Jornal Publico, 18/2/2012 |
Já havia mais de um milhão de desempregados. Mas caso se contasse todos aqueles que, estatisticamente, não eram considerados desempregados, mas que queriam trabalho e não tinham procurado ou não estavam disponíveis na semana do inquérito, o desemprego atingia já 1,3 milhões de trabalhadores. Em 2013, no ano seguinte, seriam 1,49 milhões de pessoas.
No Parlamento, o então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho foi questionado sobre essa explosão histórica do desemprego. (Procurar aqui o debate integral, na data 18/2/012). Mas antes disso, fizera uma intervenção inicial sobre as reformas na administração pública que tinha em marcha e abordara o ponto da situação, traçando a reforma das contas públicas como essencial para o equilíbrio do país.
"Não só é necessário corrigir os desequilíbrios financeiros na ordem interna, desde logo corrigindo o défice público, mas também na ordem externa, corrigindo a balança de pagamentos, o nosso défice externo, e é importante também que se vão executando as reformas de fundo, as transformações relevantes na sociedade portuguesa que nos devem preparar para o «day after», para o dia seguinte ao da correção destes desequilíbrios, que não é um fim em si mesmo, mas um meio para nos permitir implementar em Portugal uma economia mais vigorosa e menos dependente dos subsídios públicos"
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
(...) Ora, são as reformas estruturais que permitirão a Portugal exibir um novo padrão de crescimento e que permitirão que, à medida que elas forem sendo executadas, os mercados, os agentes económicos, os investidores, portanto, mas também a sociedade, percecionem a nossa capacidade para regressar ao mercado e, numa base de confiança, garantam o financiamento da economia, e também da economia pública, de forma sustentável. Essa é a razão pela qual, muitas vezes ainda, na imprensa internacional, se observa esta questão: «os senhores estão a cumprir as metas que estão acordadas e, desse ponto de vista, são um caso de sucesso».
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — De sucesso?!...
Isto foi há dez anos! Até parece que estamos a ouvir a campanha eleitoral deste ano!
Foi a seguir à intervenção de Passos Coelho que o PS, pela voz de António José Seguro, falou de "falhanço de uma receita". "Quero perguntar-lhe, Sr. Primeiro-Ministro: o que é que falhou? (...) Segundo os dados, ontem conhecidos, há, em Portugal, à procura de emprego 1,2 milhões de portugueses — repito, 1,2 milhões de portugueses!"
As respostas do então primeiro ministro são por demais bizarras, embora imbuídas de um ideário liberal. Atente-se à falta de profundidade do diagnóstico da situação da economia portuguesa e, depois, sinta-se a semelhança com as promessas ligeiras dos actuais liberais:
(...) Este Governo sabe o que é que conduziu Portugal a esta situação. O desemprego não atingiu os valores que atingiu no final de 2011 por acaso...! Sabe o Sr. Deputado que o que a economia tem não é falta de liquidez nem falta de crédito?! O que a economia mais teve ao longo dos últimos 12 anos foi crédito e liquidez e teve desemprego e não teve crescimento económico. (...)
Onde é que já ouvimos isto?
É por isso que é importante fazer a diferença entre o que nos conduziu aqui com más leis laborais, que justificaram a precariedade e a degradação do emprego,...(Protestos do BE)... com o mau financiamento público, que conduziu a que a economia não crescesse como deve ser e que o Estado absorveu demasiados recursos que não estiveram disponíveis para a economia privada. Em terceiro lugar, porque mantivemos ao longo de todos estes anos uma economia que protegeu alguns grupos económicos e que não democratizou o acesso à economia, e é isso que este Governo está a fazer, Sr. Deputado!
Nada que os liberais de hoje não poderiam - novamente! - dizer... A vantagem de um diagnóstico errado é que se pode repeti-lo eternamente porque está... sempre actual. Errado, mas actual!
Ou seja, para os liberais, o problema do desemprego em Portugal estava, primeiro, na demasiada concessão de
crédito que invistiam onde não devia. Era, mais uma vez, a ideia do "vivemos acima das nossas
possibilidades". Essa ideia levou o Governo a condicionar o crédito, colocando problemas de tesouraria às empresas (que gritavam contra na concertação social que, nessa altura, era cilindrada pela agenda reformadora) e provocando - juntamente
com o aperto da procura, levado a cabo pelo rolo compressor de medidas recessivas, como o corte de subsídios de Natal - a um aumento do desemprego. Segundo, o problema estava no Estado porque roubara recursos que deveriam ter sido conduzidos para o sector privado. E o que foi feito nesse sentido? Cortou-se no investimento público como nunca se vira, provocando mais desemprego. Terceiro, estava nas "más leis laborais". que criavam precariedade.
Aqui, atenção. Recorde-se que as "más políticas laborais" que, de facto, criaram a "precariedade e a degradação do emprego" foram aprovadas - com os mesmo argumentos "técnicos"! - pelo PSD/CDS em 2003, no mandato do Governo Durão Barroso, com a criação do Código do Trabalho; e seriam aprofundadas em 2008 no mandato do Governo Sócrates, criando um edifício legal que, não só nunca foi posto em causa pelo Governo Passos Coelho/Paulo Portas, como seria ainda aprofundado a partir de Agosto de 2012, com medidas que forçaram a uma transferência de rendimento dos trabalhadores para os empresários, avaliada em mais de 3 mil milhões de euros por ano. Procurar neste link o 1º relatório "A economia política do retrocesso".
Jerónimo de Sousa do PCP voltou apontou precisamente essa contradição:Os dados do desemprego (...) são demolidores da retórica do Governo e da última reunião do Conselho Europeu: mais de um milhão de portugueses sem emprego! Mais de 35% jovens que estão desempregados! (...) a propósito de uma afirmação sua, Sr. Primeiro-Ministro, sobre as más leis laborais que foram aprovadas durante anos, creio que o Sr. Primeiro-Ministro está a fazer autocrítica, porque o seu partido tem uma grossa fatia de responsabilidade nessa matéria.
Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
Mas, tendo em conta as más propostas de legislação laboral que estão aqui, nesta Assembleia e que agora foram anunciadas também pelo Governo para a administração pública, isso significa um rebate de consciência, isso significa que vai retirar essas más propostas que estão aqui presentes na Assembleia da República e que o Governo anunciou?
Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
Esta é uma boa pergunta tendo em conta essa afirmação que fez. Explique lá a contradição, Sr. Primeiro-Ministro! Ou vai dizer que são boas leis para os trabalhadores as que estão aqui presentes?
Passos Coelho poderia ter dito que as reformas em curso tinham um fim estrutural: reduzir o peso dos salários na factura das empresas e na distribuição do rendimento. Por isso se estava a provocar uma recessão como forma de aumentar o desemprego e, com isso, forçar a baixa dos salários nominais. Por isso se estava a fechar a produção das empresas, como conforme de cortar nas importações. Por isso, se fechava o investimento público. E que, com isso, com esse modelo de baixos salários - o único possível para se ajustar os défices externos num ambiente de uma moeda europeia forte -, se queria fazer crescer a produção e a competitividade. A tal fénix renascida das cinzas, defendida por António Borges.
Mas Passos Coelho, nunca poderia dizer isso, porque já dissera o contrário - que não defendia uma economia de baixos salários. E, depois, seria algo indefensável, porque provocaria a fuga ... dos eleitores! Por isso, a direita liberal é sempre forçada a mentir!
Em vez disso, Passos Coelho, que não conseguira um diagnóstico muito claro na situação, evitou a contradição. As suas palavras, lidas dez anos depois, revelam o seu vazio. Tudo soa a falso porque, na verdade, se baseia naquela mentira que nunca foi assumida:
(...) o desemprego é, de facto, estrutural e isso significa que só uma agenda de transformação estrutural da economia portuguesa é que conduzirá o País à criação de oportunidades de emprego, de emprego que gostaríamos que fosse não precário, mas consistente com o crescimento sustentável. E isto é, Sr. Deputado, do ponto de vista do Governo, tão claro que não se percebe como é que o Sr. Deputado ao mesmo tempo critica a resposta e a agenda de transformação estrutural que deve conduzir ao crescimento da economia. Claro que eu perceberia que o Sr. Deputado tivesse um ponto de vista diverso, que dissesse que a economia pública é, por definição, geradora de emprego e de crescimento e, portanto, os senhores, em vez de fazerem a agenda de transformação estrutural da economia, de forma a apostar na iniciativa dos portugueses que não nas empresas públicas, seguem o caminho errado e apostam na estatização da economia. Mas, Sr. Deputado, qualquer modelo parecido com esse é gerador de pobreza sistémica insustentável. Portanto, esse não é o caminho do partido a que eu presido, nem o caminho que os partidos que apoiam este Governo e a maioria do povo português ao longo de vários anos têm escolhido. Esse não é o modelo, Sr. Deputado! (...)
O partido IL não diria melhor!
Passos Coelho disse ainda que a nova
legislação laboral "dará um contributo muito positivo para combater as
dificuldades". E responsabilizou os governos do PS, porque - como disse - a redução
estrutural do desemprego só poderia acontecer quando "a
receita socialista deixar de toldar a mente dos governantes". "Foi por
empurrar com a barriga e por sermos demasiados facilitadores que
chegámos a esta situação".
Mas passados dez anos, onde estamos?
O que foi feito de estrutural foi uma desvalorização salarial tão profunda que a própria direita já considera presentemente que os salários médios não pararam de descer e que se aproximam perigosamente dos salários mínimos. Mas nunca se estabelece uma relação entre a recessão, as normas legais aprovadas desde 2003 e o inferno de quem vive com tão pouco.
A as velhas soluções, já aplicadas por Passos Coelho, voltam a ser repetidas como vinho novo... embora servido por novas caras.
2 comentários:
Ainda o Passos. Que falta de futuro das esquerdas. Ainda não perceberam que perderam em toda a linha e são um anacronismo? Morreram com o socialismo, já fedem, e insistem em dizer-se vivos. Zombies ideológicos.
Caro anónimo,
Tem toda a razão. A direita ganhou em toda a linha desde que o FMI veio para cá nos anos 70 e 80. Mas então por que é que tudo está tão mal? Por que razão continuamos estagnados? Por que razão o fosso na distribuição do rendimento continua a ampliar-se? Por que é que mantemos os mesmos 2 milhões de pobres há mais de 3 décadas? Por que é que razão os nossos jovens bnão têm vida no país que não seja em pequenos serviços?
Se a direita ganhou em toda a linha, então não foi para o benefício de todos. Alguém está a ganhar com isso e não são todos portugueses.
E nesse caso, não sei quem é que cheira pior da boca... porque essa é a realidade que se vive há séculos.
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