domingo, 19 de junho de 2016

Contra o vírus liberal, pela escola pública, pela provisão pública


Dezenas de milhares de pessoas manifestaram-se ontem em Lisboa em defesa da escola pública. Aproveito para deixar aqui mais um excerto do artigo que escrevi para o Le Monde diplomatique - edição portuguesa deste mês sobre as batalhas educativas que temos de continuar a travar:

Dir-nos-ão que o cheque-ensino não é a discussão. A verdade é que se há algo que esta batalha tem revelado é como muitos liberais, dominantes hoje no PSD e no CDS-PP, reconhecem que os contratos de associação nunca passaram de um instrumento, tosco e vulnerável, mas ainda assim um instrumento, para criar o hábito de separar o financiamento, público, da provisão, privada, organizando politicamente, e de forma progressiva, um capitalismo educativo, culminando na institucionalização do cheque-ensino. Pela sua própria designação – movimento em defesa da escola ponto – a expressão de massas possível destes interesses capitalistas educativos pretende precisamente ofuscar a diferença entre formas de organização do sistema de provisão, públicas e privadas, para melhor fazer o que está mais do que teorizado na economia política neoliberal: reconfigurar o Estado para o colocar ao serviço da institucionalização de uma prática e de uma cultura de mercado adaptada às especificidades sectoriais.

Mostrando como a originalidade está sobrestimada num movimento ideológico que vive muito da replicação nacional de ideias que circulam internacionalmente, o PSD de Passos Coelho já tinha dado o fôlego programático possível, bem para lá da educação, ao chamado Estado-garantia, o tal que financia, mas que não provisiona necessariamente certos serviços ditos de interesse público. Este intervencionismo de mercado, que mobiliza sempre um Estado, idealmente suportado por poderes públicos supranacionais pós-democráticos, é o inimigo. Este é o vírus liberal na sua potente reincarnação neoliberal. Este vírus espalha-se na educação sempre que subsidiamos, seja através de contratos, seja através de benefícios fiscais, as moralmente distorcidas preferências elitistas das famílias em matéria de educação privada. Estas têm externalidades negativas para o conjunto da comunidade, por exemplo através da criação de barreiras de classe cada vez mais intransponíveis.

Mas este vírus espalha-se também sempre que descuramos as relações sociais subjacentes à provisão. Isto acontece quando os trabalhadores da educação e os seus sindicatos são tratados como alvos abater, fazendo-se convergir as relações laborais na esfera pública com a maior desigualdade e precariedade que campeia na privada. Isto também acontece quando a lógica cooperativa dos mecanismos democráticos de gestão colegial das escolas é substituída pela lógica do comando empresarial, na figura de um director todo-poderoso, associada à perversa promoção da concorrência entre escolas.

Esta última tendência é igualmente favorecida pelo perigo da crescente municipalização do ensino público no nosso país. A escola, mesmo que formalmente pública, tenderá assim a ficar refém de directores pouco escrutinados e da lógica clientelar de muitos municípios. Em conjunto poderão ter no futuro poder para contratar e despedir pessoal docente e não-docente cada vez mais precário.

O vírus liberal emerge também na selecção e exclusão dos alunos pelas escolas públicas, imitando as práticas das escolas privadas, de acordo com o capital económico e cultural das famílias, determinante no sucesso escolar, ou com as necessidades dos alunos. O reforço da uniformização das escolas – escolas para ricos e escolas para pobres –, num país desigual e com taxas recorde de pobreza infantil, tem de ser travado através de batalhas em múltiplas frentes.

A potência do vírus liberal está na sua capacidade mutante, na forma como se adapta aos vários sistemas de provisão sem perder a sua natureza. As parcerias público-privadas na saúde ou o cheque-dentista são outros tantos exemplos, desta vez no sistema de provisão de saúde, deste vírus, aí ainda mais potente pelos lucros poderem ser ainda maiores.

As esquerdas que queiram ganhar os debates em torno dos sistemas de provisão de saúde, de educação e de outros não podem perder de vista o projecto global subjacente ao neoliberalismo, recusando a ilusão da liberdade de escolha que alimenta todas as desigualdades. Isto exige argumentos à altura do inimigo. Todas as batalhas têm de ser mesmo educativas.

12 comentários:

Anónimo disse...

Toda a informação sobre o assunto em

http://otempodascerejas2.blogspot.pt/2016/06/dizem-que-e-um-jornal-de-referencia.html

http://otempodascerejas2.blogspot.pt/2016/06/e-quanto-estes-dn.html

http://jugular.blogs.sapo.pt/o-misterio-dos-2-000-desvendado-3926500

Jose disse...

«A potência do vírus liberal está na sua capacidade mutante...»

Ora isso nós não queremos! Bom salário e sossego é fundamental para o sucesso do que é esfera pública!

Os infectados com o vírus liberal que se virem para pagar os impostos que sustentam a provisão pública! Essa é a utilidade dessa potência, em tudo o mais a regra é uma só: onde entra o público e a sua exigência de asséptico ambiente, toda a virose é não provisionada com os impostos que pagou.

Virá o dia em que se extinguem as mutações víricas e seremos felizes para sempre.

Anónimo disse...

Muito bom Texto. Excelente texto

Parabéns ao seu autor

Unknown disse...

Onde se misturam mais as crianças de váriadas classses sociais ?
Onde fica o ensino mais barato ao erário publico ?
Onde são as direcções escolares menos competentes e actuantes ?
Onde gostam as familias e alunos mais de estudar ?
Onde defendem mais e escrutinio e valorização dos resultados reais ?
Onde pagam os contribuintes somas enormes em "despesas" várias, de manutenção, construção de escolas,direcção escolares, viagens, congressos, ajudas de custo...?

Quem gosta de factos mais que talibanismo politico faz bem em encontrar respostas e mais perguntas pertinentes.
Se já decidiu por credo que é melhor a escola "publica" nossas esqueça.

Anónimo disse...

O bom salário e o sossego é coisa algo revoltante.

Destinado aos tais. Ao 1%.
Ao António Borges por exemplo.
Perante os ganhos multimilionários do Borges, perante a indignação com os ganhos de 225 mil euros livres de impostos, o que dizia este das 16 e 23 defendendo o neoliberal sem escrúpulos:
"Ganhou na bolsa? Roubou? Foi a votos?
Ninguém quer ver que quem se dá ao TRABALHO de aprender, e de lutar para ganhar posições, e de se afirmar ao ponto de poder gerir contactos ( o que não é pouco trabalho), pode legitimamente ambicionar um retorno".

O retorno para uns e para os outros.E o sucesso.

Anónimo disse...

Os impostos é outro capítulo de relevo.E os benefícios fiscais.

A frase escrita: "Os tais infectdados que se virem para pagar os impostos"

Sério?

Ora vejamos como o dito autor desta frase tentava justificar o não pagamento de impostos pelo seu António Borges, um tipo que devia ter sido julgado pelos crimes praticados:
"Livre de impostos NÃO é isento de impostos!!!"
( esqueça-se o tom melodramático e um pouco histérico dos pontos de exclamação)

Mais um que viria para a sua agenda dos coitadinhos...

Anónimo disse...

Mas sobre os impostos, quanta hipocrisia. Ponhamos Jose a falar com Jose, mas numa diferente fase da governação e da sua acção blogueira.

"Se enganou (Soares dos Santos) alguma vez o fisco - o que é muito provável - não lho levo a mal, porque conhecendo que no destino dos impostos se inclui o sustento de muito corrupto e muita malandragem, tenho-o por medida de legítima auto-defesa".

Os impostos? isso é para os outros que não os que necessitam de receber o seu retorno pelo risco corrido. Tal como os benefícios e os perdões fiscais têm endereço acoplado

(Os impostos têm sido mais um processo usado na concentração do capital. Muito há que dizer aqui. Mas por enquanto que não se deixe passar esta fantochado dos "infectados" a pagar os impostos quando é o grande capital que foge aos ditos e que vive à custa da exploração dos demais).

Anónimo disse...

As primeiras cinco questões levantadas pelo Cristóvão têm uma resposta fácil: Na escola Pública

A última questão tem duas vertentes:
Onde pagam os contribuintes somas enormes em "despesas" várias? Nas escolas com contratos de associação
Onde pagam os contribuintes somas enormes de manutenção, construção de escolas,direcção escolares, viagens, congressos, ajudas de custo...? É um chorrilho de dados dispersos que revela o enviesamento desonesto que ronda aqui.

Quem gosta de factos mais que talibanismo politico ( praticado pelo Bush?) faz bem em encontrar respostas e mais perguntas pertinentes.Já está dada a resposta
Se Cristóvão já decidiu por credo, então não esqueça. Vá aprender e deixar-se de coisas feias como essa do "talibanismo"

Anónimo disse...

Onde são as direcções escolares menos competentes e actuantes ?

No privado

E a resposta está também no texto

Anónimo disse...

até metem dó este cristovão de cérebro anão mais o cagalhão zé
um, perante os factos vem com a k7 hipócrita e raivosa do sossego e bom salário
outro, com perguntinhas da treta que estão respondidas há muito

coitadinhos
nem padres são da Igrejinha liberal
são apenas uns acéfalos portadores de velinhas, tragadores desmiolados de hóstias, larápios da caixa de esmolas

até mete pena ver os argumentos destes dois paspalhos
de facto, não fora terem a comunicação social deste país a propalar mentiras e formatar mentes estavam desgraçados
não os safa a lógica, não os safa a História nem a filosofia, não os safa a estatistica, não os safa a Ética
só os safa a mentira, a manipulação, a corrupção e a ignorância
Salazar não era parvo
controlava a imprensa e as taxas de analfabetismo eram o que se sabe
ainda hoje em dia há gente ignorante que diz que no tempo de Salazar não havia corrupção e que a PIDE era uma polícia comum
os cagalhões zés estão sempre na linha da frente nestas tentativas de revisionismo histórico propalando frases feitas e apelando ao primarismo das gentes
os cagalhões zés não são inocentes

Unknown disse...

Na selecção e exclusão de alunos pela escola publica ? isso é mais lero lero ou é alguma maldade que eu nunca vi ?
Assisti na escola publica a retirar as turmas aos bons professores,dando-lhes outras, para que seja impossível de seguir as diferenças de resultados; presumo que hoje já não seja necessário isso, porque se acabou com qualquer escrutínio.

Anónimo disse...

Assistiu?
Eu também assisti. a muita coisa E já que estamos a falar em histórias pessoais, aqui vai uma com os personagens identificados.

-"Dois alunos do 12.º ano da Secundária de Valbom (Gondomar), última classificada do "ranking" em 2015, venceram um concurso de Matemática na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), ganhando bolsas de estudo". Os rankings e as trafulhices que ocultam postas assim em causa?
-"Pagou do seu bolso os 14 euros da viagem de autocarro que o obrigou a sair da cama às 06.00 de sábado para uma viagem de quase três horas até Vila Real". Onde está a falta de ânimo e de arrojo" citada aí em cima, mais o nojento "fazer-se à vida" de Passos?
-"Inseridos no mesmo concelho onde um dos colégios que viu cessado os contratos de associação, os alunos optaram por se manter na escola pública apesar dos convites do privado". Cita-se "prefiro mil vezes continuar na escola pública. Acho esta escola fantástica" Quem tenta saquear o publico é o privado desde logo com a selecção dos seus alunos.
-"Pedro Machado concorda com o final dos contratos de associação tal como concorda que haja possibilidade de escolha pelos pais da escola onde o filho estude "mas daí a serem os contribuintes a pagarem uma escola privada, isso não. Se os querem lá, que paguem do seu bolso".Aqui resumidamente muito do que se tem aqui comentado
-Mais discurso directo:"Tenho orgulho em frequentar a escola pública e o ranking não é uma realidade, mas apenas números e no Colégio Paulo VI só lá entra quem tem as melhores notas, daí a sua boa classificação no ranking", sublinhou Pedro, acrescentando a Cátia: "Aqui todos têm a mesma oportunidade".
-Filipa Silva, que quer seguir Bioquímica e é aluna do 11º ano, defende "a valorização da escola pública" e diz que "não são os rankings que fazem as escolas"