segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Das miseráveis campanhas da direita contra o RSI

«Saí do Algarve sem trabalho e duas filhas, uma delas com síndrome de Down, e voltei para a casa da minha mãe. Tinha teto, água, luz, internet não, comida na mesa. Tinha os abonos das miúdas, uma bonificação por deficiência, da Clara, e a vida ia-se fazendo. Até que deixou de haver mãe em casa, deixou de haver comida na mesa, água e luz ia havendo, internet não, mas os abonos e a bonificação davam para a comida, e nós lá íamos continuando a viver. E fomos vivendo até a Francisca ir para a universidade. (...) Sim, eu já recebi RSI, e sim, nunca na vida fiz nada tão difícil, tão doloroso, tão humilhante. Nunca me senti tão frágil na frente de quem tinha a minha vida, e a das minhas filhas, nas mãos. O que se recebe não é uma esmola, é vida, é dinheiro que não tínhamos se não fosse isso, é o oxigénio de que se precisa, é um direito que quase temos vergonha de exercer, mas é um direito, e que continue a sê-lo, porque esse direito, tão malfalado, tão degradado, tão vilipendiado, permite coisas tão simples como ir ao supermercado comprar pão e leite, e permitiu, também, à Francisca, apesar de ter sido riscada do agregado familiar, terminar a licenciatura, mesmo que eu tenha tido de passar por gabinetes com portas estragadas e rogar por ele desvirando as tripas» (testemunho de Teresa São Miguel na Visão, a ler na íntegra).

Talvez assim, com testemunhos pungentes como o de Teresa São Miguel, se perceba melhor que a mais escrutinada de todas as prestações sociais (em média 3 ações de fiscalização por dia, entre 2015 e 2021) tem pouco ou nada que ver com a imagem que a direita, nomeadamente o Chega, mas também CDS e PSD, lhe tenta colar. O RSI abrange de facto situações sociais muito distintas, que não se esgotam nos casos - muito mais complexos e difíceis - de famílias desestruturadas e em que a pobreza se reproduz geracionalmente, com tudo o que isso implica.

Repetiremos, as vezes que for necessário, que o RSI responde às situações de maior pobreza. E que os seus beneficiários representam apenas 2% da população de um país com cerca de 2 milhões de pessoas em risco de pobreza (18%). Aliás, o RSI só abrange 11% deste universo de risco e apenas 1/3 do total de pessoas em privação material severa. Entre os beneficiários, 32% têm menos de 18 anos e 3,4% são idosos. Cerca de 11% trabalham e, ao contrário do retrato-robô traçado pela extrema-direita, apenas 3,8% pertencem à comunidade cigana. As verbas afetas ao RSI (cerca de 360M€ em 2018) representam 1,1% no total de despesa da Segurança Social (e 1,6% da despesa com prestações sociais). O valor médio mensal da prestação por família beneficiária rondava os 260€ no final de 2021.

O RSI é, na sua essência, um instrumento de inclusão que não se limita (nem se deve limitar) a «passar o cheque», antes requerendo um trabalho muito próximo de acompanhamento, orientado para a superação de obstáculos, problemas e dificuldades com as famílias (ao arrepio, portanto, de abordagens muitas vezes marcadas pelo paternalismo, caritativismo ou mesmo falta de empatia dos profissionais com as situações sociais em causa). E por isso do que menos precisa, quando as dificuldades de partida já são tantas, é da demagogia, da distorção e do oportunismo eleitoralista sem escrúpulos que a direita lhe dedica.

1 comentário:

Anónimo disse...


Concorda-se com o artigo. Já não se compreende a não utilização de informação estatística oficial - que é um bem público?