E aqui é necessário fazer uma pausa.
As jornalistas que assinaram em 2017 o artigo, designam o partido único fascista, não como União Nacional (que meses depois passou a ser Acção Nacional Popular), mas como... (nova pausa)... União Liberal!
Asneiras jornalísticas não são notícia. Só quem não foi jornalista não entende os diversos tipos de erros em que a prática jornalística incorre, e - talvez, na maior parte dos casos - sem intenção. Há erros por ignorância, por convencimento errado, mas também por uma simples associação de ideias ou de fonética, todos passando mecanicamente na revisão (quando a há!).
Neste caso, possivelmente, confundiu-se o nome do partido com a aquilo a que se chamou na altura a ala liberal da União Nacional, a que pertencia também Balsemão e Sá Carneiro, a qual, na verdade, também não era assim tão totalmente liberal.
Mas neste caso é por demais divertido. É todo um programa condensado num erro de duas palavras.
Começa por se chamar "Liberal" a um partido único e a um partido fascista. Soberba contradição que pressupõe - implicitamente - a mais absoluta tentativa de camuflagem, ao transformar uma ditadura num regime apoiado artificialmente num partido que se afirmaria... "Liberal", ou seja, precisamente no seu contrário.
Depois, essa mistura de conceitos pode acarretar um branqueamento político inconsciente da ditadura, ainda que não se perceba a partir de que associação de ideias. Será que lhes passou pela cabeça que, como Sá Carneiro e Balsemão estavam nessa ala liberal e - sabe-se lá porquê - são tidos como os "pais" da democracia, então esse partido não poderia ser o suporte político de uma ditadura fascista e, consequentemente, Portugal de 1969 seria afinal mais um dos países do Ocidente democrático e liberal? Afinal, o Portugal de Salazar pertenceu à NATO desde a sua constituição...
Finalmente e mais paradigmático, é a delícia de se misturar esses dois conceitos em termos económicos que, aparentemente parecem ser antagónicos, mas que na verdade produzem o mesmo efeito.
O antagonismo está no facto de o fascismo ser um regime fortemente condicionado, quando a teoria "liberal" visa a tentativa de reduzir ao máximo a presença do Estado como actor, para que as empresas e as suas organizações fiquem de mãos livres para poder maximizar os seus lucros, já que afinal, capciosamente se diz que os lucros das empresas - aquelas que "criam empregos" - serão, a prazo, os proveitos dos seus trabalhadores.
Mas a semelhança está aí precisamente. Um regime "liberal" - tal como o fascismo - traz consigo condicionalismos sociais e políticos: liberalização de despedimentos, contratos de trabalho sem direitos de maior, imposição férrea de baixos salários em actividades de baixa produtividade - tal como no fascismo em que Salazar quis impedir uma industralização mais vigorosa como forma de impedir uma progressão social da classe operária eminentemente revolucionária. E pesada repressão sindical para impedir que a sua organização seja eficaz a reivindicar melhores condições laborais, algo que faria subir "os custos salariais". E tudo em prol da competividade das empresas nacionais. A liberdade empresarial ao extremo tende a subordinar todos os objectivos sociais e económicos ao bem das empresas, provocando a falta de liberdade que advém da desigualdade social por si gerada.
No final, que fique só a gargalhada, pela graça. Mas - no fundo - trata-se de um assunto muito sério.
11 comentários:
Liberal seria essa ala se comparada com o que para muitos é a saudosa intervenção estatal na economia com Planos de Fomento, Condicionamento Industrial e outros mimos intervencionistas que são hoje ambição maior de uma esquerda que só se distingue do Estado Novo porque acreditam que a funcionários do Estado cabe decidir e gerir negócios; a justa recompensa por tão diligentes serviços naturalmente ocorreria, como é de justiça.
Não acha que está a ir demasiado longe ao interpretar um erro que se deve provavelmente à razão que aponta e a mais nada?
A título de provocação, na RDA, a coligação de poder, controlada pelo SED (que se deveu à fusão forçada do KPD e do SPD na Alemanha de Leste, imposta por Moscovo), chamava-se Frente Nacional.
Como o Partido da família Le Pen.
Nada mais poderia separar os dois ideários, dirá o João Ramos de Almeida. Excepto que se tratava de uma coligação supostamente nacionalista (mas dependente de Moscovo, como depende o Partido de Le Pen financeiramente, pelo menos) ao leme de um regime onde as liberdades eram suprimidas (a começar pela liberdade dos trabalhadores, basta lembrar a origem da revolta do 17 de Junho de 1953), onde existiam presos políticos e onde as pessoas estavam impedidas de abandonar o País, que se encontrava cercado por um muro a Oeste (para proteger a Paz, Sahra Wagenknecht dixit). E aqueles que o tentavam arriscavam a prisão ou mesmo a morte.
Nem nos seus sonhos mais húmidos, ousariam os Le Pen sonhar com tal coisa, digo eu.
Contrariamente ao que o seu colega João Rodrigues quer fazer crer, o liberalismo é um medicamento de largo espectro. Como bem explica Pacheco Pereira este fim-de-semana no Público, ele não se resume a Hayek, Von Mises, Friedman e quejandos... Keynes e Beveridge eram liberais, por exemplo.
Como Pacheco Pereira também salienta, a principal característica do verdadeiro liberal é a crença na igualdade por via da cidadania, coisa que os marxistas não aceitam, agarrados que estão às fidelidades de classe. Deve ser por isso que o PCP não aceita as sucessivas revisões da CRP (chamam-lhe atropelos) ou a integração de Portugal na UE, muito embora tenham sido decididas por largas maiorias populares na AR...
Também calho de saber que o socialismo é outro medicamento de largo espectro e que nem todos (ou sequer a maioria) dos socialistas alinha nas soluções autoritárias à soviética ou à chinesa. Dou até de barato que a maioria dos militantes do PCP as rejeita nos dias de hoje e lutaria contra elas como esse Partido lutou contra o fascismo.
Só que para serem um bocadinho mais convincentes, conviria que se livrassem das más companhias e fossem capazes de classificar regimes como Cuba, China, Rússia, Vietname, etc, como aquilo que são, ou seja, ditaduras, não como heróis da luta anti-capitalista (alguns até são do mais capitalista e materialista que há). Andar a cantar loas sobre eles é que não dá...
De outro modo, a proposta soberanista que esposam é uma anedota nos seus próprios termos. De que soberania gozam os uigures, por exemplo?
O problema de se cuspir para o ar, João Ramos de Almeida, é que o proverbial cuspe pode vir cair-nos na cabeça :) ...
Muito bom
A palavra "liberal" é o que cada um quiser. É como a palavra "socialista" em Partido Socialista ou os dirigentes do BE que são ... social-democratas
Muito bom de facto.
A ironia e o humor como veículo para mais uma vez se denunciarem as ligações entre o fascismo e o liberalismo
Caro Jaime,
Tem toda a razão: talvez tenha abusado da importância de um erro. Mas há-de concordar que a graça que fiz é bem mais "engraçada" do que aquela que tentou trazer a este "salão".
Primeiro, porque se há palavra que está na moda - pelo menos no ranking da sua utilização - é de todos se manifestarem de "liberais" quando, no fundo, querem omitir/esconder que são "neoliberais" (talvez porque o neoliberalismo tem maus fígados e gera demasiada pobreza, como foi - e é - o caso de Portugal). E o neoliberalismo é, por isso, tudo menos liberal. E se quer que lhe diga, as sucessivas revisões da CRP foram feitas precisamente para melhor acomodar essa deriva neoliberal que, por acaso, nunca foi colocada a votos por ocasião das eleiçoes... Liberalidades, não é?
Depois, porque - ao contrário do que se passou - ninguém cometerá o lapso de chamar a um Partido Socialista ou ao Partido Comunista algo como Partido Nacional Socialista ou Social-Fascista. Dá demasiado nas vistas, sente-se a lâmina debaixo dos pés ou cheira demasiado a mofo.
E finalmente, quanto à liberalismo dos militantes do PCP, creio que faz bem em admitir que recusariam qualquer forma de ditadura. Foi, aliás, interessante por exemplo ouvir o candidato João Ferreira falar sobre esse tema. Nomeadamente afirmando muito categoricamente que o PCP não seguiria opções tomadas noutros países. Claro que isso nos levaria mais longe e a segunda vaga de questões para que fosse uma noite bem passada em debate, porque quando se discute o socialismo, acaba por ser um assunto bem mais rico do que o do (neo)liberalismo. Pelo menos, como esperança, já que o outro nos traz, sobretudo, sofrimento.
Alguém fala da democracia e mostra-a. Omo a criada de servir que se emancipou, e saiu de casa, mas já ia grávida do filho do patrão e lá vem alguém com a Rússia e a China e a Índia e o Japão...
Estas afirmações solenes, estilo sentença menor, do género:
"ambição maior"
Não faz lembrar aquelas sentenças dos tribunais plenários, a ressumar a pretensiosismo e a coisas piores?)
Sem o querer jose continua na senda do humor do autor do post.
O do "orgulhosamente só", o declamador de versos à noite salazarista, o admirador das sentenças criminosas de um "para Angola e em força", o cantador da protecção da Pide e da legião à actividade "empresarial",vem agora tentar rasurar o seu amor por essa protecção mafiosa que os meios repressivos do fascismo asseguravam ao patronato néscio
E é ver jose encavalitado na senda do mais puro liberalismo. Será que o corpo de salazar não se ressentirá com este troca-tintismo grosseiro?
Ou isto é apenas mais uma prova das ligações intimas entre o fascismo e o liberalismo?
Brilhante esta posta de JRA
Quanto a Jaime Santos...
Nem vale a pena pegar na sua cassete. Já sabemos que a sua caminhada impotente tem que desembocar de forma "verdadeiramente potente" na URSS, Cuba, Rússia, China, Vietnam...
Mas não lhe falem mal do liberalismo. E sobretudo não lhe exponham as ligações com o fascismo.
Teremos direito a mais uma sua versão, cada vez mais agastada, com direito às suas grilhetas favoritas ou ao cuspo que invariavelmente cai (o cuspo e a "piada")
O resto já o disse JRA numa resposta inspirada
O Pacheco Pereira explica tão bem tanta coisa que até parece impossível que hajam coisas que ele possa explicar sobretudo porque o liberalismo não é um remédio mas antes uma doença do típico liberal burguês. (Ri-te...Ri-te.)
O ataque de Jaime Santos ao autor do texto é soez.
É também um exemplo daquilo que é escrito por simpatizantes do «Chega».
Sim, de facto, a cuspidela que Jaime Santos deu com este seu texto só pode ter caído na sua cabeça.
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