quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

O que vai acontecer à desigualdade após a pandemia?

Desde o início da pandemia, têm-se multiplicado as análises sobre as desigualdades sociais que a crise veio não apenas expor, como acentuar. A desigualdade começou por se notar entre os países, uma vez que as economias mais avançadas dispõem de mecanismos de mitigação dos impactos económicos que os países em desenvolvimento não têm. O elevado endividamento, a quebra do preço das matérias primas que exportam e a fuga de capitais em grande escala penalizaram os países mais vulneráveis, dificultando o combate à pandemia. A desigualdade também se fez notar dentro dos países, sobretudo na divisão entre quem tem a possibilidade de trabalhar a partir de casa e quem não o pode fazer. O peso dos trabalhadores mal pagos e precários nos setores mais afetados pela pandemia deixou-os mais expostos à perda de rendimento ou mesmo do posto de trabalho.

Ultimamente, tem-se dado mais atenção aos impactos da pandemia que poderão manifestar-se no longo prazo. Três economistas do departamento de estudos do FMI (Furceri, Loungani e Ostry) analisaram o impacto que as últimas pandemias mundiais tiveram na evolução da desigualdade e concluíram que o índice de Gini aumenta em média 1,5% nos cinco anos que se seguem aos surtos, o que, como notam os autores, é um impacto “grande, tendo em conta que este indicador normalmente move-se lentamente ao longo do tempo”. O mesmo estudo nota que a diferença entre a fração do rendimento que é canalizada para os 20% mais ricos e os 20% mais pobres cresce cerca de 2,5 pontos percentuais após as crises de saúde pública, já que as pessoas com menos rendimentos e menor nível de escolaridade têm maior probabilidade de perder o emprego durante a pandemia e maior dificuldade em recuperá-lo depois.

Outro estudo da mesma instituição, conduzido por uma equipa de economistas liderada por Furceri e Stuart, foi mais longe nas conclusões: historicamente, os países mais afetados pelo aumento da desigualdade após as pandemias anteriores foram aqueles onde a desigualdade já era maior à partida. Ou seja, não só a desigualdade tende a aumentar após as pandemias, como esse impacto é também desigual. O aumento do coeficiente de Gini (após impostos e transferências do Estado) a seguir a pandemias está associado a um crescimento mais acentuado das tensões sociais se o coeficiente inicial do país já fosse superior a 0,4 - o que acontece em quase metade dos países do mundo. Mas os autores do FMI não se ficaram por aqui e olharam também para os fatores que podem ajudar a combater esta tendência. Conclusão: o aumento da desigualdade após pandemias depende das medidas redistributivas que existem em cada país. Sem surpresa, um sistema de segurança social forte faz toda a diferença.

Em qualquer caso, a tendência verificada nas últimas pandemias parece estar a repetir-se: em países de baixos e médios rendimentos, cerca de 70% dos inquiridos por investigadores da Universidade de Berkeley reportaram perdas de rendimento nos primeiros meses da pandemia. Nos países mais pobres, muitas pessoas que já eram vulneráveis têm atravessado "dificuldades colossais" e poderão ser empurrados para a pobreza devido à ausência de "redes de proteção", avisam os investigadores. A pandemia pode deixar cicatrizes profundas a longo prazo.

É seguro afirmar que as pandemias e as crises que se seguem acentuam as desigualdades sociais. É por isso que os autores do primeiro estudo do FMI recomendam aos países que apostem na “expansão dos sistemas de assistência social”, na criação de “programas públicos de emprego para aumentar a oferta de oportunidades” e na “implementação de medidas fiscais progressivas”. Por outras palavras, a capacidade de resposta à crise depende de um Estado Social robusto, capaz de redistribuir os recursos disponíveis, e de um reforço significativo do investimento público, que permita planear a recuperação das economias e do emprego com base em critérios de justiça social e sustentabilidade ambiental. As escolhas orçamentais do presente vão ser decisivas para as próximas décadas. Até no FMI há quem o perceba.

3 comentários:

estevesayres disse...

tudo o que foi aqui descrito , já foi dito por muitos, mas como sabemos a "comunicação social" , só divulga o que o poder politico quer, e burguesia/capitalismo!!!
Por fim; a luta vai ser dura e prolongada contra o capitalismo...

Jose disse...

As análises sobre a desigualdade muito se ocupam dos ricos e dos pobres, mas o que raramente atentam é na progressiva diminuição da classe média.
A implementação de modelos de operação padronizados e sustentados em sistemas digitalizados, diminuiu drásticamente o número e a relevância de quadros intermédios anteriormente valorizados por factores de desempenho e confiança.
Um guarda-livros que era um alto quadro há um século atrás é hoje assalariado a pataco e meio.
No que ao nosso jardim à beira-mar diz respeito, a situação tenderá a agravar-se pelo estranho conforto que é encontrado na multiplicidade de competências valorizadas nas áreas ditas 'sociais' e a escassa reputação associada à competência diferenciada em áreas associadas aos processos tecnológicos de produção e de gestão de recursos.

JE disse...

Três notas:

-O tema da desigualdade é um tema que manifestamente aborrece, quiçá mesmo inquieta jose. Lembrar que há ricos e pobres e que são necessários muitos pobres para se conseguir um rico, fá-lo sentir-se nauseado, com a possibilidade das pessoas começarem a questionar sobre o assunto

-A "classe média" referida por Jose é, de certa forma, uma abstração. Mas o que se passa, se utilizarmos os mesmos conceitos de Jose, é que o que de facto assistimos é à sua proletarização. Curiosamente vem algo referido a esse respeito no Manifesto Comunista, de Marx e e Engels.

- Alguém que escreve isto: "pelo estranho conforto que é encontrado na multiplicidade de competências valorizadas nas áreas ditas 'sociais'" é alguém que ficou inapelavelmente amarrado aquele ensino grotesco do estado dito novo, que olhava para as áreas sociais com a desconfiança com que os grunhos olham para os avanços do conhecimento. Ficaram-se por incultos na forma de reflectir sobre o mundo, da mesma forma como ficaram amputados do conhecimento científico.

Foi de resto Jose que defendeu durante anos a fio o direito a um ensino baseado no "senso comum". Um ensino "confortável" para seres como jose

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