terça-feira, 21 de junho de 2016

Nacionalismos há muitos


O homicídio da deputada trabalhista Jo Cox por um nazifascista marca em definitivo o referendo britânico. Este bárbaro crime serviu já para Teresa de Sousa declarar, pela enésima vez, que não existe um “nacionalismo soft”, isto é, não há nacionalismo que não seja portador dos piores males, da guerra.

No mundo simples de Teresa de Sousa temos identidades assassinas, por um lado, e a bondade europeísta pós-nacional, por outro. Esta bondade não deve ser contestada, através de referendos, por exemplo, não vão os povos na sua irracionalidade reverter a abdicação de soberania, peço desculpa pelo realismo, a partilha de soberania, assim é que é. Além disso, é um susto constante desde pelo menos 1992. É preciso acabar com estes sobressaltos. Olhem para o exemplo do bom aluno Portugal, nunca tivemos disso e vejam como correu bem.

Felizmente, no mundo real, as coisas são mais complicadas, incluindo no que aos nacionalismos, assim no plural, diz respeito: estamos perante um fenómeno político tão ideologicamente polifacetado quanto resiliente. De facto, uma brevíssima passagem pela literatura histórica e sociológica sobre o tema permite concluir que nacionalismos houve e há muitos: liberais e antiliberais, progressistas e reacionários, revolucionários e conservadores, das esquerdas e das direitas, de cima e de baixo, fascistas e antifascistas, imperialistas e anti-imperialistas, racistas e antirracistas.

Num dos livros mais citados de sempre das ciências sociais e humanas, Comunidades Imaginadas, Benedict Anderson, recentemente falecido, associou o nacionalismo a um conjunto de dispositivos culturais flexíveis e logo mobilizáveis por projectos político-ideológicos muito distintos, sugerindo que a variante popular do nacionalismo teria um potencial inclusivo e democratizador inigualável.

Por cá, um dos nossos especialistas no tema das identidades nacionais, José Manuel Sobral, escreveu no seu livro Portugal, Portugueses: Uma identidade Nacional precisamente o seguinte: “A maioria reterá desses tempos sobretudo as dimensões negativas da paixão nacionalista, ligadas a um racismo de crueldade extrema. Esquecemo-nos que a outra face do nacionalismo - entendido como amor da pátria, como terra própria e dos antepassados e, mesmo, lugar da liberdade e da democracia - contribuiu para sustentar a resistência que venceu o nazismo e os fascismos.”

Venceu o nazismo e os fascismos e venceu, a partir do Sul Global, não o esqueçamos no nosso eurocentrismo, os imperialismos coloniais europeus, ajudando à nossa própria libertação, já agora. E só poderá ser essa face do nacionalismo, ancorada nas classes populares e num compromisso constitucional democrático, a derrotar as duas faces da depressiva e iníqua moeda europeia: a distopia pós-democrática da UE realmente existente, a que reserva para estas periferias um estatuto semicolonial, e os fascismos, os políticos e os sociais.

Ainda por cá, as esquerdas, ou pelo menos parte cada vez mais importante delas, e isto é das poucas coisas em que tenho confiança neste tempos sombrios, nunca cederão à chantagem intelectual, nunca deixarão vago este terreno contestado da imaginação de uma comunidade nacional densa, cimento da construção soberana de instituições igualitárias, em nome de miragens pós-nacionais. Nunca o fizeram na prática. Por que é que logo agora, quando os múltiplos efeitos perversos desta ordem, tão pós-nacional quanto pós-democrática, estão à vista, o iriam fazer?

Adenda ou dois em um. O que eu escrevi sobre o artigo de domingo de Teresa de Sousa aplica-se, com as devidas adaptações na margem, ao igualmente inenarrável artigo de ontem de Rui Tavares, que desceu mais um degrau, rumo ao Reductio ad Hitlerum explícito, tendo razão Daniel Oliveira: “do ponto de vista da retórica, não me recordo de nada mais violento do que associar, mesmo de forma indirecta, os argumentos de um adversário a um assassinato político.”

14 comentários:

Jose disse...

«Venceu o nazismo e os fascismos e venceu, a partir do Sul Global...» e em larga medida venceu o Império Soviético.
Nada com o nacionalismo, o tribalismo, o bairrismo, o clubismo, a seita, o clã, quando se trata de fazer a guerra!!!!

Já que a esquerda tenha desprezado o nacionalismo «…em nome de miragens pós-nacionais. Nunca o fizeram na prática.»!
Esse ‘na prática’ só pode querer dizer que nunca conseguiram ter sucesso apesar de muito terem praticado.

Mas em tempo de ameaça ao seu poder, sempre a esquerda vira nacionalista, que o nacionalismo não requer argumentos e dispensa largas doses de racionalidade,

Anónimo disse...

Um excelente texto de João Rodrigues e uma imagem fabulosa a encimá-lo, e ainda um parágrafo referencial:

“Ainda por cá, as esquerdas, ou pelo menos parte cada vez mais importante delas, e isto é das poucas coisas em que tenho confiança neste tempos sombrios, nunca cederão à chantagem intelectual, nunca deixarão vago este terreno contestado da imaginação de uma comunidade nacional densa, cimento da construção soberana de instituições igualitárias, em nome de miragens pós-nacionais. Nunca o fizeram na prática. Por que é que logo agora, quando os múltiplos efeitos perversos desta ordem, tão pós-nacional quanto pós-democrática, estão à vista, o iriam fazer?”

Muito bom.

Anónimo disse...

Três notas e uma conclusão:

-Confirma-se, pelo que o das 09 e 59 diz, que a derrota do nazi-fascismo foi um acontecimento penoso para aquele.

-Confirma-se alguma coisa mais.
Que o vazio acéfalo de ideias se traduz nesta indigência mental de fazer afirmações tão gratuitas como não comprovadas. Como por exemplo esta pérola:"nacionalismo não requer argumentos e dispensa largas doses de racionalidade".

-Mas também confirma outra coisa: a iliteracia maior de quem consegue produzir como conclusão do penúltimo parágrafo do excelente texto de João Rodrigues esta afirmação espantosa, de tão cabotina que é:" ‘na prática’ só pode querer dizer que nunca conseguiram ter sucesso apesar de muito terem praticado."

Na prática e na teoria isto são os despojos intelectuais de quem se afirmou como patrioteiro e colonialista nos tempos da outra senhora e agora assume de caras e de frente a política invertebrada da UE.




Anónimo disse...

Completamente de acordo,linha por linha, com o que o caríssimo anónimo das 10 e 46 escreve.

Anónimo disse...

De facto o assassinato da deputada trabalhista marcou (de forma definitiva?) o referendo britânico.

Adivinha-se a histeria e a desonestidade que grassa na Grã-Bretaha no debate sobre o acontecido. É só ter a ideia de muitas coisinhas como Rui Tavares ou Teresas de Sousa a encherem páginas e páginas na velha Albion.

Anónimo disse...

Mais uma vez se cita João Rodrigues:

"Quem disse que não se pode ser patriota e internacionalista ao mesmo tempo? Na realidade, acho que não é possível ser consequentemente uma coisa sem ser a outra, até inspirando-me numa certa história do “nacionalismo internacionalista”.(https://docs.google.com/file/d/0B7trXEFcZimVSUZuOXhFYjdMZHc/edit?pref=2&pli=1).
De resto, atentem no início do artigo 7.º da Constituição desta República:
“Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional (…) Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos (…) Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.”

Mais claro que isto é impossível. Só resta mesmo a tentativa de embrulhar um cadáver no ergumentário pós-nacional e pós-democrático.

Anónimo disse...

Pena, imensa pena pelo caminho deixado em aberto à direita e à extrema-direita, em França e noutros países europeus, no que à reivindicação da soberania nacional diz respeito.

Posição antagónica das posições consequentes de esquerda. Posição antagónica dos interesses populares e das classes trabalhadoras. Posição antagónica duma eficácia teórica e prática, para romper este colete de forças anti-democrático, prenunciador de todos os fascismos.

Aleixo disse...

O Rui Tavares, como caiu do céu, nesta "coisa" da democracia representativa, não percebeu que estava a andar ao colo. O Rui Tavares, achava que democracia é

o convite, o lugar e as inerências.

Esta "coisa" da democracia representativa, tem uns donos (!),
que já se escapuliram ao julgamento popular, aparecendo no patamar nos nomeados... não se sabe por quem!

Este patamar de nomeados - cosmopolitas de outro gabarito ! - enchem a boca com democracia mas,
relegam o Povo Soberano, para um papel de indigente inimputável, nacionalista, atrasado mental, a necessitar dos préstimos da sua magnânima lucidez e racionalidade.
O Rui Tavares...também queria!

Jose disse...

O nacionalismo de esquerda é um dos fundamentos do marxismo a que o leninismo acresceu pérolas comoventes de fervor patriótico sempre que lhe ameaçaram o poder.
O patriotismo de esquerda que a rádio Argel praticou pela voz do nosso bardo menos alegre, é outra página heroica de devoção à Pátria.
A demarcação constante e arrojada face ao imperialismo soviético, que nem rublos nem arengas internacionalistas conseguiram demover, é outro facto glorioso daqueles a quem a infâmia fascista chamava 'agentes soviéticos'.

Uma história gloriosa a do nacionalismo de esquerda; e tive até o privilégio de testemunhar pelas palavras sentidas de um capitão de abril que proclamava orgulhosamente ter o avô desertado das forças expedicionárias da 1ª GG.

Óbviamente que nacionalismo e patriotismo são conceitos não isentos de uma apreciação dialéctica que, bem ponderadas as circunstâncias, sempre podem ser adequadas à fase da luta contra o imperialismo, o capitalismo, para a libertação dos povos explorados e para a condução da revolução proletária.
Ora muito bem!

Anónimo disse...

Já pensaram no tempo que levou a se criar este Estado-Nação chamado Portugal e dos sacrifícios deste Povo para o manter intacto ate hoje? Pois pensem bem… Como hoje, sempre houveram Migueis de Vasconcelos dispostos a vender a alma ao diabo e a trair tudo e todos por 30 moedas…
Até 1956 (adolescente) tinha uma noção de ser português. Hoje, passados 60 anos, com algum conhecimento adquirido e mais desenvolvido, e, com militância antifascista sempre activa, essa noção de ser português foi-se encorpando e´ agora muito mais forte e límpida. Mesmo la´ longe onde o sol castiga mais lembrava a minha terra, a Moita. O Tejo e o Farol do Bogio na Barra. Lembrança das gentes, principalmente das moçoilas trigueiras. Como e´ bom ser português dos quatro costados…
Só que hoje os M.V. são mais refinados, eles ate estudam sociologia/psicologia de massas e tudo o mais para levar o povo ao engano…e toca de açanar com o ouro, com o dólar e ate são capazes de matar como aconteceu ontem na Velha Albion. De Adelino Silva

Anónimo disse...

"O nacionalismo de esquerda é um dos fundamentos do marxismo a que o leninismo acresceu pérolas comoventes de fervor patriótico sempre que lhe ameaçaram o poder?"

Este tipo está perturbado.
Ou então, que diacho, o ex-fervor patrioteiro com o seu actual condimento de vende-pátrias perturba-lhe o argumentário e tolda-lhe o raciocínio.

Imagine-se que até vai dar uma volta aos agentes soviéticos e ao Alegre. A extrema-direita tem destes arrufos.

Mas está a modernizar-se.Agora prefere o uso do enunciado em alemão. Ou em qualquer outra língua do uso pelo grande Capital.

A que se presta um tipo para esconder esse percurso entre o patrioteiro rasca e o imperialista globalizador

Anónimo disse...

A propósito dum post notável de João Rodrigues, publicado a 13 de Junho deste ano "Exit, Brexit, Lexit " o sujeito das 15 e 29 iniciava assim um seu comentário:

"O internacionalismo da esquerda foi bandeira enquanto esteve ao serviço de uma potência global..."

O disparate era tanto que, após a sua devida desmontagem, mais não restou ao dito sujeito que a retirada. Em silêncio e pela direita baixa.
http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2016/06/exit-brexit-lexit.html

Agora depois de ter "aprendido" que por aí não ia a lado nenhum, volta-se o das 15 e 29 para o lado "nacionalista" da questão. Também mais uma vez como tentativa de corrigir a tolice maior duma frase assassina :" nacionalismo não requer argumentos e dispensa largas doses de racionalidade". Eis que agora é o que aqui está a fazer a arranjar "argumentos" e a dispensar a sua dose de racionalidade.

Pelos vistos os puxões de orelha valem a pena

Anónimo disse...

Claro que os temas se repetem num caso e noutro: são os soviéticos e são os agentes soviéticos e é o poder ameaçado. Mas é também o tal capitão que manda para as urtigas a fúria patriótica do das 15 e 29 (agora como se sabe convertido em soldadinho de chumbo dos vendilhões da pátria).

Percebe-se a perturbação face ao carácter verdadeiramente revolucionário da luta dos povos pela sua independência nacional. Exemplo maior serão os movimentos de libertação colonial e a libertação ( incompleta, muitas vezes, é certo)dos povos sob o jugo do imperialismo e do colonialismo.Algo que deve constituir ainda um autêntico pesadelo para um assumido colonialista.

Por isso não é de admirar os "soviéticos e o poder ameaçado e os agentes e o privilégio e o avô e Argel e a devoção à pátria".

Ora muito bem. Perdão ora muito bem!

Jaime Santos disse...

Tentar calar alguém que argumenta de modo válido pelo Lexit imputando-lhe uma quota de culpa na morte de Cox é monstruoso. Agora, lembrar que quem assim o faz se engana no adversário principal, João Rodrigues, isso é perfeitamente válido. É que o adversário principal não é, ou não deveria ser, o neoliberalismo ou o processo de construção europeia. O adversário principal é o fascismo e se amanhã o Brexit vencer, não será pelo Lexit, e os eurocéticos de Esquerda acordarão na Sexta com Johnson, Farage e a Ultra-Direita Tory no poder na Grâ-Bretanha. Não esquecer aliás que se isso acontecer e processos semelhantes se iniciarem no resto da Europa, seremos confrontados com um regresso forçado de muitos e muitos dos nossos emigrantes o que será uma tragédia que certamente gerará fenómenos de populismo e xenofobia em Portugal. A velha toupeira também tem destas coisas. Como é que se diz 'e depois queixem-se' em Inglês? Para que a Esquerda se lembre que já estivemos aqui: http://esquerda-republicana.blogspot.pt/2016/06/a-pulsao-de-morte.html