No dia 15 deste mês um professor de Economia da Universidade Nova deu uma entrevista ao Público que nos diz muito sobre a natureza da teoria convencional hoje dominante. Começa por dizer que todas as teorias apontavam para a inevitabilidade da inflação ocorrer agora. Os elevados défices e os pacotes de ajuda desproporcionados (leia-se, em demasia) terão dado origem a um excesso de procura, segundo o professor. Acontece que não é verdade que todos os economistas tenham subscrito esta fábula. (ver Bill Mitchell).
Os economistas da Teoria Monetária Moderna desmentiram este raciocínio porque, olhando para a realidade, viram que os estrangulamentos nas cadeias produtivas, as perturbações na agricultura causadas pelo mau tempo, e a subida dos preços da energia, são problemas do lado da oferta. É na oferta que há pressão para a subida dos custos e sua repercussão nos preços (alguns aproveitam para subir proporcionalmente mais, quando têm poder de mercado), e não num excesso de procura como insinuam os economistas "sérios". Para estes economistas a realidade conta pouco e, quando não valida a sua teoria, passam adiante como se a realidade estivesse errada.
Depois, admite que os salários vão acompanhar a subida dos preços a que estamos a assistir, dando origem a uma espiral inflacionista (custos->preços->salários->preços). Onde está essa força negocial do trabalho para que se possa afirmar que "começamos a ter reivindicações salariais mais elevadas"? Onde está hoje a força dos sindicatos para que isso pudesse acontecer de forma generalizada a ponto de transformar uma subida de preços devido a causas temporárias (sobretudo energia, vamos ver o que acontece na Ucrânia) numa espiral que exigiria a intervenção do BCE? O mais certo é haver alguma subida de salários em profissões mais procuradas mas, no geral, perda de poder de compra dos trabalhadores acompanhada de lucros ainda maiores em empresas que aproveitam para subir os preços invocando a "inflação". Noutros tempos, para estas situações, havia uma autoridade que observava de perto e controlava os preços; hoje, estamos no (neo)liberalismo a que alguns se atrevem a chamar "socialismo".
Finalmente, o professor aponta para a medida de política que todos os especuladores do mercado financeiro exigem, a subida das taxas de juro. Notem como ele reconhece, implicitamente, que o juro é um preço político. Afinal, não são os mercados que fixam a taxa de juro, é o banco central. E agora pergunto eu: como é que a subida da taxa de juro resolve os estrangulamentos nas cadeias de produção? como é que a taxa de juro faz descer o preço da energia na actual conjuntura? Até há poucos dias o BCE também fazia esta análise mas ficou sob pressão político-ideológica para mudar de atitude quando se viu sozinho com este discurso. Vamos ver até onde vai porque em Frankfurt também se sabe que, deixando subir os juros da dívida pública, o que está em causa é a sobrevivência da Zona Euro num quadro de instabilidade geo-política na Europa. Notem que uma subida dos juros torna a vida das famílias e empresas endividadas ainda mais difícil neste tempo de pandemia.
De facto, a pandemia não acabou. Apenas estamos à espera de uma nova variante do vírus (não forçosamente mais benigna) já que ninguém quer ajudar a Índia, Brasil e África do Sul a produzir vacinas (só ganância). Assim sendo, subir os juros vai aumentar o crédito malparado nos bancos, vai adiar investimentos, vai produzir desemprego e ... vai aumentar os custos financeiros das empresas e, por essa via, alimentar a inflação que era suposto combater. Subir os juros só agravará a situação problemática em que nos encontramos.
Como brinde: a redução das compras de títulos de dívida por parte do BCE vai torná-los mais baratos, o que aumenta o juro implícito nas transacções (juro nominal fixado no título a dividir por um valor do título mais baixo dá um quociente - o rendimento % - mais elevado). Dado que é este rendimento que serve de referência para as novas emissões de dívida pública, sem a intervenção do BCE, a prazo teremos de pagar juros cada vez mais altos. Das duas uma: dentro de algum tempo os juros da periferia da Zona Euro voltam aos valores da crise 2010-2012 e então estaremos à beira do colapso da UE; ou, o mais provável, o BCE dá o dito por não dito e volta a comprar dívida pública e, portanto, faz baixar os juros. Que o mesmo é dizer, o BCE terá de manter uma medida que viola os tratados já que, na prática, está a financiar subrepticiamente os Estados-membros, em particular os da periferia Sul. Na Alemanha há quem não goste nada da eternização deste travão da crise.
E é isto, até que um dia os italianos se cansem de ser financiadores líquidos desta geringonça europeísta que afundou a sua indústria, ou a Alemanha entenda que já não ganha com este esquema. Ainda por cima, já não aguenta a mania federalista de Macron (a França a liderar a "potência Europa" porque tem poder militar atómico) e está farta de ser humilhada pelos EUA por se querer entender com Putin já que depende do gás da Rússia e é ali que está um bom mercado para as suas exportações. Na verdade, há muito que o eixo Paris-Berlim se tornou uma farsa, mas agora isso vê-se melhor.
Tempos interessantes, estes.
6 comentários:
As compras líquidas de dívida podem reduzir-se, até anular-se. Mas a dívida continuará a ser rolada, reinvestida. As taxas diretoras poderão ser aumentadas, mas muito moderadamente. A dívida na europa, pública e privada, é demasiado volumosa para permitir movimentos bruscos. Em termos médios, os juros pagos pelos estados continuarão baixos, ou mesmo muito baixos, nos próximos anos.
Esses economistas "sérios" são o novo Clero, quando o Clero mandava para a fogueira "bruxas" e quem dizia que a Terra gira em torno do Sol.
Tal como o velho Clero, este novo Clero da "economia" existe para servir a causa da classe dominante nada mais.
Realidade? Querem lá eles saber da realidade!
Estes "sérios" neoliberais economistas até são capazes de dizer "se acabarem com a NATO a hiperinflação é inevitável" ou "Se a UE/ Euro colapsar o chão abre-se e nós caímos num lago de magma!"
É a Rússia que vai invadir a Europa e acabar com a liberdade e a democracia, é a inflação galopante porque se anda a criar dinheiro do nada.
Vejam o panfleto europeísta de referência Público, parece que o fim do mundo está próximo!
As "elites" liberais estão cada vez mais desesperadas e opressivas...
Por outro lado, existiriam os tais estrangulamentos e subida dos preços energéticos sem um aumento substancial da procura?
Esta é uma questão relevante.
Nem é preciso ir às franjas académicas, embora se deva, com olhos de ver, são os próprios empresários, investidores e comentadores financeiros que se congratulam com os grandes ganhos, conveninentemente esquecendo-se que surgem de algum lado.
Será o Alzheimer contagioso? Desconfio antes que são priões, pelo contágio; resta saber se nestes, ou nos decisores políticos.
Percebe-se que depois do banho eleitoral que as Esquerdas levaram a 30 de Junho, o Jorge Bateira, que vê os portugueses virarem cada vez mais as costas às suas ideias, deseje uma espécie de 'unravelling' que lhe permita depois dizer 'I told you so'.
É o sentimento ressabiado do costume, que se não encontra rejeição da UE na opinião pública interna (as pessoas desde logo não se esquecem que se temos um excelente programa de vacinação, o devemos não apenas à organização do processo pelo SNS, mas às vacinas reservadas pela UE, seja isto justo ou injusto para o resto do mundo), espera que uma grande crise internacional ou uma eleição num dos grandes países, destrua a organização.
Se pudesse votar em França na próxima eleição presidencial, pergunto-me bem em quem votaria (não responda, a pergunta é retórica)...
Em resumo, a Esquerda que perdeu e voltará a perder e que em vez de se perguntar porque isto acontece sempre, prefere vitimizar-se e fazer queixinhas...
Jaime,
Vai haver ou não vai haver escalada de taxas de juro, e terão ou não terão consequências desastrosas?
O resto é fait divers de mau ganhador, talvez com medo do estatelamento das vacas.
Enviar um comentário