segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Querem mesmo imitar a Irlanda?

Olhem para este gráfico sobre a situação das finanças públicas irlandesas. Será que os moralistas das finanças públicas nacionais têm a lata de dizer que na Irlanda se deu um surto repentino de “despesismo” e tal? Enfim, o crescimento económico, tirado por uma brutal bolha imobiliária e por um modelo fiscal regressivo, assente no aligeiramento da carga fiscal sobre as empresas e sobre as pessoas, parte da famosa concorrência fiscal promovida pela ausência de coordenação na UE a este nível, provou ser ilusório e insustentável: o endividamento privado intenso criou a folga pública até à crise e parte do PIB consistiu em lucros que as multinacionais aí convenientemente registavam. Todo um modelo. Ainda há pouco tempo, todos os economistas neoliberais nacionais que eu ia encontrando por aí olhavam para a Irlanda com enlevo: imitem a Irlanda ou tornem-se um museu, bradava Thomas Friedman, seu herói, o das profecias de um mundo que supostamente seria plano. Viu-se.

Agora a Irlanda está a ser pressionada a recorrer à “ajuda europeia”, eufemismo para um fundo mal amanhado e destinado a impor mais sacrifícios às populações das periferias. Portugal é arrastado no turbilhão da especulação. O colapso do sector privado, em especial do sector financeiro irlandês, gerou os brutais défices públicos. As políticas de austeridade irlandesas, pioneiras e intensas, tão elogiadas pelos Mira Amarais que quase monopolizam o debate público – “tiraram a Irlanda dos radares dos mercados”, lembram-se? – acentuaram o colapso e deterioraram ainda mais as finanças públicas. O “flexível” mercado de trabalho irlandês, que faz sonhar os economistas seguros do Banco de Portugal, assegura um desemprego que já vai nos 14%. Perfeito.

Já agora: alguém me explica como é que os cortes dos rendimentos gerados pela austeridade aumentam a poupança? É sempre mais complicado: tudo o resto constante, o esforço do sector privado para reequilibrar os seus balanços gera correspondentes défices públicos e o esforço do sector público para reequilibrar o seu balanço gera correspondentes défices privados. Quem cede quando a economia colapsa? A Irlanda promete continuar a ser uma lição conjuntural e estrutural sobre as consequências da aplicação de todas as utopias neoliberais. Leiam o que Sandro Mendonça e Henry Farrel, a quem roubei o gráfico, escreveram sobre o milagre irlandês antes e depois da crise. Agora, e só para piorar, estamos perante a miopia de Merkel e de uma UE – leia-se o editorial de Helena Garrido – que agem como se só quisessem ver as periferias a arder. Isto vai acabar como sempre acabam as utopias liberais: mal.

3 comentários:

Guillaume Tell disse...

Fazer afirmações sem estar totalemente informado é uma prova de estupidez: o défice de 32% explica-se em grande parte por causa do facto de o país ter sido obrigado a salvar um banco (enorme por sinal, o Anglo Irish Bank tinha concedido empréstimos no valor de 73 mil milhões de euros, metade do PIB irlandês, fonte Visão).

"Isto vai acabar como sempre acabam as utopias liberais: mal"
Hein???
Mas então o 25 de Abril foi um erro(pois liberalismo quer dizer muita coisa)? A China reduziu as suas taxas de pobreza durante o maoismo?...

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Carlos disse...

Os cortes na despesa que a Irlanda fez eram necessários, porque efectivamente andaram a gastar mais do que deviam sob a ilusão de riqueza que no fundo não estava lá.
E quando se gasta mais do que se tem.. depois há que gastar menos do que se tem para pagar as contas. E essas teorias que o que é bom para 1 não é bom para todos porque dá em recessão.. desculpem mas não caio nessa. Por mais teorias que apresentam.. por mais estudos que me mostrem, isso simplesmente não faz sentido. Faz tanto sentido como os neoclássicos que estudam a economia com base em pressupostos totalmente irreais (e nesse aspecto até concordo com o que se diz neste blog). Aumentar a dívida pública com mais despesa só funciona enquanto o estímulo está lá.. quando acaba, la vai o balão de oxigénio e volta tudo á estaca zero. E entretanto, mais uma oportunidade perdida para re-estructurar negócios, sectores e trabalho. E o monstro da deflacção também não me assusta. Os preços devem significar algo.. Não são só uma etiqueta com um número e andar a tentar suportar preços que não têm fundamentos económicos só para criar inflação acabou sempre mal.

Para além disso, o problema da Irlanda foi ter anunciado que iria garantir os bancos, isto ainda em 2008. Agora têm o bébe nos braços e os accionistas e credores dos bancos é que saem a rir.
Mas a dívida continua lá toda e este é o problema. Se não se limpar a dívida "podre" do sistema vamos continuar a chutar a bola prá frente.

Novas Extravagâncias disse...

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