A propósito da publicação do 8º relatório da Comissão Europeia sobre a coesão económica (acessível
aqui), Elisa Ferreira notou que os países do Sul da Europa, nos quais se insere Portugal, “estão a estagnar e a ficar para trás”. A comissária portuguesa apontou uma razão para esta tendência: depois de “serem supridas as primeiras deficiências estruturais de investimento, nomeadamente através de investimentos em infraestruturas, os países acabam por estagnar numa espécie de alçapão de crescimento”. Embora os fundos europeus forneçam um impulso inicial, as economias tendem a abrandar e estagnar após atingirem níveis de rendimento per capita de 75% da média europeia – algo a que a Comissão se refere como a “armadilha de crescimento”.
Elisa Ferreira concluiu que, para alcançar crescimento de longo prazo, os países precisam de “acelerar a adoção e implementação dos programas da política de coesão para 2021-2027”. No entanto, por muito que o papel dos fundos comunitários não seja negligenciável, há bons motivos para pensar que não são estes que vão tirar Portugal da armadilha do crescimento lento.
1. Os fundos não evitam o declínio do investimento público
Há muito que Portugal tem aproveitado os fundos comunitários para substituir o financiamento nacional do investimento. No quadro financeiro de 2007-2013, estes fundos corresponderam a 34% do investimento público total no país, tendo passado para 52% no quadro de 2014-2020, o que fez de Portugal o país em que estes mais pesam no investimento público total. E a tendência tem-se acentuado: se olharmos para o período de 2015-2017, sobre o qual a Comissão disponibilizou
dados específicos, os fundos de coesão representaram 84,2% do investimento total em Portugal. Ou seja, o Estado recorreu ao estes envelopes financeiros para financiar a esmagadora maioria do investimento executado.
À direita, houve quem se apressasse a garantir que Portugal “anda de mão estendida” para a Europa. Mas não é isso que estes números nos mostram, já que os fundos de coesão são destinados sobretudo aos países menos desenvolvidos, que recebem proporcionalmente mais do que os restantes. A situação portuguesa reflete, acima de tudo, a enorme
quebra do investimento público nos últimos anos. A estratégia de contenção orçamental levada a cabo em nome do cumprimento e superação das metas europeias teve como principal vítima o investimento do Estado, que nos últimos anos esteve em mínimos históricos. A fixação com o défice zero é um entrave a uma verdadeira estratégia de desenvolvimento para o país.
2. Os fundos não nos tiram da armadilha do crescimento
Não é possível encontrar soluções para a estagnação sem um diagnóstico sério sobre os fatores estruturais que prendem a economia portuguesa e, de um modo geral, a periferia do sul da Europa (como o que tem sido feito por outros autores deste blog,
aqui,
aqui ou
aqui). A adesão ao Euro trouxe uma moeda
sobrevalorizada, que favoreceu as importações e encareceu as exportações para o resto do mundo. Outros fenómenos, como a entrada China na OMC e dos países de Leste na União Europeia, contribuíram para o declínio da indústria portuguesa face à concorrência internacional. Com a liberalização financeira e a equalização das taxas de juro à escala europeia, houve um enorme aumento do endividamento das empresas e das famílias. Ao mesmo tempo, a pertença ao mercado único retirou (ou restringiu fortemente) os principais instrumentos de política industrial, como a definição de tarifas aduaneiras, o controlo público de empresas estratégicas ou as compras públicas, além de restringir a política orçamental através da definição de limites para o défice e para a dívida.
O desenvolvimento da estrutura produtiva foi deixado nas mãos do mercado. Isso levou a que o investimento privado se tenha canalizado para setores como a construção, o imobiliário e, mais recentemente, o turismo e a restauração. O que estes setores têm em comum é o facto de serem considerados não-transacionáveis, isto é, produzirem bens e serviços que não se compram e vendem nos mercados internacionais. O mercado favoreceu estes setores por estarem menos expostos à concorrência internacional e, por isso, permitirem maiores lucros no curto prazo. Mas há outros aspetos que estes setores têm em comum: baixo potencial produtivo, baixa incorporação de conhecimento e tecnologia, baixos salários e precariedade laboral.
A excessiva dependência deste tipo de setores é o principal fator de fragilidade da economia portuguesa. Além de promover um modelo de crescimento assente em baixos salários, esteve associada a fenómenos como a especulação imobiliária e a gentrificação das principais cidades. A pandemia acabou por torná-lo mais visível, uma vez que afetou especialmente o turismo e a restauração e teve, por isso, um impacto mais acentuado nos países onde estes setores têm maior peso. Foi isso que levou a agência alemã
Scope Ratings a
classificar as quatro economias periféricas do Sul da Europa – Portugal, Grécia, Espanha e Itália – como as mais vulneráveis à crise pandémica, pelo elevado peso do turismo no PIB, pela prevalência do trabalho temporário e pelo peso relativamente reduzido da produção industrial.
Enquanto o papel do Estado continuar restringido pelas regras da concorrência e pelas metas orçamentais da UE, dificilmente conseguiremos sair da armadilha do crescimento lento em que nos encontramos. Nesse contexto, os próximos fundos comunitários têm tudo para desiludir os seus entusiastas.