sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Um certo cheiro a anos 30


Para vencer a crise em que mergulhámos, grande parte da nossa elite intelectual e política defende a urgência de mudanças institucionais e da política económica europeia rumo a um estado federal. Independentemente da maior ou menor viabilidade política dessa posição, entendo que esse caminho não serve o desenvolvimento do nosso país e até aumenta o risco de implosão da UE.

De facto, os federalistas não fazem um diagnóstico completo da natureza da crise em que estamos mergulhados. Desde logo, passam frequentemente ao largo da sua dimensão económica para se centrarem na financeira. A crise das dívidas na periferia europeia foi causada pelo facto de estados-nação com muito diferentes níveis de desenvolvimento terem abdicado das respectivas moedas e bloqueado os restantes instrumentos de política económica. Sem estado federal, mais cedo ou mais tarde chegar-se-ia a uma situação de crise por endividamento insustentável: as economias mais competitivas criariam excedentes comerciais e as menos competitivas a sua contrapartida, défices externos financiados por dívida privada. Num contexto de financiamento exclusivo do Estado através dos mercados financeiros, o contínuo aumento relativo das dívidas públicas foi sobretudo uma consequência da estagnação imposta pela moeda única.

Quem vem agora defender a necessidade de um orçamento federal, capaz de realizar transferências dos estados ricos para os pobres, está de facto a propor que Portugal se torne definitivamente um estado federado pobre, permanentemente assistido. Com efeito, sem política económica própria, sem quadro institucional para executar uma estratégia de desenvolvimento, Portugal apenas aprofundaria a dinâmica da última década. Perderia definitivamente os sectores mais dinâmicos da sua população, aprofundaria a desindustrialização, manteria os serviços mal pagos, recuaria para o turismo barato. As transferências apenas serviriam de amortecedor social. Os que sonham com uma economia portuguesa acolhedora de investimento estrangeiro inovador, também produtora de serviços intensivos em conhecimento, estão a esquecer que ambos dependem do prévio desenvolvimento industrial do país. E não há industrialização sem política económica desenvolvimentista, como mostram as estratégias dos BRIC e a história das economias mais desenvolvidas. Em suma, mesmo que politicamente viável, um orçamento federal não resolveria as causas profundas da presente crise.

(Parte do meu artigo no jornal i)

2 comentários:

fec disse...

não me parece que as duas coisas sejam incompatíveis

Harmódio disse...

Relembro para os mais esquecidos que os europeístas (federalistas ou não – é mais uma questão de timing que de principio e trouxe-nos a este ponto onde estamos de joelhos perante os nossos “parceiros” europeus) incluem todos os partidos do autodenominado “arco governativo” que, talvez devido à sua decomposição interna, tenham perdido a memória relativamente a tudo o que aprovaram e legitimaram ao longo de décadas (e por extensão os seus eleitores). Portugal parece fecundo em gente “esquecida”.