quarta-feira, 3 de julho de 2024

Dividir

Este título e esta foto têm por intenção (ou, pelo menos, por efeito) alimentar a desinformação e o preconceito, já que todos os trabalhadores nas mesmas circunstâncias, independentemente da sua origem, têm a mesma dispensa.

Podemos, neste contexto, usar uma certa tradição da economia política radical norte-americana para ir mais longe. De facto, o capital pode alimentar, através dos seus aparelhos ideológicos, a xenofobia e o racismo, já que estes servem um capitalismo sem pressão salarial: tentar dividir a classe trabalhadora para reinar sem freios e contrapesos, no fundo.

Entretanto, em artigo no Le Monde diplomatique - edição portuguesa, já tinha alertado: tal como outros «perdócios» nesta área, o ECO serve de eco patronal.

terça-feira, 2 de julho de 2024

Poligrafar o polígrafo


Na versão inicial da publicação, a 21 de junho, o Polígrafo não tinha dúvidas: a frase proferida por Paulo Núncio na AR, segundo a qual «os socialistas já levaram o país três vezes à bancarrota», correspondia à verdade. Três dias depois, a 24 de junho, e muito provavelmente na sequência de reparos feitos pelos leitores, o Polígrafo corrige, reconhecendo «que um dos pedidos de assistência financeira do Estado Português, em 1983, não pode ser entendido como responsabilidade direta ou causado pelos “socialistas”», uma vez que esse pedido surge «na sequência de três anos de governação da Aliança Democrática». A frase de Paulo Núncio passa assim, e bem - no respeito pela verdade de factos que é suposto o Polígrafo assegurar -, de verdadeira a falsa.

Sucede, porém, que ainda há uma outra correção importante a fazer. A ideia de que foi o então governo socialista que levou o país a recorrer a uma assistência financeira em 2011, longe de ser inevitável, também não colhe, sendo impressionante como esta narrativa - que procura ofuscar a responsabilidade do sistema financeiro pela crise, convertendo-a, em termos de perceção pública, em crise das dívidas soberanas, para legitimar a austeridade -, suportada desde o início na comunicação social por um friso monolítico de economistas dispensados de contraditório, ainda persiste no espaço público.

De facto, como se procurou demonstrar por exemplo neste livro, a crise desencadeada em 2008 com o colapso do subprime nos Estados Unidos assumiu um impacto global, com particular intensidade numa Zona Euro disfuncional, obrigando os Estados a socorrer a banca e a conter os impactos da crise financeira na economia. E se num primeiro momento a Comissão Europeia aprovou um plano orientado para «evitar uma espiral de recessão e apoiar a atividade económica e o emprego», acabaria por impor a adoção de políticas de austeridade (como se a responsabilidade da crise fosse dos Estados), que apenas agravaram os problemas. Que isto ainda não seja hoje claro e cristalino é de facto espantoso. Como é espantoso que se continue a usar o termo bancarrota para descrever as finanças públicas de um Estado, como se este fosse uma empresa. Não é. Pode soberanamente decidir do seu destino em quaisquer circunstâncias. Existe para durar.

Serviço


Depois de prometer uma redução da semana de trabalho indolor nas primeiras 20 páginas e de nos aborrecer durante outras 160, Pedro Gomes assassina, sem cerimónias, a sua proposta. No final fica apenas uma obra que faz um desserviço a quem luta e lutou por condições dignas de trabalho (...) Ao ler o livro, fica claro que devemos olhar para Gomes como um veículo de medidas como a redução de salários, aumento da idade da reforma e aumento do horário diário - não de transformar a sexta-feira no novo sábado. 

Excerto de uma útil recensão na República dos Pijamas a mais um armadilha intelectual e política em que alguma esquerda caiu. 

segunda-feira, 1 de julho de 2024

Comunidade de destino democrático


“Espírito coletivo”, “memória coletiva”, “comunidade”: estas e outras palavras surgiram em testemunhos, ouvidos hoje na Antena 1, a propósito do falecimento de Fausto Bordalo Dias e para sublinhar os seus contributos musicais vivos. Ontem, faleceu o pintor Manuel Cargaleiro, o que “pintou a luz e viveu a cor” até ao fim. E as mesmas palavras podem ter surgido. 

Uma comunidade de destino democrático também foi, é e será forjada, reinventada, pelos seus melhores artistas. Contra a autoflagelação, que só dá munições aos inimigos da democratização da cultura e da cultura democrática, há fortes razões para amar os que amaram este país e as suas potencialidades, deixando rastos para outros, numa cadeia do tempo sem fim.