite, José Carlos". E Judite de Sousa escapa-se e não voltará a aparecer mais.

José Carlos Araujo é editor de Sociedade da redacção da TVI e formador no centro de formação de jornalistas (Cenjor). É ele quem faz a apresentação e quem estará a entrevistá-los: "Há quem os trate por médico milagre ou fabricante de sorrisos".

A partir daí, e durante quase meia hora só se fala dos milagres que os dois médicos fazem. Segue-se duas peças de 4 minutos cada, uma para cada médico e, depois, 17 minutos de entrevista em estúdio aos dois médicos En passant surge o nome da Clínica da Face, sendo mesmo disponibilizados preços das operações.

Se isto fosse jornalismo, o interesse público de um trabalho como este seria já suficientemente duvidoso. Mas ainda seriam mais discutíveis os critérios de gestão de tempo. Foi tudo isto uma opção do editor ou de quem coordenava o Jornal das 8? Por que fugiu a Judite de Sousa? Foi uma opção do director de informação? Quanto vale ocupar 25 minutos nesta nova categoria de primetime

As televisões privadas não perdem um momento para atacar os esforços da RTP para captar publicidade. Balsemão - um brilhante gestor que tem o seu grupo em maus lençóis - está sempre a aparecer e a exigir que a RTP se afaste do mercado, sempre a pensar em si, e não nos contribuintes, digo, nos cidadãos. Todos assinaram um protocolo nesse sentido, desde que apoiassem a produção independente. Todos fazem o que podem para limitar a RTP. E agora isto?

Vai ser assim na futura TVI/Altice? Uma coisa é certa: não foi para isto que se privatizou o espaço público de televisão.

7 comentários:

Anónimo disse...

Foi exatamente para isto - e para o muito mais que no futuro se verá - que se privatizou o espaço público de televisão.
Que são hoje os telejornais das televisões, sejam elas públicas ou privadas, deste país? Pois são uma espécie de coisa com forma de coisa nenhuma em que a informação supostamente séria convive com o inacreditável dilúvio de ocas sandices com que se aliena o povo: na mesma salganhada cabem as malfeitorias do Sr. Kim Jung Un, as cores das cuecas vestidas pelo Cristiano Ronaldo nessa manhã, a fatal alfinetada ao caricatural Sr. Trump, a inexorável expansão mundial do portuguesíssimo pastel de nata (com boas perspetivas de se lhe seguir no êxito internacional o arroz de míscaros e a alheira de Mirandela), as aventuras da lisboeta Madonna mais a sua prole, a queda iminente do "ditador" Maduro e a admirável luta dos "freedom fighters" que - tão pacífica e desinteressadamente - se lhe opõem, as "selfies" e os mergulhos tropicais ou temperados do Senhor Presidente da República, a entrevista de rua que inquire (no Verão e com mar ao fundo) se está calor e no Inverno (no cume da Serra da Estrela) se frio está, as tradicionais farpas ao Governo angolano, os plágios do choroso Toni Carreira, o omnipotente e omnipresente braço do facinoroso Vladimir Putin, as ternurentas primeiras imagens de um qualquer recém-nascido herdeiro real, as alegrias de nos mantermos "ativos" para além dos 99 aninhos, o milésimo protesto de que "Portugal está na moda", o pôr água na fervura da chegada dos neonazis ao parlamento alemão, os 100.000.000 de festivais gastronómicos que se inventaram pelo país fora e a orgulhosa comparação do espetáculo do revanchismo catalão com o luso 25 de Abril de 1974 (e um larguíssimo e muito interessante etc.). E tudo isso destilado durante umas brevíssimas duas horinhas.
Jornalismo de qualidade no seu melhor...

PS - já alguns diziam, aquando da abertura do espaço televisivo aos privados, que, num país com uns escassos 10 milhões de habitantes, tanta fartura de canais só poderia dar nisto... Como é tradição aqui na ocidental praia lusitana, na altura, ninguém os ouviu e, agora, ninguém do sábio aviso se recorda. É a desgraçada sina deste país e da sua surdíssima e muito desmemoriada gente.

Anónimo disse...

Infelizmente caro João Ramos de Almeida acho que foi mesmo para isto que se privatizou o espaço público de televisão.

Alice disse...

A televisão privada permite aos vendedores anunciarem e promoverem os seus produtos com a chancela legitimizadora do "jornalismo", do "rigor informativo", de coisas sérias e cheias de autoridade. Também permite o abastardamento do "jornalismo", do "rigor informativo", das coisas sérias e cheias de autoridade.

A Judite de Sousa fugiu, mas aposto que vai voltar... E assim fica demonstrado o poder do dinheirinho (e a falta que ele faz!!!).

Jose disse...

Isto só se resolve com uma Alta Autoridade para a Comunicação Social, um painel de observadores num Observatório da Comunicação Social, e pôr desde já em funcionamento uma Comissão Instaladora do Instituto Regulador da Comunicação Social.
À cautela, começar desde já a recrutar gente para a realização de um Livro Branco da Comunicação Social e outro grupo para um Livro Negro; a partir desses estudos as conclusões deverão ser a base de uma Lei-Quadro da Comunicação Social.

Anónimo disse...

Isto só parcialmente se resolve quando os tais tão publicitados cirurgiões plásticos abrirem a marmita a Herr José e, no espaço vazio que lá hão de encontrar, colocarem um implante de silicone...

Anónimo disse...

Jose lá sabe como governa e se governa, admitindo-se que tal tenha sido uma ideia original daquele génio de nome Passos Coelho.

Mas indo um pouco mais a fundo na questão. Causa alguma perplexidade estas manhosices rascas para esconder o que se denuncia e debate. Será uma táctica ou uma impotência?

Não há ninguém que seja amigo do Jose e que o avise desta sua mediocridade idiota?

Anónimo disse...

perdeu-se há muito no cenjor e nas escolas de ciência da comunicação a formação jornalística dada por gente de visão antiquada acerca do ofício.

o desejável convívio com os das relações públicas e com os do marketing e publicidade deu esta abertura que se faz sentir.

e um gabinete de estética médica tem dinheiro para 25 minutos de publicidade em horário nobre. bem bom.