quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Escrutínios há muitos

Fala-se muito da ausência de alternativas. Pois bem, o que é que faz a generalidade da comunicação social quando surge um documento como este? Corrijam-me se estiver enganado, mas julgo que o relatório produzido pela Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida foi recebido com estrepitoso silêncio. E, no entanto, trata-se de um documento com mais de cem páginas (isto talvez possa explicar o atraso no escrutínio, espero), que apresenta uma “narrativa” clara, como agora se diz, das origens da crise da dívida externa que não é soberana e da captura do Estado por vários interesses e que contém um roteiro para uma reestruturação séria e a sério da dívida.

Coisas certamente de pouco interesse, muito menos agora que Portugal começa a regressar aos “mercados”. Na realidade, o país continua entre a parede da condicionalidade austeritária, seja por via da troika ou futuramente “apenas” do BCE/CE e a espada de fundos especulativos, agora temporariamente eufóricos com as garantias dadas pela tal parede política pós-democrática que, à escala da zona euro, é absolutamente determinante na formação de convenções financeiras. Há um detalhe que ameaça esta nova convenção: a abismal diferença entre taxas de juro positivas e um PIB em contracção intensa não mudou e garante que a reestruturação da dívida e tudo o que se lhe segue continuam a ser de um rematado realismo. Por agora, a austeridade recessiva e regressiva consolida-se, até porque se difunde a ideia de “que há quem tenha tido confiança na recuperação económica e financeira pelo caminho da austeridade que estamos a seguir” (Helena Garrido).

Ao contrário do que li ontem, a recuperação da soberania não está obviamente mais próxima, bem pelo contrário: basta olhar para Espanha, com uma taxa de desemprego recorde de 26,6% sem troika, mas com toda a austeridade, basta olhar para toda a estrutura de constrangimentos de uma moeda feita à medida do desenvolvimento do subdesenvolvimento periférico e em que as elites europeias continuam a apostar, garantindo todas as vitórias políticas do projecto ideológico de Gaspar e seus aliados na finança e nos grandes grupos económicos. De resto, pelo menos numa coisa concordo com Garrido: “Portugal vai ser agora ainda mais escrutinado do que no seu passado recente”, se por escrutinado entendermos condicionado e comandado pelo exterior e por aqueles que por aqui servem de sua correia de transmissão. A política interna da periferia é determinada externamente, embora os hábitos de pensamento ainda não tenham integrado inteiramente uma dimensão que, se não resolutamente enfrentada, nos garante derrotas sem fim. No fundo, na periferia nada de novo.

4 comentários:

Aleixo disse...

Estes instalados no poder que travam,filtram,deturpam e subvertem a vontade e interesse dos povos, apoiados num sistema de "democracia representativa" (...apresentado como fatalidade incontornável ! ) possuidor de uma inércia "colossal"á mudança - assegurada pela inacessibilidade de agente externo, aos instrumentos de mudança - terão de ser indiciados, por traição ao POVO.

Daniel Ferreira disse...

Não sendo economista (apenas econimizado!), parece-me que pode-se pensar em reestruturação da divida E regresso aos mercados como ferramentas complementares. Há alguma gente por aí a apresentá-las como soluções opostas (caso da Grécia).

Reestruturação da dívida (divida soberana), principalmente nos casos apresentados deve ser pensada após se mostrar que se consegue regressar aos mercados (na sequencia de austeridade necessária, pese embora que nos teve que ser imposta).

Ou seja, a nossa "tia" rica alemã só nos volta a emprestar dinheiro (mercados) se mostrarmos que não vamos comprar LCDs outra vez (PPPS e etc) e que o vamos usar para comprar uma caixa de ferramentas para trabalhar (reindustrialização, baixa IRC, crédito empresarial), talvez até nos perdoe parte do que nos emprestou antes.

Como leigo que sou, corrija-me se estou errado, sff

Anónimo disse...

Ainda não li o relatório (são 100 páginas ...) mas creio que falta uma coisa básica num documento deste calibre. A data de publicação e convinha que fosse nas 1as páginas.

Outra ainda mais básica: Que tal um link na própria página
http://auditoriacidada.info/

Cumprimentos.

António disse...

Sim no fundo, nada de novo, tudo igual.Vivam as élites que passam por povo.